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Panorama do setor aeroportuário no Brasil

Ricardo Alvarenga

Os aeroportos brasileiros, com poucas exceções, são considerados patrimônios públicos da União Federal, ou universalidades, definidos como tal no vigente Código Brasileiro de Aeronáutica - art. 38.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Atualizado em 21 de outubro de 2010 09:46


Panorama do setor aeroportuário no Brasil

Ricardo Alvarenga*

Os aeroportos brasileiros, com poucas exceções, são considerados patrimônios públicos da União Federal, ou universalidades, definidos como tal no vigente Código Brasileiro de Aeronáutica - art. 381.

A INFRAERO - Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária é a pessoa jurídica de direito público, porquanto uma estatal pura, com 100% de capital da União Federal, incumbida pela legislação de gerir os aeroportos.

Criada através da lei 5.862 (clique aqui), de 12 de dezembro de 1972, a INFRAERO, ao longo dos anos, vem sendo muito criticada pela forma que exerce esse encargo legal. A crise na infraestrutura do País, como é propalada pela imprensa, atinge níveis de verdadeira calamidade se forem consideradas apenas as deficiências observadas no setor aeroportuário, principalmente nos aeroportos mais importantes ou movimentados como são os de Brasília, Guarulhos e Congonhas, em São Paulo, e Galeão e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, para não se mencionar outros como o Tancredo Neves, em Belo Horizonte, situado no Município de Confins.

Quem viaja com certa freqüência pode observar que as instalações e os serviços aeroportuários deixam muito a desejar e não há termos de comparação entre esses aeroportos e outros situados em países do chamado primeiro mundo.

Os investimentos que precisam ser realizados para a permanente modernização dos aeroportos são relegados a segundo plano, seja por carência de recursos ou incúria administrativa. E quem sofre na pele todas as conseqüências da inação estatal somos nós, os cidadãos contribuintes, que nos transformamos em queixosos passageiros. Tanto assim que já foram criados juizados especiais de conciliação nos principais aeroportos do País, tendo em vista a solução dos inúmeros problemas enfrentados pelos usuários dos serviços aéreos e aeroportuários.

É claro que os aeroportos não são apenas salas de visitas pelas quais passamos em operações de embarque e desembarque das aeronaves. Há neles equipamentos importantíssimos que se relacionam muito mais com a segurança do que com o próprio bem estar dos passageiros. E segurança possui um sentido duplo, que na língua inglesa possui dois vocábulos com grafias e acepções diferentes: "safety" e "security". Para aqueles familiarizados com o idioma estrangeiro, não há necessidade de muita explicação: "safety" tem a ver com a segurança das pessoas no que concerne a sua integridade física, a sua higidez corporal e, por que não dizer, mental.

"Security" diz respeito a segurança no sentido de prevenção contra atos ilícitos. É muito claro, no entanto, que o pouco cuidado com normas de segurança contra atos ilícitos poderá implicar em prejuízos consideráveis para a indenidade ou segurança física de todas as pessoas que transitam pelos aeroportos, sejam passageiros ou não.

E por que menciono a questão da segurança, tanto traduzida como "safety" tanto como "security" quando tratamos de aspectos jurídicos da concessão de aeroportos?

Entendo que, muitas vezes, a atuação da INFRAERO, como gestora dos principais aeroportos do País, tem negligenciado a questão de segurança, em prol de maior ênfase em outros aspectos do patrimônio aeroportuário. A transformação de alguns aeroportos em quase "shopping centers", com a priorização das áreas comerciais em relação às áreas operacionais dos aeroportos, tem sido uma constatação e uma preocupação principalmente para os operadores de aeronaves, dentre eles as empresas concessionárias de linhas aéreas, de táxi aéreo e operadores de aeronaves corporativas. Deveria ser também a preocupação maior de todos nós cidadãos e habituais usuários dos aeroportos brasileiros.

ALGUNS ASPECTOS DO INSTITUTO DA CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Quando a Administração Pública executa seus próprios serviços, age na qualidade de titular dos mesmos; quando os transfere a outrem, pode transferir-lhes a titularidade ou simplesmente a execução. A transferência da titularidade do serviço é outorgada por lei e só através de lei pode ser retirada ou alterada. Já na transferência da execução do serviço, a delegação é realizada através de ato administrativo (bilateral ou unilateral) e pela mesma maneira pode ser retirada ou alterada. No Brasil, a outorga de serviço público ou de utilidade pública é feita a autarquias, fundações públicas e às entidades paraestatais, haja vista que a própria lei que as cria já lhes transfere a titularidade dos respectivos serviços.

