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Honorários Sucumbenciais

Francisco Eduardo Guimarães Farias

Os problemas são muitos no Judiciário brasileiro e todos nós, juízes e advogados, os conhecemos muito bem. Cito apenas os mais graves e visíveis: não há juízes em número suficiente, faltam servidores, a estrutura material é precária; por outro lado, a legislação processual, mesmo depois de tantas reformas, ainda se ressente de características tipicamente kafkanianas.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Atualizado às 08:00


Honorários Sucumbenciais

Francisco Eduardo Guimarães Farias*

Nesta semana que termina o site Migalhas veiculou o texto de uma decisão de minha lavra e muitos comentários a respeito do teor do decisum, a maioria contra, poucos a favor.

Já que minha decisão foi assim amplamente divulgada e discutida, causando polêmica, acho conveniente também manifestar-me sobre o assunto. Desejo e espero, honestamente, que o teor de minha mensagem seja veiculado no seu site Migalhas.

Advogados e suas dificuldades

Compreendo perfeitamente as agruras e dificuldades da vida do advogado, pois já exerci a profissão por vários anos e tive que lidar com um Judiciário lento e sem estrutura para funcionar de forma minimamente satisfatória. Qualquer demanda judicial em nosso país está fadada a demorar muitos anos e isso é algo que envergonha a todos nós, brasileiros, diante da comunidade internacional. A própria nação perde com isso, não somente os jurisdicionados e seus advogados.

Judiciário e suas dificuldades

Os problemas são muitos no Judiciário brasileiro e todos nós, juízes e advogados, os conhecemos muito bem. Cito apenas os mais graves e visíveis: não há juízes em número suficiente, faltam servidores, a estrutura material é precária (muitas varas não estão instaladas em um prédio adequado; é comum a falta de material permanente, como mobília, e até de material de consumo, como o indispensável papel ou o toner para a impressão dos atos do juízo); por outro lado, a legislação processual, mesmo depois de tantas reformas, ainda se ressente de características tipicamente kafkanianas (altamente complexa; admite uma excessiva quantidade de recursos; as sentenças de mérito, proferidas após toda a instrução processual em sede de cognição plena e exauriente, são atacáveis por um recurso com efeito suspensivo automático - a apelação, uma aberração-, ou seja, valem menos do que uma decisão liminar, etc. etc. etc.).

Além disso, faço, sinceramente, o mea culpa pelo Judiciário e admito que há juízes que não conseguem cumprir integral com seu compromisso com a jurisdição. Devemos reconhecer, também, que o Judiciário, nas duas últimas décadas, tem feito um esforço gigantesco para identificar e tentar, pelo menos, administrar seus gargalos, seus problemas, buscando modernizar-se tecnologicamente e do ponto de vista da gestão pública do seu mister.

Minha atuação perante a 6ª vara Federal da Paraíba

Garanto-lhes que, como juiz que sou, tenho buscado fazer o melhor que posso pelos jurisdicionados e também pelos advogados que atuam sob a minha jurisdição. Cumpro mais que meu horário, dou serão todos os dias e atendo a quem insista em falar comigo, se a pessoa - advogado ou parte - não estiver satisfeita com o atendimento dado pelos servidores e pela diretora da secretaria. Não estando em audiência, não me recuso a receber quem quer que seja. Sob minha jurisdição, nenhum advogado ou parte fará esse tipo de reclamação. Meu gabinete é aberto até aos estagiários da vara, que nele entram sem antes se anunciar, pois sei que o fazem sempre no interesse do serviço. Quanto à demora na prática dos atos judiciais, reconheço que ainda não consegui extirpar de todo esse mal, embora tenha conseguido reduzir significativamente o número de processos na vara, que encontrei com mais de seis mil, em 2005, e atualmente mantenho em torno de dois e quatrocentos e dois mil e quinhentos processos. O esforço, na 6ª vara Federal da Paraíba, é de todos, juízes, diretora e servidores.

Portanto, não aceito as diversas acusações que fizeram contra minha pessoa no site Migalhas, sem sequer me conhecer ou conhecer o meu trabalho.

