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Uniões estáveis simultâneas

Em recente decisão, o STJ, no Recurso Especial nº 1.157.273/RN, enfrentou diversos julgamentos anteriores e buscou pacificar uma situação muito comum: as uniões estáveis simultâneas.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Atualizado em 22 de setembro de 2010 10:13


Uniões estáveis simultâneas

Thais Precoma Guimarães*

Em recente decisão, o STJ, no Recurso Especial 1.157.273/RN (clique aqui), enfrentou diversos julgamentos anteriores e buscou pacificar uma situação muito comum: as uniões estáveis simultâneas.

O conceito também pode ser chamado de relações paralelas, paralelismo, união estável plúrima ou múltipla. Esta situação ocorre quando uma pessoa mantém relações amorosas com várias pessoas e ao mesmo tempo.

Na dicção do acórdão recorrido, buscava-se a configuração da união estável do falecido com a sua ex-esposa e, ao mesmo tempo, com a sua nova companheira, sendo que a decisão a quo determinou que a pensão por morte deveria ser dividida entre as duas, reconhecendo assim as uniões estáveis concomitantes.

Para entender a decisão referida, alguns conceitos deverão ser enfrentados.

A configuração da união estável se dá através do preenchimento de alguns requisitos elencados nos artigos 1.723 e 1.724 do Código Civil pátrio. São eles:

a) publicidade;

b) continuidade;

c) durabilidade;

d) objetivo de constituição de família;

e) ausência de impedimentos para o casamento, ressalvadas as hipóteses de separação de fato ou judicial;

f) observância dos deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como da guarda, sustento e educação dos filhos.

Anteriormente, para configuração da união estável era necessária a convivência por mais de 5 anos, porém, este requisito foi derrogado com o advento da lei 9.278/96 (clique aqui).

No presente caso, o STJ analisou a primeira relação, que foi encerrada entre os ex-cônjuges por meio do divórcio. Porém, a ex-esposa alegou que, após o divórcio, voltou a conviver com o falecido, até a sua morte, e que sabia que ele mantinha uma relação com outra mulher.

Já a recorrente, companheira do de cujus, alega que manteve com ele uma união estável por 9 anos, sendo tal união comprovada por amplo lastro probatório.

O tema vinha sendo tratado de maneira diversa pelo STJ. A 3ª turma, em caso semelhante, havia decidido que não há como conferir status de união estável à relação afetiva paralela a casamento válido (RESP 931.155/RS - clique aqui), sem, contudo, adentrar ao mérito do paralelismo afetivo. A 5ª turma, por sua vez, em diversos julgamentos, assentou a possibilidade de rateio de pensão por morte entre a ex-mulher e a companheira (RESP 856.757/SC - clique aqui e RESP 628.140/RS - clique aqui).

Já a 6ª turma, em julgamentos mais recentes, firmou a tese de que "não obstante a evolução legislativa, manteve-se, a seu turno, a exigência para o reconhecimento da união estável que ambos, o segurado e a companheira, sejam solteiros, separados de fato ou judicialmente, ou viúvos, que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto, excluindo-se assim para fins de reconhecimento de união estável, as situações de concomitância, é dizer, de simultaneidade de relação marital e de concubinato" (RESP 647.176/PE - clique aqui).

Vale esclarecer que a convivência na mesma residência não é necessária para caracterização da união estável, pois bastam que estejam presentes os requisitos acima elencados para que esta relação se configure. Desta forma já decidiu o mesmo Tribunal no julgamento do Recurso Especial 275.839/SP (clique aqui): "o art. 1º da lei 9.278/96 não enumera a coabitação como elemento indispensável à caracterização da união estável". Sem a convivência sob o mesmo teto exige-se "relações regulares, seguidas, habituais e conhecidas, se não por todo mundo, ao menos por um pequeno círculo".

Retornando ao julgamento em questão, a Relatora MINISTRA NANCY ANDRIGHI, bem enfatizou que "uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade - que integra o conceito de lealdade - para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade".

Ressalte-se que no que diz respeito à ex-esposa, não se tratava de continuidade do relacionamento anterior, nem configuração de união estável, já que o casamento havia sido dissolvido pelo divórcio e não conviviam os ex-cônjuges com respeito ao dever de lealdade e com a intenção de constituir família.

Defende este posicionamento também o Professor ROLF MADALENO: "Não há como encontrar conceito de lealdade nas uniões plúrimas, pois a legitimidade do relacionamento afetivo reside na possibilidade de a união identificar-se como uma família, não duas, três ou mais famílias, preservando os valores éticos, sociais, morais e religiosos da cultura ocidental, pois em contrário, permitir pequenas transgressões das regras de fidelidade e de exclusividade que o próprio legislador impõe seria subverter todos os valores que estruturam a estabilidade matrimonial e que dão estofo, consistência e credibilidade à entidade familiar, como base do sustento da sociedade".

