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Comentários à Emenda Constitucional nº 46, de 5 de maio de 2005

Francisco de Salles Almeida Mafra Filho

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, de acordo com os termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgaram a Emenda Constitucional nº 46, de 05 de maio de 2005.

terça-feira, 10 de maio de 2005

Atualizado em 9 de maio de 2005 09:37


Comentários à Emenda Constitucional nº 46, de 5 de maio de 2005


Francisco de Salles Almeida Mafra Filho*


Introdução: do processo legislativo

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, de acordo com os termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgaram a Emenda Constitucional nº 46, de 05 de maio de 2005.

O art. 60 da Constituição Federal está inserido no Capítulo que trata do processo legislativo. De acordo com artigo nº 59, inciso I, o primeiro artigo da Seção VIII, subseção I - Disposição Geral - do mesmo no Brasil, o processo legislativo compreende a elaboração de emendas à Constituição.

Após esta determinação, o artigo 59 também prevê a elaboração de leis complementares, ordinárias e delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.Também está prevista a criação de lei complementar que disponha sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Na subseção II, que trata da Emenda à Constituição, está disposto no caput do art. 60 que a Constituição poderá ser emendada mediante proposta de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (inciso I); por proposta do Presidente da República (inciso II) e por proposta de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros (inciso III).

O inciso I determina que a proposta de Emenda Constitucional seja realizada por, no mínimo, um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. Isto significa que dos 81 (oitenta e um) senadores, pelo o menos 27 (vinte e sete) devem propor o projeto de emenda à Constituição. Já na Câmara dos Deputados, de um total de 513 (quinhentos e treze), é necessária a assinatura de no mínimo 171 (cento e setenta e um) deputados.

Já de acordo com o inciso II do art. 60, o Presidente da República pode propor emenda à constituição da República.Finalmente, se mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, conseguirem a assinatura da maioria relativa ou simples de seus membros, este conjunto também pode propor emendas à Constituição. Atualmente a Federação brasileira conta com 26 Estados-membros e um Distrito Federal. Perfazem, assim, um total de 27 Assembléias, 26 chamadas "Legislativas" e um denominada "Distrital". No entanto, é simples observar que a Assembléia Distrital assim é chamada em razão de ser o Distrito Federal um ente distinto dos Estados-membros.

A maioria relativa a que se refere o inciso constitucional é aquela obtida pela maioria dos presentes na sessão que deliberar e votar a proposta de emenda constitucional em questão.

O § 1º do artigo 60 veda a emenda à Constituição na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

O § 2º - determina que a proposta seja discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

O § 3º assegura que a emenda à Constituição seja promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

O § 4º proíbe que sejam discutidas propostas de emenda à Constituição tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Estes direitos também são chamados de "cláusulas pétreas" da Constituição.

Finalmente, de acordo com o § 5º, a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

Objeto: Altera o inciso IV do art. 20 da Constituição Federal

O Título III da Constituição Federal estabelece a organização do Estado brasileiro. No Capítulo I está tratada a organização político-administrativa do nosso país.

Pelo texto do art. 18, a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Brasília é a Capital Federal, de acordo com o §1ºdo mesmo artigo.

O § 2º prevê que os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar.

De acordo com o § 3º, os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.

Pelo texto do já emendado em 1996, por meio da Emenda Constitucional nº 15, a 10 criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

Observações

É de se notar que após a modificação deste parágrafo constitucional, surgiram diversos municípios que não podem ser chamados de pequenos, senão muito pequenos ou minúsculos municípios que mal podem se organizar com os Três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário.

Também devem ser lembradas as enormes dificuldades que pesam sobre os menores municípios brasileiros, por exemplo, para conseguirem se adaptar às exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Continuação

A começar pela União, seguem-se os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal.

Note-se, ainda, a previsão da existência dos Territórios, antigamente conhecidos como "autarquias territoriais", deixa em aberto uma possibilidade, haja vista que após o 5 de outubro de 1988, os antigos Territórios viraram Estados-membros ou se incorporaram a um deles como é o caso de Fernando de Noronha que hoje pertence ao Estado de Pernambuco.

Vedações

O art. 19 estabelece que é proibido à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas, subvenções aos mesmos, imposição de dificuldades ao seu funcionamento ou a manutenção com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Também não podem os entes federados recusar fé aos documentos públicos ou criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Art. 20. Dos bens da União

Finalmente, o art. 20 da Constituição da República Federativa do Brasil, estabelece quais são os bens da União.

Em primeiro lugar, são bens da União os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos.

Posteriormente, as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei.

São também bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais.

São também da União os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica.

Por último, até a Emenda 46, eram considerados bens da União as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II.

Tais áreas referidas no art, 26, II são as que incluem-se entre os bens dos Estados-membros e que, nas ilhas oceânicas e costeiras, estiverem sob o seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros.

Ou seja, as ilhas costeiras ou oceânicas que não estiverem sob a propriedade de pessoas físicas ou jurídicas, dos municípios ou da União pertencerão aos Estados-membros.

O inciso IV doravante possui o texto a seguir: "IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II".