Dito isto, inicialmente, enfrentemos o tema que nos tem preocupado a todos.

O que penso sobre honorários sucumbenciais

Entendo que os honorários têm natureza alimentar.

Entendo ser legítimo o interesse do advogado em receber seus honorários e zelo por isso. Por exemplo, quando há a necessidade de assegurar a cada advogado que tenha atuado no processo a sua parte nos honorários, me esforço para garantir a todos igualmente a sua parte. Tenho também expedido precatórios e RPVs contendo honorários contratuais e sucumbenciais em favor dos advogados.

Mas entendo que deva haver um limite razoável, de modo que o recebimento de honorários pelo advogado não importe em violação do direito da parte que ele representa.

Entendo, também, que o juiz deva zelar, primeiramente, pelos interesses dos jurisdicionados, antes que dos interesses dos advogados.

A Constituição de 1988 (clique aqui), ao alçar a advocacia à condição de uma atuação indispensável à administração da Justiça, evidenciou, de forma inquestionável, que essa é uma atividade meio, é um mero instrumento para se alcançar a justiça, sempre em favor do jurisdicionado. A advocacia, por mais nobre que possa ser, não é um fim em sim mesma. Para o advogado a advocacia é sua atividade fim, mas para a Justiça e para o Estado brasileiro sempre foi e continua sendo uma atividade meio para a distribuição da Justiça.

Mesmo a jurisdição, em si mesma considerada, não passa de uma atividade meio para se assegurar a ordem e a paz social, consoante lecionam os doutrinadores.

O alvo, o fim, o objeto da jurisdição e do processo é a proteção (diga-se, integral) do interesse do jurisdicionado, desde que tutelado pelo Direito, não a criação de novos direitos que anteriormente não existiam, seja em favor do jurisdicionado, seja em favor do advogado. Isso não foi alterado pela Constituição de 1988 nem pela legislação que se lhe seguiu.

Nesse contexto, entendo que os honorários sucumbenciais são uma compensação destinada à parte vencedora da demanda pela necessidade que teve de contratar advogado para ter acesso ao Judiciário.

Penso assim porque não posso admitir que o cidadão, só pelo fato de ter que demandar através de advogado (repito, a lei o obriga a isso), tenha que entregar parte do seu direito a este profissional, forçosamente, em função de uma regra legal. Não existe nenhum outro tipo de profissional, no Brasil ou no mundo, que, só pelo fato de ser contratado, tenha assegurado por lei, o direito de apropriar-se, ainda que parcialmente, do objeto do contrato.

Abro um parêntese para dar um exemplo. Imaginem que uma construtora é contratada para construir um belo escritório para um advogado que aprovou o orçamento por ela proposto, composto de um valor fixo de R$ 30.000,00 pelo serviço mais R$ 70.000,00 pelo custo da obra (materiais de construção, mão-de-obra contratada, etc.), totalizando R$ 100.000,00. O cronograma da obra prevê a construção em três meses e o pagamento de três parcelas de R$ 10.000,00 por mês, a título de remuneração pelo serviço, conforme o contratado. Concluída a obra no final do terceiro mês, a empresa deverá receber, conforme o contrato e cronograma (tudo fielmente executado), a terceira parcela de R$ 10.000,00, como remuneração pelo serviço. Imaginem se, ao receber essa terceira e última parcela de R$ 10.000,00, a construtora dissesse para o advogado que ele ainda devia lhe pagar mais 10% ou 20% do valor do prédio já construído, sob pena de ela apoderar-se de igual parcela do prédio, ocupando-a por conta própria e dela fazendo o que quiser! Achariam isso justo? Acredito que não! E digo mais, ninguém acharia isso justo nem mesmo se o valor do prédio, depois de construído, correspondesse a R$ 200.000,00, o dobro do valor gasto em toda a obra, como costuma acontecer. A construtora não teria o direito de se apropriar nem mesmo de 1 m2 do prédio, que pertenceria integralmente ao advogado que contratou o serviço e pagou o preço ajustado no contrato. O preço de todo e qualquer serviço contratado deve ser exclusivamente aquele que consta no contrato, nem mais, nem menos. Fechem o parêntese e voltemos ao aspecto jurídico da questão.