Assim deu-se o voto da Ministra Relatora, afirmando que a relação mantida entre o falecido e sua ex-esposa era despida dos requisitos caracterizadores da união estável. Salientou ainda que, caso ela tenha interesse na partilha de bens, deverá ingressar com processo diverso a fim de comprovar eventual esforço comum.

Desta forma, decidiu-se, por unanimidade de votos, pelo reconhecimento da união estável do falecido apenas com a sua companheira, excluindo a ex-esposa do recebimento da pensão por morte.

Porém, algumas considerações ainda merecem ser traçadas no presente artigo.

Em situação semelhante, o TJ/RS manteve o reconhecimento de uma união dúplice, com o seguinte fundamento: "Se mesmo não estando separado de fato da esposa, vivia o falecido em união estável com a autora/companheira, entidade familiar perfeitamente caracterizada nos autos, deve ser mantida a procedência da ação que reconheceu a sua existência, paralela ao casamento. A esposa, contudo, tem direito sobre parcela dos bens adquiridos durante a vigência da união estável. (...) O presente feito é a prova cabal de que uma pessoa pode manter duas famílias concomitantemente, e com as duas evidenciar a affectio maritalis, parecendo até que algumas pessoas têm a capacidade de se dividir entre tais famílias como se fossem duas pessoas, e não uma só" (TJ/RS. Apelação Cível 70015693476. Rel. Des. JOSÉ S. TRINDADE. J. 20/07/2006).

No acórdão anteriormente analisado, a Ministra NANCY ANDRIGHI citou um trabalho de LAURA PONZONI , no qual ela afirma que existem três correntes sobre o paralelismo afetivo: a) a primeira corrente, encabeçada por Maria Helena Diniz, não admite relacionamentos concomitantes, e que, caso isso fosse admitido, estariam admitindo a bigamia ou a poligamia; b) a segunda corrente admite a união estável putativa, com base no artigo 1.561, § 1º, do Código Civil, para o convivente de boa-fé que não tinha conhecimento do casamento ou de outra união estável de seu companheiro. Rodrigo da Cunha Pereira, Zeno Veloso e Flávio Tartuce seguem esta corrente; c) a terceira corrente, defendida principalmente por Maria Berenice Dias, admite que todas as uniões concomitantes constituem entidade familiar.

O primeiro posicionamento tem se mostrado majoritário nas decisões de nossos Tribunais, apesar de a segunda corrente, ao meu entender, se mostrar a mais correta e justa, já que protege o companheiro que tem boa-fé subjetiva.

Todavia, algumas questões de ordem prática acabam por surgir, como bem destaca o Professor ZENO VELOSO: "Observe-se que não é possível a quem vive uma união estável constituir outra união estável. Com o segundo relacionamento, será irremediavelmente extinto e dissolvido o primeiro. Se um homem tem várias concubinas, ou a mulher vários amantes, sem dúvida, não estaremos diante de uniões estáveis. O concubinato múltiplo não se pode considerar uma entidade familiar. Embora possa produzir alguns efeitos (de ordem material, por exemplo), não terá as consequências determinadas no Código Civil para a união estável".

Neste caso ficaria dificultada a comprovação de qual seria a união estável válida e qual foi o início destes relacionamentos. Diversas questões de ordem matrimonial e com o fim de estabelecer pensões alimentícias ou pensões por morte restariam prejudicadas, eis que o sujeito pode manter diversas uniões simultâneas. Assim adverte VENOSA: "o maior volume de problemas surge quando se desfaz concubinato, com aquisição comum de patrimônio, com existência paralela de casamento. Nesse caso, as discussões serão profundas acerca da atribuição do patrimônio. O mesmo se diga quando ocorrem duas uniões sem casamento concomitantemente. Temos que definir duas massas patrimoniais, a meação, atribuível ao companheiro (a) e atribuível ao esposo (a). Em princípio, caberá dividir o patrimônio com base no esforço comum desse triângulo, o que nem sempre será fácil de estabelecer na prática".

Considerando estes aspectos, a decisão do STJ, parece ter sido a mais acertada, já que reconheceu a existência de apenas uma união estável do de cujus, mas, cumpre clarificar que merecem ser analisadas as peculiaridades de cada caso concreto, a fim de não deixar a companheira de boa-fé desprotegida.

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1 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 6ª edição. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 30.

2 MADALENO, Rolf. A União (Ins)Estável (Relações Paralelas). Disponível em: . Acesso em: 06 jun 2010.

3 PONZONI, Laura de Toledo. Famílias simultâneas: união estável e concubinato. Disponível em < https://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=461>. Acesso em 05 jun 2010.

4 VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado. Vol. XVII. Coord. Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 125.

5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Direito de Família. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 394.

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*Advogada do Escritório Professor René Dotti









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