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As PPPs e os gargalos de infraestrutura

As mais diversas análises e projeções de crescimento econômico para 2010, por mais otimistas que sejam, apontam para um sério entrave à pretensão do País de se estabelecer no patamar das potências econômicas mundiais: os problemas de infraestrutura.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Atualizado em 22 de janeiro de 2010 14:27


As PPPs e os gargalos de infraestrutura

Cristiano Tutikian*

As mais diversas análises e projeções de crescimento econômico para 2010, por mais otimistas que sejam, apontam para um sério entrave à pretensão do País de se estabelecer no patamar das potências econômicas mundiais: os problemas de infraestrutura.

O desenvolvimento de atividades econômicas depende de um setor de infraestrutura forte e consolidado. O cenário no Brasil, porém, é outro, extremamente preocupante às antevésperas de eventos de grande magnitude, como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Os anos passam e os governos se sucedem, mas os problemas continuam os mesmos. Esse é um obstáculo que necessita urgentemente ser superado.

Por infraestrutura, entende-se toda a base física que possibilita aos mais diversos setores da economia o desenvolvimento de suas atividades, englobando setores como o de educação, saúde, saneamento, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, energia e silos.

Os chamados gargalos de infraestrutura, no entanto, impedem o incremento da atividade econômica, reduzindo o grau da atratividade nacional a novos investimentos. O principal problema identificado refere-se ao setor de transportes, já que o País possui uma malha ferroviária tímida e carente de investimentos, uma malha rodoviária que, além do sucateamento, não está preparada para comportar o aumento do volume do transporte de cargas, e uma malha hidroviária subutilizada.

Diante de tais fatores, o aquecimento da economia interna tende a agravar esses problemas. A previsão de safra recorde em 2010 serve de alerta para os problemas que serão enfrentados no escoamento da produção. O setor de transportes experimentou recente retração de investimentos, em decorrência da crise dos últimos anos, e o incremento da produção gera expectativa de elevação da movimentação nas rodovias, as quais não estão preparadas para comportar esse crescimento.

Nesse contexto desfavorável, e diante da ineficiência de gestão do Poder Público e das limitações de orçamento para a realização de todos os investimentos necessários, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) têm sido apontadas como solução para ao menos parte de tais problemas.

As PPPs permitem que os parceiros privados aportem recursos em áreas em que a prestação estatal é deficitária, na busca de objetivos que atendam simultaneamente a interesses públicos e privados. No entanto, as PPPs não se destinam à execução de qualquer serviço ou obra pública. Elas são adequadas aos casos em que a exploração pelo particular não é suficiente para remunerá-lo ou quando sequer há previsão de contraprestação pelos usuários. Por essa razão, os riscos envolvidos nas PPPs devem ser coordenados entre as partes: de um lado, o parceiro privado alocará recursos de grande monta em projetos de infraestrutura pública; de outro lado, o parceiro público deve garantir o adequado cumprimento de suas contrapartidas.

No entanto, a participação privada em infraestrutura no Brasil, até hoje, além de insignificante diante do tamanho de sua economia, não gerou altos índices de lucratividade, quando considerado o custo total do capital empregado.

Partindo-se de tais premissas, as PPPs tornaram-se uma alternativa mais adequada em relação às concessões comuns, tratando-se de grandes projetos de infraestrutura, pois representam uma nova racionalidade, baseada na coordenação entre os setores público e privado.

Se, por um lado, os projetos de PPP possuem um elevado grau de complexidade, principalmente sob os aspectos financeiro e de engenharia, por outro lado é justamente este o seu diferencial em relação às concessões comuns e que os tornam atrativos ao investimento privado. A Administração Pública encontra-se impossibilitada de realizar volumosos investimentos de recursos públicos em projetos de maior grau de dificuldade de estruturação, execução e gestão. Desse modo, as PPPs podem ser consideradas como instrumento de atenuação de alguns dos principais problemas para a realização de investimentos em infraestrutura: limitação do orçamento público, compartilhamento de riscos e deficiências de gestão.

Esse aspecto torna-se ainda mais evidente pela própria incorporação das PPPs no ordenamento jurídico brasileiro. Mais do que simplesmente positivar outra espécie de concessão, a Lei Federal 11.079/2004 (clique aqui) cria um regramento geral para as licitações e contratações administrativas por meio de PPPs, pautado por uma lógica própria, diversa da que rege as concessões comuns.

Esse traço pode ser verificado no papel a ser exercido pelos parceiros. Ao se submeter cada um dos parceiros a regimes diferenciados, busca-se a conjugação de esforços visando ao atendimento de interesses simultaneamente públicos e privados. A relação entre o público e o privado passa a ser ditada por uma nova lógica, de cooperação e coordenação entre os parceiros, comprometida, sobretudo, com a eficiência da gestão pública.

Portanto, uma nova mentalidade mostra-se imprescindível à continuidade do processo de desenvolvimento. A Administração Pública tem de adotar uma visão econômica e jurídica alinhada à etapa de mudanças em que se encontra o Direito Administrativo regulador, por meio da renovação de seus princípios e normas e da superação de antigos dogmas como os da concepção unitária de interesse público, da legalidade administrativa como vinculação positiva à lei e da discricionariedade em detrimento da legitimidade. A relativização da dicotomia direito público e direito privado faz com que as PPPs sejam compreendidas a partir de um viés regulador de maior sintonia com os interesses da sociedade, em detrimento do modelo de regulação autoritária e unilateral, em que o Estado comporta-se e é compreendido como inimigo.

É patente que as formas clássicas do Direito Administrativo são, em geral, insuficientes ao desempenho do papel prestacional do Estado. A Administração Pública não possui condições de gerir os diversos interesses públicos juridicamente tutelados. Com isso, não apenas os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais restam desatendidos, como também a livre iniciativa, que não apenas é princípio fundamental da República, sendo, sobretudo, base de todo o progresso econômico e social almejado.

Por meio dessa leitura, as PPPs, mesmo não constituindo solução mágica para todos os problemas a serem enfrentados, podem e devem ser compreendidas como instituto de um Direito Administrativo dinâmico, em que a articulação entre os setores público e privado estabelece uma nova ordenação de poderes, visando à preservação dos interesses envolvidos: o interesse público consubstanciado na execução de um projeto de infraestrutura - seja ele a universalização do saneamento, ampliação da rede hospitalar, recuperação da malha rodoviária etc. - e o interesse privado em desenvolver uma atividade econômico-empresarial com potencial de lucratividade, nos limites de um marco regulatório de relativa estabilidade.

Por tais razões, e em respeito a essa lógica, as PPPs destinam-se a projetos de valor não inferior a R$ 20 milhões. Em contrapartida, considerando-se as peculiaridades, complexidades e necessidade de gestão eficaz de um projeto de PPP, as licitações reguladas pela Lei Federal 11.079/2004 admitem que as fases de habilitação e julgamento sejam invertidas; que sejam sanadas falhas, complementadas insuficiências e realizadas correções de caráter formal no curso do procedimento; e que o projeto básico seja elaborado pelo próprio parceiro privado.

Portanto, em nome dessa nova dinâmica e configuração de interesses que, diante dos enormes obstáculos que necessitam ser superados em curto e médio prazo, a revitalização dos investimentos em infraestrutura dependerão, essencialmente, de financiamento privado; uma compreensão renovada das PPPs é parte desse processo.

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*Advogado do escritório Veirano Advogados











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