Pois bem, tenhamos em conta que o tão propalado "Estado Democrático de Direito" não pode permitir o aviltamento do direito/patrimônio de um cidadão só pelo fato de impor-lhe a necessidade de fazer valer seus direitos através do Judiciário e sempre por intermédio de um advogado.

A remuneração do advogado pode ser um problema que esteja a exigir uma solução melhor do que a que as leis vigentes lhe dão, mas esse problema não pode ser resolvido em prejuízo exatamente de quem é obrigado, por lei, a contratar os seus serviços. Quem deve assumir todo o ônus decorrente de uma demanda judicial é aquele que deu causa ao processo e restou vencido, seja autor ou réu, jamais a parte que tenha vencido a demanda.

Percebo, pelas diversas opiniões veiculadas no site Migalhas, que a minha opinião enfrenta ampla resistência no seio da advocacia.

Faço o registro de que há divergências também no seio da magistratura e do Ministério Público.

Mas também conheço advogados que pensam como eu.

Parece-me que as opiniões contrárias ao que penso estão motivadas mais no interesse próprio, sem desconsiderar, absolutamente, o interesse do jurisdicionado.

O único bacharel em Direito que opinou no site Migalhas na qualidade de jurisdicionado disse que se sentiu injustiçado pelo fato de o advogado cobrar-lhe duas vezes pelo mesmo serviço. Eis aí a opinião do jurisdicionado, bem diferente da dos advogados.

Abra-se o debate para toda a sociedade e veremos o que pensam os jurisdicionados. Perguntem aos seus clientes e verão que igualmente se sentem injustiçados.

O problema é que os debates sobre esse tema não envolvem os outros interessados, os jurisdicionados, que jamais foram chamados a participar do processo legislativo, quando a matéria em discussão nas casas legislativas sejam os honorários sucumbenciais (entre tantas outras matérias de interesse geral que são discutidas entre quatro paredes, sem uma participação mínima do eleitorado, nessa democracia de fachada). Por que o Congresso Nacional não ouve o que têm a dizer os PROCONs e demais entes de proteção dos interesses dos consumidores? Por que o Senado Federal ainda não um amplo debate com toda a sociedade sobre o novo projeto do CPC? Será que a regulação do processo judicial não interessa em nada ao cidadão? Fica a sugestão...

Consideremos, então, o tratamento jurídico da matéria.

De lege lata

Algumas das pessoas que opinaram no site Migalhas disseram que os honorários sucumbenciais são do advogado porque a lei assim determina e que, se o juiz pensa que a lei é injusta, deveria buscar modificá-la através de alteração legislativa e não deixar de aplicá-la. Referem-se, exclusivamente, ao Estatuto da OAB (clique aqui).

Mas, não se esqueçam, há outras leis (Código de Processo Civil e novo Código Civil) que regulam diferentemente a mesma matéria e que continuam em vigor. Verificam-se, pois, algumas antinomias entre diversos dispositivos legais que precisam ser resolvidas.

O art. 20 do Código de Processo Civil (clique aqui) diz que os honorários sucumbenciais pertencem ao vencedor da demanda.

Alguns argumentariam que tal dispositivo teria sido revogado pelo Estatuto da OAB (arts. 22 e seguintes), que é lei posterior. A antinomia se resolveria pelo critério cronológico (lex posterior derogat legi priori). Este raciocínio, a princípio, é válido e se é válido, podemos seguir nessa mesma linha de análise.

Voltemos, agora, nossa atenção sobre o novo Código Civil, lei posterior ao Estatuto da OAB.

Os arts. 389, 394, 404, 418, 450 (entre outros) do novo Código Civil (clique aqui) atribuíram àquele que teve seu direito material violado o direito de reavê-lo integralmente em juízo, acrescido dos encargos legais e das despesas processuais, inclusive honorários de advogado. É dizer, os honorários que o detentor do direito violado tenha pago ao seu patrono para fazer valer o seu direito em juízo devem ser ressarcidos pela parte vencida ao vencedor. Aplicando-se o mesmo critério cronológico, chega-se à seguinte Conclusão: os dispositivos do Estatuto da OAB que atribuíam os honorários sucumbenciais ao advogado foram revogados por lei nova (o novo CCB), que dispõe diferentemente sobre a mesma matéria.

