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Interpretação do artigo 384 da CLT

A concessão do intervalo previsto no artigo 384 da CLT voltou a ser tema de julgamento no TST. Em sessão recente, a 3º turma reconheceu parte do recurso do Sindicato dos Bancários do Paraná que pleiteava a aplicação da norma celetista para todos os empregados da categoria.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Atualizado em 19 de outubro de 2010 14:02


Interpretação do artigo 384 da CLT

Paula Machado Colela Maciel*

A concessão do intervalo previsto no artigo 384 da CLT (clique aqui) voltou a ser tema de julgamento no TST. Em sessão recente, a 3º turma reconheceu parte do recurso do Sindicato dos Bancários do Paraná que pleiteava a aplicação da norma celetista para todos os empregados da categoria. Os ministros reafirmaram que a norma celetista só é válida para as trabalhadoras.

O referido artigo está inserido no capítulo III que trata da proteção do trabalho da mulher. Diz o artigo que "em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 minutos, antes do início do período extraordinário de trabalho".

Com base no citado artigo, caso o empregador deixe de conceder à mulher o intervalo de 15 minutos entre a jornada normal e a extraordinária, este deverá indenizá-la com o pagamento do tempo correspondente, com acréscimo de 50%.

Muito já se discutiu na doutrina e jurisprudência acerca da constitucionalidade do art. 384 da CLT. Entretanto, apesar da matéria já ter sido decidida na sessão do Pleno do dia 17/11/08, no julgamento do TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, vários Tribunais Regionais ainda divergem do entendimento adotado pelo Colendo TST.

Decidiu o TST que o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição da República. Transcrevo a ementa do citado incidente de inconstitucionalidade:

MULHER - INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF.

1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-se sua não-recepção pela Constituição Federal, dada a plena igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico.

2. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST).

3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de se postergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso.

4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher.

5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT.

Incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista rejeitado.- (IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, Tribunal Pleno, DJ 13/02/2009).

Em contrapartida, o TRT da 9ª região em recente decisão, publicada no dia 17/08/2010, assim decidiu:

EMENTA: INTERVALO PREVISTO NO ART. 384, DA CLT - INAPLICÁVEL. Não se aplica o art. 384, da CLT, haja vista não ter sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Sob pena de violação ao princípio da isonomia, reforma-se a sentença primária para excluir da condenação o pagamento de 15 minutos diários a título de horas extras e seus reflexos, por inobservância do artigo 384 da CLT. Sentença que se mantém. (TRT-PR-31106-2008-651-09-00-3 - Relator: SÉRGIO MURILO RODRIGUES LEMOS).

No mesmo sentido, segue recente decisão do TRT da 3ª região:

EMENTA:. TRABALHO DA MULHER. ARTIGO 384 DA CLT. INTERVALO PARA DESCANSO. DISPOSITIVO NÃO RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO. Em conseqüência da revogação expressa do art. 376 da CLT, pela Lei n. 10.244, de junho de 2001, está também revogado, tacitamente, o art. 384 da CLT, que prevê descanso de quinze minutos, no mínimo, para a mulher, na hipótese de prorrogação de jornada. Ambos dispositivos conflitavam, sem dúvida, com o art. 5º, I, da Constituição da República: "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição". Não está recepcionado o artigo 384 da CLT pelo preceito constitucional. A diferença entre homens e mulheres não traduz fundamento para tratamento diferenciado, salvo em condições especiais, como a maternidade. O intervalo do art. 384 só seria possível à mulher se houvesse idêntica disposição para trabalhadores do sexo masculino. A pretensão almejada pelo art. 384 da CLT poderia caracterizar um obstáculo à contratação de mulheres, na medida em que o empregador deveria certamente admitir homens, pois não teria obrigação de conceder aquele descanso, que é feminino. Logo, o que seria uma norma protetiva, acabaria por se tornar um motivo para preterição. (RO 0177900-84.2009.5.03.0053 - Relatora: Alice Monteiro de Barros, DJ 24/06/2010).

A meu ver, o artigo 384 da CLT é inconstitucional, pois ofende o Princípio Constitucional da Igualdade. A regra insculpida no artigo 5º, caput, da CF é clara: "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". E ainda diz no inciso I que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição".

Os direitos e obrigações a que se igualam homens e mulheres apenas viabilizam a estipulação de jornada diferenciada quando houver necessidade da distinção, não podendo ser admitida a diferenciação apenas em razão do sexo, sob pena de se estimular discriminação no trabalho entre iguais.

Logo, ou os efeitos do artigo 384 da CLT seriam uma garantia dirigida a todos os trabalhadores, e não o são, ou não poderia ele ser recepcionado pelo texto constitucional que proíbe a discriminação em razão do sexo.

Embora o TST considere a norma como contendo uma diferenciação própria da mulher, em decorrência de suas naturais desigualdades físicas, não há, no meu entender, a necessidade de descanso antes do trabalho extraordinário, pois seria descansar previamente antes do cansaço extra, uma vez que inexiste cansaço presumido após o trabalho normal.

A discriminação disposta no citado artigo 384 certamente restringe mais a contratação da mulher no trabalho, já limitada pelas próprias restrições físicas existentes.

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*Sócia do escritório Advocacia Maciel

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