Note-se que foi acrescentada a previsão da exceção como bens da União, a relativa às ilhas que contenham sede de Municípios. Sede de Município é a Prefeitura ou o território que se encontra sob jurisdição do município; municipalidade.1

Houaiss também define municipalidade como, dentro da rubrica administração, política, o conjunto de indivíduos geralmente eleitos diretamente pelo povo, e que, em regra, compõem a Câmara municipal e a Prefeitura. Municipalidade seria também o município.

Ainda dentro da rubrica administração ou política, municipalidade seria o conjunto de órgãos administrativos de um município que o representam na esfera de suas atividades.

O próximo conteúdo da definição é a respeito do prédio onde o prefeito e os secretários exercem suas funções.

Municipalidade seria, ainda, a sede da administração municipal.

Outros dois conceitos ou definições de municipalidade seriam a circunscrição da área urbana que constitui um município ('divisão administrativa'); município e ou conjunto dos moradores dessa circunscrição.

Continuação

Excluem-se, ainda, as que contenham Prefeituras ou sejam parte de municípios e que estejam afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal.

Para melhor compreensão da nova determinação constitucional também é necessário que se entenda o sentido de afetação ao serviço público e a uma unidade ambiental federal.

Serviço público é toda atividade que o Estado exerce para cumprir os seus fins, de maneira ampla. Já o conceito restrito de serviço público administrativo seria toda atividade que o Estado exerce para cumprir seus fins, exceto a judiciária. Dois outros conceitos são os seguintes:

"toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades públicas mediante procedimento típico do direito público".

e

"todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado".

Os conceitos acima são de José Cretella Jr. e Hely Lopes Meirelles, respectivamente2. Serviço público pode ser entendido como um capítulo do direito administrativo. Ele diz respeito à atividade realizada no âmbito das atribuições da Administração, inserida no executivo. São as atividades prestacionais pelas quais o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como água, energia elétrica ou transporte urbano. O serviço público, então, pode ser caracterizado como uma das atividades desempenhadas pela Administração.3

Quanto à competência para a prestação, os serviços públicos podem ser federais, estaduais e municipais. Se o serviço envolver competências comuns das regiões metropolitanas, ele será serviço público metropolitano. A competência para a prestação dos serviços públicos depende da competência constitucional de cada ente federado. Desta forma, além dos serviços exclusivos, há serviços concorrentes e há serviços que podem ser delegados.

Em relação aos destinatários, os serviços podem ser serviços gerais ou sem destinatários determinados - coleta de lixo, limpeza de ruas, iluminação pública. Não são diretamente remunerados pelos usuários. Em segundo lugar, podem ser citados os serviços individuais prestados a usuários determinados - água, gás canalizado e telefone. A maneira de pagamento dos mesmos é feita por tarifas ou taxas.

Finalmente, podem se citados os serviços públicos de total responsabilidade do poder público, mesmo se realizado por particulares e serviços públicos que somente podem ser assim considerados se assumidos pelo poder público, afinal os particulares também podem realizá-los. Exemplo: assistência médica e ensino.

Classificação de serviço público

Andrade também distingue as espécies de serviço público de acordo com o modo como o serviço público incide sobre o cidadão e nele atua. Se o serviço público for feito por imposição, obrigatoriamente será o serviço prestado por funcionários estatutários. Se se tratar de um serviço público simplesmente ofertado aos cidadãos, podendo o indivíduo aceitá-lo ou recusá-lo, o serviço seria de simples oferta e exercido por empregados sujeitos ao regime de contrato de locação.4

A distinção acima demonstrada é razoável, feliz e consagrada no direito positivo da época do início do século XX.

Afetação

A afetação é, segundo De Plácido e Silva, a oposição de encargo ou ônus a um prédio ou bem, e que se destina à segurança pública de alguma obrigação ou dívida, à utilidade pública, ou ao uso público.5

Moreira Neto chama de afetação a destinação fática ou jurídica de um bem a uma "utilização de interesse público, o que caracterizará, conforme o caso, como bem público de uso comum ou a bem público de uso especial".6

Unidade ambiental federal

Unidade ambiental federal é a área destinada pelo governo da União para a proteção do meio ambiente.

Conclusão

A conclusão a que se pode chegar é a de que a alteração constitucional veio acrescentar como bens da União também as ilhas oceânicas ou costeiras que estiverem sendo sede de serviços públicos ou de áreas ambientais federais.
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  • Leia na íntegra a Emenda Constitucional nº 46. Clique aqui.

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1Dicionário eletrônico Houaiss, vcerbete "município"

2MEIRELLES, Hely Lopes. "D" apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella - "Direito Administrativo", SP: Atlas, 2004.

3MEDAUAR, Odete. Ob. Cit. Ant. Pp. 368-372.

4DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, nº 517, 18ª edição, revista e atualizada por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves, Rio de Janeiro: Forense, 2001.

5Andrade, Odilon C, "Serviços Públicos e de Utilidade Pública", São Paulo: Saraiva, 1937, pp. 8-9.

6MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, "Curso de Direito Administrativo", Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 336.
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*Advogado doutor em direito administrativo pela UFMG e professor universitário





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