Certamente alguns diriam que o Estatuto da OAB é lei especial em face do novo Código Civil, lei geral, e por isso as regras do Estatuto sobre honorários sucumbenciais não teriam sido revogadas pelo novo CCB. Ou seja, alguns proporiam a solução da antinomia pelo critério da especialidade (lex specilais derogat legi generali). Ocorre que tal raciocínio aqui não cabe, pois o Estatuto da OAB não regula especificamente honorários sucumbenciais nem o faz de forma particular, apenas para alguns casos específicos, mas de forma igualmente generalista, para todos os casos. Assim sendo, a antinomia entre o Estatuto da OAB e o novo Código Civil, quanto às normas que regulam a destinação dos honorários sucumbenciais, deve se resolver pelo critério cronológico, não pelo da especialidade da norma.

Não bastasse isso, meu entendimento é o de que jamais os arts. 22 e seguintes do Estatuto da OAB estiveram em vigor, porque eles são frontalmente incompatíveis de preciosos princípios constitucionais indicados naquela minha decisão que gerou todo este debate. Ora, o Estatuto da OAB é lei ordinária cujas disposições não podem prevalecer se estiverem em conflito com os princípios constitucionais. Como se sabe, havendo antinomia entre norma ordinária e norma constitucional, esse conflito aparente de normas deve se resolver pelo critério hierárquico (lex superior derogat leginferiori), havendo que prevalecer a norma constitucional em detrimento da norma ordinária. Em Conclusão: os arts. 22 e seguintes do Estatuto da OAB, na parte em que atribuem ao advogado o direito aos honorários sucumbenciais, são inconstitucionais.

Isso é argumentação jurídica, senhoras e senhores, não é preconceito, inveja ou algo que o valha, nem, muito menos argumento fundado em interesse meramente pessoal. Existem muitos advogados em minha família e eu mesmo pretendo advogar depois da aposentadoria, portanto, o que me motiva não são os meus interesses pessoais, mas, sim, os dos pobres jurisdicionados, que, nessa matéria, dificilmente encontrarão algum advogado para defendê-los.

De lege ferenda

Faz-se necessário e urgente extirpar, de vez, as incongruências da legislação que cuida da matéria.

Acho que seriam possíveis diversas soluções, mas seria necessário que todos os interessados no tema pudessem aprofundar o debate para uma melhor equação da questão.

Muitas soluções razoáveis poderiam ser formuladas (eu mesmo tenho algumas ideias), mas o que não acho razoável é impor ao cidadão que vence uma demanda judicial satisfazer-se com a recomposição só parcial do seu direito, atribuindo-se parte dele ao advogado por meio de preceito legal.

Em suma, o cidadão que é obrigado a demandar em juízo não pode, só por isso, ter o seu direito diminuído por imposição legal. Caberá ao legislador melhorar, e muito, o tratamento legal dos direitos de demandantes e de advogados.

Enquanto não vem uma lei melhor, vou dando aos honorários sucumbenciais um tratamento que se amolde aos preceitos constitucionais, bem como aos preceitos legais que guardam compatibilidade com a Constituição, tais como os artigos do CCB e do CPC (clique aqui) que claramente determinam o ressarcimento ao titular do direito material do valor gasto com honorários de advogado.

Lamento que não esteja ocorrendo uma discussão minimamente séria sobre essa questão nos fóruns onde está sendo gestado o novo tratamento legal da matéria (o Senado Federal e sua Comissão de Juristas, com seu projeto de novo CPC). Parece que o que está prevalecendo ali é somente o interesse de alguns advogados de se apropriarem dos honorários sucumbenciais, sem nenhuma preocupação de assegurar a reconstituição integral dos direitos dos seus constituintes, precisamente aqueles que lhes asseguram trabalho e remuneração.

Saudações a todos.

Francisco Eduardo Guimarães Farias

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*Juiz Federal da 6ª vara da seção Judiciária da Paraíba

 



 

 

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