Foi o que ocorreu no setor aeroportuário. Como se disse, a INFRAERO foi criada através da lei 5.862, de 12 de dezembro de 1972. A ela a União Federal transferiu a titularidade do direito constitucional de implantar, administrar, operar e explorar, industrial e comercialmente, a infraestrutura aeroportuária. Delegou-lhe, assim, a competência prevista no art. 212, inciso XII, letra "c", 2ª parte, da CF/88.

No que concerne à delegação para simples execução de serviço público ao particular, que não implica em transferência de titularidade, o Poder Público, temporariamente, abdica de fazê-lo por si próprio, como ocorre com as concessões administrativas para exploração da navegação aérea, na forma prevista pela primeira parte do mesmo art. 21, XII, letra "c", da Constituição Federal. Portanto, as empresas de transporte aéreo já são um claro exemplo de que é possível, para não dizer recomendável, que o Poder Público, representado pela União Federal, transfira à iniciativa privada a incumbência constitucional de gestão de determinados aeroportos, a despeito da existência da INFRAERO. Alguém imagina que a União Federal pudesse ter uma empresa com direito exclusivo de executar os serviços de transporte aéreo no País? Impensável, mormente considerando as tristes experiências de um passado nem tão remoto, quando vimos sucumbir várias empresas do gênero.

JOSÉ DA SILVA PACHECO, talvez o maior jurista no campo do direito aeronáutico brasileiro, explica que :

"Concessão é a transferência, temporária ou resolúvel, por uma pessoa coletiva de direito público, do exercício de atribuições que lhe competem, para outra pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, a fim de que esta execute os serviços por sua conta e risco, mas no interesse geral ("apud" Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica, Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 321, em escólio ao art. 180.)"

O Código Brasileiro de Aeronáutica, lei promulgada em 1986, portanto antes da Constituição Federal que se encontra vigente, já estabelecia que é possível a concessão ou autorização para a construção, manutenção e exploração dos aeródromos públicos, dentre os quais os aeroportos. Esta é a regra do art. 36, inciso IV, do Código Brasileiro de Aeronáutica Aliás, a própria CF/88, em seu art. 175, determina que os serviços públicos possam ser prestados através de concessões.

A lei 11.182 (clique aqui), de 27 de setembro de 2005, que criou a ANAC, prevê o estabelecimento de um modelo de concessão da infraestrutura aeroportuária. No art. 8º., inciso XXIV, assevera-se, com todas as letras, que a ANAC "concede ou autoriza a exploração da infraestrutura aeroportuária, no todo ou em parte."

Portanto, pode-se afirmar que existe base jurídica para que os aeroportos, ou alguns deles, sejam transferidos mediante contratos de concessão para a iniciativa privada, de modo que esta execute a contento as atividades de melhoria no sistema aeroportuário em questão. E isto sem se entrar no mérito desse aparente paradoxo entre as leis de criação da INFRAERO, de 1972, e de criação da ANAC, de 2005, pois, afinal, não se sabe quem, em nome da União Federal, exerce o monopólio sobre a infraestrutura aeroportuária, nos termos da Constituição Federal. Teria a INFRAERO perdido sua competência de ação a partir da existência da ANAC?

Aliás, a outorga de parcelas do patrimônio aeroportuário a particulares não é novidade alguma, porquanto diversas empresas já são concessionárias de áreas aeroportuárias, tanto para a exploração comercial como para fins operacionais. Para a primeira hipótese, são exemplos os inumeráveis estabelecimentos comerciais, desde lojas, cinemas, hotéis e outros do gênero, instalados nos principais aeroportos brasileiros. Para a segunda, os diversos hangares e escritórios que abrigam empresas de linhas aéreas, de táxi aéreo e outras que têm como escopo a exploração de serviços aéreos. Em todos esses casos, a INFRAERO, como representante legal da União Federal, outorga aos empresários o direito de utilizar determinadas aéreas aeroportuárias pagando-se o preço correspondente, negociado entre as partes interessadas.

FORMA DE OUTORGA DAS CONCESSÕES

A partir da edição da Lei de Concessões, em 1995, a lei 8.987/95, cujas regras foram moduladas pela lei 11.196, em 2005, estabeleceu que pode haver a inversão da ordem de habilitação e apresentação de propostas pelos licitantes interessados na outorga, com o oferecimento de lances sucessivos, ou seja, através de leilão.

