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A ética do petróleo

A complexidade da operação de capitalização da Petrobrás não tem a necessária percepção do grande público. E o que pode parecer, a uma primeira apreensão apenas complexidade, não passa de mais uma manobra governamental formalizada em artimanha jurídica desprovida de qualquer princípio ético.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Atualizado em 9 de dezembro de 2010 16:53


A ética do petróleo

João Humberto Martorelli*

A complexidade da operação de capitalização da Petrobrás não tem a necessária percepção do grande público, no qual se incluem muitos pequenos investidores e poupadores. E o que pode parecer, a uma primeira e aligeirada apreensão, isso mesmo - apenas complexidade, não passa de mais uma manobra governamental formalizada em artimanha jurídica desprovida de qualquer princípio ético, tônica do Governo Federal nestes tempos de "espírito de rebanho" que acomete e adoece o país desde o início do enganoso sucesso do lulismo.

Com a descoberta das jazidas do pré-sal, o Governo deparou-se com a necessidade de obter recursos para sua exploração pela Petrobrás, algo estimado no valor de astronômicos 220 bilhões. Estando a empresa altamente endividada, a alternativa mais óbvia, oportuna, contemporânea e normal é a obtenção desses recursos no mercado: a Petrobrás aumenta o seu capital e permite que os investidores aportem os recursos em troca de ações integrantes desse aumento, passando a participar dos lucros futuros da operação. Nada neste Governo, entretanto, é normal, cada acontecimento econômico ou político catapultando interesses escusos de um campo ou de outro. No caso do aumento de capital da Petrobrás, os interesses, para além da operação normal, têm essa dupla natureza, econômica (o bolso de uns) e política (o poder de outros). Para o bolso de uns, a complexidade da operação já é cortina de fumaça suficiente atrás da qual se esconderão muitas falcatruas a serem relevadas como negócios. No campo político, a ideia é aumentar a participação da União no capital, ampliando o controle estatal. Alguém diria que em concretização de um ideário petista de poder, outros, com mais razão, diriam que em consumação de um ideário petista de oportunismo. Tanto faz: os fins, péssimos em si mesmos, não justificam os meios, que os qualificam negativamente.

A operação de capitalização da Petrobrás limpa, pura e republicana seria assim: a União entregaria as jazidas do pré-sal à Petrobrás para exploração, aumentando a participação dela, União, no capital social da empresa, permitindo-se aos demais acionistas aumentar a parte deles proporcionalmente em dinheiro. Para aprovação desse aumento e da integralização com as jazidas, seria convocada uma assembleia de acionistas, na qual se discutiria o aumento de capital, o preço das jazidas - e, consequentemente, o valor das ações a serem emitidas -, a ser avaliado por peritos designados pela assembleia. Nesse script normal e transparente, tudo seria feito às claras, publicamente, com a participação dos acionistas minoritários e possibilidade de discussão acompanhada pela sociedade. Mas a engenhosidade jurídica está aí para evitar essas coisas. Se o preço do barril fosse levado à discussão em assembleia de acionistas, seria provável que ficasse em valor adequado (menor) e não compatível com o desejo de aumento da participação da União no capital da empresa. O que faz a União? Fixa ela própria o valor das jazidas, com peritos de sua escolha, obviamente aumentando o valor real do barril de petróleo, e vende o óleo futuro à Petrobrás. Em seguida, aumenta o capital da empresa, permitindo que o aumento seja integralizado com letras financeiras do tesouro, títulos que a União emite e entrega à Petrobrás (ao invés do óleo). De posse dos títulos, a Petrobrás os devolve à União em pagamento dos barris de petróleo. Como os investidores (acionistas minoritários), provavelmente, não se interessarão em participar da capitalização, já que ninguém é bobo, deve sobrar para a União esse aumento. Evita-se, assim, a assembleia de acionistas, fixa-se o preço que se quer e aumenta-se o capital da União na empresa. Mas, isso ocorrendo, tudo perfeitamente legal, não vai ficar prejudicado o interesse de angariar recursos para explorar o pré-sal, onde tudo começara, já que o mercado compraria menos ações, ante o medo de ser diluído pela participação do Governo? Vai, mas aí a União edita a MP 500 e autoriza o Fundo Soberano a comprar ações e repassar para CEF, BNDES e outros órgãos federais, resultando que o Governo vai alavancar o Governo com recursos do Governo que integram um fundo privado, o que tem um importante aspecto: não vai aumentar o déficit, ficando tudo redondo como uma cerveja.

O Governo pode ter agido nesse episódio de forma engenhosa. Mas o que se espera de um Governo é que aja de forma ética. Não é ético desviar-se do natural e transparente caminho legal da assembleia de acionistas, para se subtrair à fiscalização deles e de toda a sociedade, escondendo, ademais, o debate sobre a ampliação do poder estatal na companhia. Nestes tempos de massificação e vulgaridade, porém, quem haverá de prestar atenção à ética?

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*Vice-Presidente da Seccional do CESA/PE. Sócio fundador do escritório Martorelli e Gouveia Advogados











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