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A tormenta chamada 'clamor social' e a prisão preventiva

No processo penal, além da prisão como pena, que é a decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, temos também as hipóteses de prisões processuais, dentre as quais, a que mais se destaca dentro e fora da comunidade jurídica é a prisão preventiva, tendo em vista a exploração excessiva de parcela da imprensa que transforma a efetivação de uma prisão num espetáculo transmitido ao vivo tal qual mais um corriqueiro "reality show".

terça-feira, 6 de abril de 2010

Atualizado em 5 de abril de 2010 11:33


A tormenta chamada 'clamor social' e a prisão preventiva

Ulysses Monteiro Molitor*

No processo penal, além da prisão como pena, que é a decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, temos também as hipóteses de prisões processuais, dentre as quais, a que mais se destaca dentro e fora da comunidade jurídica é a prisão preventiva, tendo em vista a exploração excessiva de parcela da imprensa que transforma a efetivação de uma prisão num espetáculo transmitido ao vivo tal qual mais um corriqueiro "reality show".

A prisão preventiva, na condição de medida processual de exceção, não pode ser confundida com a aplicação da Justiça, como uma antecipação da pena, nem ser influenciada pelo chamado clamor social que poderia ser conceituado como um sentimento de indignação geral da sociedade diante de delitos diferenciados que se destacam na infeliz criminalidade cotidiana.

Mencionada prisão, prevista em nosso ordenamento jurídico no CPP, nos artigos 311 a 316 (clique aqui) , permite seu decreto pelo juiz de forma motivada em qualquer momento do inquérito policial ou da instrução criminal, podendo tal decisão ser dada de ofício, a requerimento do representante do Ministério Público, por requerimento do querelante que é aquele que ingressa com a ação penal privada, ou ainda mediante representação da autoridade policial que conduz as investigações.

Tem aplicação na maior parte dos casos nos crimes dolosos punidos com reclusão, havendo outras hipóteses no artigo 313, como nas infrações dolosas punidas com detenção, quando constatado que o indiciado é vadio ou existem dúvidas quanto a sua identidade.

Ao reincidente doloso, também é cabível o decreto independentemente de a pena ser de reclusão ou detenção, acrescentando ainda recentemente o legislador a possibilidade de prisão quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher visando a garantia da execução de medidas protetivas de urgência.

Em regra, referida ordem restritiva de liberdade pode ser aplicada tão somente quando a prisão preventiva for fundada na garantia da ordem pública ou da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou ainda para assegurar a aplicação da lei penal, sempre quando houver, em todos os casos, prova da existência do crime, além de indícios suficientes de autoria.

Pontuando as hipóteses de cabimento que são alternativas para fundamentação do decreto, a garantia da ordem pública diz respeito à perturbação real da sociedade que se vê sobre o risco da prática de novos crimes se permanecer liberto o investigado. Geralmente, nas petições de liberdade provisória, afasta-se mencionado item com a indicação de que a pessoa não possui maus antecedentes e que não tem a personalidade voltada para reiteração de condutas criminosas.

Já a garantia da ordem econômica, introduzida no Código por força da lei 8.884/94 (clique aqui), tem por finalidade evitar a prática de crimes de maior gravidade contra a ordem econômica.

A conveniência da instrução criminal tem por escopo impedir que o agente criminoso atrapalhe a produção de provas, situação que se faz presente, por exemplo, quando testemunhas são ameaçadas ou há risco de que o sujeito destrua provas ainda não encontradas.

Por fim, o assecuramento da aplicação da lei penal diz respeito ao risco de fuga do sujeito, fator que impedirá ao final do processo a aplicação da lei penal. Mencionado motivo, em termos práticos, costuma ser afastado indicando-se a existência de domicílio e emprego fixo.

Como se observa, a lei respeita princípio da presunção da inocência previsto no inciso LVII do art. 5º da CF (clique aqui) e, em momento algum faz menção ao clamor social como motivo a prisão processual.

Aceitar o clamor social para antecipadamente suprimir a liberdade de uma pessoa sob o falho argumento de que assim está se fazendo Justiça, além de não ter fundamento legal, é admitir a total ineficácia do processo que não é concluído num prazo razoável, sob pena ainda de se inverterem as balizas do direito, surgindo situações em que o réu possa ser condenado e, paradoxalmente, ser colocado em liberdade com o trânsito em julgado da sentença por já ter ficado preso tempo superior ao imposto na condenação.

Ademais, ficaria o magistrado ao admiti-la como fundamento, 'refém' da imprensa que, por livre conveniência, escolhe casos que possam gerar repercussão em troca de audiência.

Não se pretende aqui rejeitar a atuação da imprensa que obteve sua liberdade de expressão pelo custo de muitas vidas, mas sim, afastar os reflexos de sua legítima atuação como instrumento norteador para um decreto prisional.

Não se pode conceber que uma pessoa possa responder a um processo presa ou liberta pelo simples fato do crime ter sido ou não vastamente noticiado na imprensa.

Crimes que geram nossa indignação são cometidos todos os dias com os mesmos requintes de crueldade, mas nem todos chegam ao nosso conhecimento, devendo o rigor da lei ser imposto a todos de maneira objetiva.

A resposta para a sociedade que os Poderes Judiciário e Legislativo devem apresentar diante do clamor social é um julgamento eficaz e célere, num processo regido por normas modernas e compatíveis com nossos tempos, e não mediante uma prisão processual que, se assim for utilizada, nada mais será do que um paliativo frente a morosidade do sistema judiciário e a impropriedade das leis.

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*Professor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul e da Faculdade Anchieta de São Bernardo do Campo. Coordenador do Núcleo São Caetano da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. Assistente jurídico da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo

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