Via de regra, as licitações públicas seguem as normas gerais da lei 8.666 de 1993 (clique aqui), guardadas as peculiaridades da Lei de Concessões (8.987/95 - clique aqui).

Outra hipótese, principalmente no que concerne a aeroportos deficitários, seria a aplicação da Lei de Parcerias Público Privadas, a lei 11.079/04 (clique aqui).

PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA

Compulsando a legislação vigente, não se encontra qualquer obstáculo de que a construção ou a exploração de aeroportos seja outorgada a empresas de capital estrangeiro ou controladas por pessoas físicas ou jurídicas estabelecidas no exterior.

Como ocorre em outros países, seria até mesmo desejável, para fins de ampliação do quadro de interessados, que os editais de licitação para a concessão de aeroportos brasileiros prevejam a participação de empresas especializadas de origem estrangeira, inclusive através de consórcios com empresas genuinamente nacionais. É evidente que a disputa ganharia muito mais competitividade, ampliando as vantagens econômicas oferecidas pelos disputantes, inclusive no que concerne à qualidade dos serviços oferecidos, baseados em critérios de excelência desenvolvidos e aceitos no plano internacional.

CONCLUSÕES

Os aeroportos brasileiros se encontram em condições de conservação e funcionalidade muito ruins. A INFRAERO vem se mostrando pouco eficiente em administrar esse enorme e importante patrimônio público. A urgência de se implantarem melhorias é evidente, pois o País, brevemente, sediará dois importantes eventos desportivos que aumentarão sobremaneira o afluxo de turistas e expandirá exponencialmente o público usuário dos aeroportos, que não são apenas os passageiros. Já se sabe que, a despeito da ojeriza que a palavra privatização causa aos atuais detentores do poder governamental, existem algumas idéias neste sentido que já se encontram em curso. Notícias publicadas na imprensa dão conta que a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa estudam, em parceria e com o beneplácito do Governo Federal, construir um novo aeroporto internacional nos arredores da cidade de São Paulo. O Aeroporto de Amarante, em Natal, também é uma possibilidade de intervenção da iniciativa privada que conta com a aprovação do Governo Federal.

A par de tudo isso, não se pode recomendar que a sociedade brasileira continue a assistir passivamente a ampliação do número de passageiros de aviões, que hoje é quase maior do que os de ônibus, com média de tarifas bastante próximas, sem que nada seja feito pelo Governo para proporcionar maior conforto e segurança. O mínimo que se pode fazer é a abertura de investimentos privados para contrabalançar a carência de recursos financeiros da INFRAERO, seja através de concessões para a exploração de terminais aeroportuários, seja através de parcerias público privadas.

As experiências já realizadas em outros países são muito bem sucedidas. É o que ocorre com o Aeroporto Internacional de Copenhagen, cuja administração e exploração foram privatizadas no ano de 1994, por determinação do Parlamento dinamarquês. A eficiência da gestão privada se mostrou muito maior a ponto de elevar as receitas e tornar o negócio lucrativo ou superavitário em poucos anos. Ademais, os índices de pontualidade dos pousos e decolagens nesse aeródromo chegam a 95%, enquanto os de Congonhas, por exemplo, não ultrapassam 45% (dados do ano passado). Em 2007 o Aeroporto Internacional de Copenhagen teve movimento de 22 milhões de passageiros, com projeção de aumento para 30 milhões em 2015. As reclamações apresentadas pelos usuários de suas bonitas e funcionais instalações são reduzidas, pelo que se tem notícia.

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1 "Art. 38. Os aeroportos constituem universalidades, equiparadas a bens públicos federais, enquanto mantida a sua destinação específica, embora não tenha a União a propriedade de todos os imóveis em que se situam.
§ 1º Os Estados, Municípios, entidades da Administração Indireta ou particulares poderão contribuir com imóveis ou bens para a construção de aeroportos, mediante a constituição de patrimônio autônomo que será considerado como universalidade.
§ 2º Quando a União vier a desativar o aeroporto por se tornar desnecessário, o uso dos bens referidos no parágrafo anterior será restituído ao proprietário, com as respectivas acessões."

2 Art. 21. Compete à União:
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;

3 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.

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*Advogado do escritório Rolim, Godoi, Viotti & Leite Campos Advogados

 

 

 

 

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