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Crônica de uma maravilha de mulher

Adriana Fernandes

A rotina polivalente da mulher contemporânea exige versatilidade e sutis acordos entre independência, garra, suavidade e inteligência. É preciso assumir papéis simultâneos e, com isso, a mulher se torna uma heroína de incrível energia criativa e criadora.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Atualizado às 07:21


Crônica de uma maravilha de mulher

Adriana Fernandes*

Exatamente toda semana, de segunda a sexta-feira, ela acorda às 6 h da manhã com a sensação de que acabou de ir dormir. Salta da cama, calça o tênis de corrida, encara a rotina íntima diária da casa, leva os filhos para a escola e parte rumo à orla ou ao parque mais próximo, porque, afinal, hoje ela terá apenas 10 km pela frente antes de começar o dia de trabalho. Sim, essa mulher de tantos talentos virou também maratonista porque agora, já sendo, inclusive, especialista em gastronomia e candidata a sommelier, percebe que o corpo maduro não mais reage exatamente da mesma forma ao coquetel stress + agenda cheia + boa comida de como reagia há 10 ou 15 anos. Já voltou e se vestiu impecavelmente, na exata nuance entre o moderno e o clássico, o comportado e o sexy. Já abusou de substanciais quantidades de maquiagem e cremes para conseguir o efeito de apenas parecer levemente corada e saudável, com ares quase juvenis. Até o meio dia já havia participado de uma reunião presencial e de duas rápidas áudio conferências, além de já ter respondido ao menos 30 e-mails pelo smartphone. Ao final da manhã, partiu para um rápido almoço com um novo cliente de agenda igualmente espremida e na volta, ainda, escapou rumo à reunião da escola do filho mais novo. Enfrentou o trânsito da metrópole, ajeitou o penteado e retocou o batom assim que aquele sinal fechou. Remarcou a terapia para outro dia quando parou naquele lento cruzamento. Confirmou a massagista para o final da semana, agendou o salão para o dia seguinte e deu instruções à secretária do lar assim que o carro empacou novamente no engarrafamento. Voltou ao escritório e o chefe já a esperava ansioso. Fechou aquele esperado contrato com o cliente internacional, participou de mais uma áudio conferência e recebeu o telefonema do namorado (bem) mais novo que ligou avisando sobre a reserva feita para aquela mesma noite às 21 h no restaurante badalado, afinal esperava ansioso para comemorarem juntos o aniversário de namoro e sua sonhada promoção. A filha ligou, a seguir, reclamando do irmão mais novo e como ela já entrava em outra reunião, mandou instruções e rápidas broncas via SMS. Saiu do escritório às 19 h e bingo! Era fim de ano e a agenda parecia ainda mais lotada. Lembrou que antes ainda do jantar com o namorado, precisaria passar no happy hour comemorativo da turma do trabalho marcado naquele impagável karaokê. Partiu resignada e preparada para enfrentar os abraços alcoólico-afetuosos desejando toda a sorte de alegrias por parte de muitas pessoas as quais, ao longo do ano, nem lhe desejavam sequer bom dia. Foi, sorriu, agradeceu e até gostou. Já quase atrasada para o encontro das 21h, pegou o carro e ajeitou mais uma vez o penteado e retocou o batom em mais um sinal fechado. Ao sair, desamassou o vestido e notou pelo retrovisor que, apesar de tantos dias em um só, ainda se apresentava impecável. E foi lá, no alto daquele bucólico, agradável e amplo terraço, percebendo finalmente certo silêncio no ar, observando o colorido natalino temporário da cidade lá embaixo e dona de uma taça de ótimo vinho australiano de excelente safra, ouvindo o namorado desabafar irrequieto sobre o quanto aquele dia tinha sido extenuante e cansativo por ter enfrentado aquela reunião com o cliente Coreano, foi que ela simplesmente sorriu relaxadamente pela primeira vez ao longo de todo aquele dia. Congelou o brilhante e esperto olhar, o fitou brejeira e viu além. Por breves instantes pareceu perdida em algum lugar num espaço e tempo desconhecidos. Pausou e perguntou sorrindo com a voz se ele poderia indicar onde ela poderia estacionar seu avião transparente, sim, já que a capa vermelha de seda e o laço dourado ela já havia retirado da tinturaria à tarde entre o almoço com o cliente e a reunião da escola do filho. Ele certamente não entendeu e foi aí que ela lembrou que, lógico, pela idade, ele não podia mesmo saber do que ela estava falando.

***

E assim, estupefata e moleca, mesmo questionando como tantas outras mulheres antes já haviam feito o "por quê diabos aquela criatura imprudente queimou lá atrás o primeiro soutien naquela fatídica passeata?", percebeu que aquela capa vermelha, de fato, sempre a envolve prazerosamente com uma acolhedora sensação de felicidade. É o doce sabor da conquista. E entendeu que continua orgulhosa, sim, de vesti-la invisivelmente todos os dias pela manhã, afinal ali parecia mesmo estar bordada em fina seda parte de sua história. São registros de sua fibra, relatos de sua coragem, acomodados em uma colcha de retalhos sutilmente percebida. Realizou que aquela capa é sentida como uma espécie de distintivo de honra e glória em batalha, como o reconhecimento da incrível energia criativa e criadora que esbanja sem nem mesmo saber como, onde e de que forma surge. E finalmente pensou nas muitas guerreiras que todos os dias equilibram balanças e firmam sutis acordos entre doçura, inteligência, independência e garra. E deduziu que, bom, afinal, como ser diferente, se elas, como eu, usam saias...

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*Consultora Jurídica da Oi, ex-Consultora Jurídica da Acel - Associação Nacional das Operadoras Celulares e integrante do grupo Jurídico de Saias







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