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O novo marco regulatório dos serviços de comunicação audiovisual

O projeto de lei que trata da comunicação audiovisual de acesso condicionado PLC 116/2010, em discussão no Senado, já aprovado na Câmara dos Deputados (originário PL 29), contém inovações significativas no direito brasileiro, especialmente porque revoga a Lei da TV a cabo.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Atualizado em 11 de julho de 2011 15:08


O novo marco regulatório dos serviços de comunicação audiovisual

Ericson Meister Scorsim*


O projeto de lei que trata da comunicação audiovisual de acesso condicionado PLC 116/2010 (clique aqui), em discussão no Senado, já aprovado na Câmara dos Deputados (originário PL 29), contém inovações significativas no direito brasileiro, especialmente porque revoga a Lei da TV a cabo (clique aqui).

Introduz novos conceitos e impõe um inovador paradigma regulatório. O objetivo é regular as atividades de produção, programação, empacotamento e distribuição de conteúdos que configuram a prestação de serviços de comunicação audiovisual de acesso pago.

Permite-se a entrada das empresas de telecomunicações no mercado de TV por assinatura. A proposta legislativa cria um marco regulatório unificado para os serviços de comunicação audiovisual, independentemente da plataforma tecnológica utilizada (cabo, satélite, MMDS e TVA). Estão excluídos de seu âmbito de aplicação, a princípio, os serviços de radiodifusão sonora (rádio) e de sons e imagens (televisão), os quais continuam regidos pela anacrônica Lei 4.117/62 (clique aqui).

A comunicação audiovisual de acesso condicionado é o "complexo de atividades que permite a emissão, transmissão e recepção, por meios eletrônicos quaisquer, de imagens, acompanhadas ou não de sons, que resulta na entrega de conteúdo audiovisual exclusivamente a assinantes". E, ainda, o serviço de comunicação audiovisual é qualificado juridicamente como um "serviço de telecomunicações de interesse coletivo prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes".

O modelo regulatório proposto está baseado na figura jurídica da autorização administrativa (esta no sentido de ato vinculado os pressupostos legais, cuja competência para sua expedição é da agência reguladora) para a prestação dos serviços pelos agentes econômicos. Abandona-se, assim, a noção clássica de concessão de serviço público, utilizada na vigência da lei de TV a cabo, e adota-se um regime de liberdade de mercado mais próximo do direito europeu e norte-americano.

No Brasil, tradicionalmente, o regime da concessão de serviço público tem sido um título justificador da intervenção estatal forte na economia, facilitando a ocorrência costumeira de abusos do poder político e poder econômico. O modelo de serviço público não pode criar eternas reservas de mercado, nem servir aos interesses de poucos competidores, em detrimento dos interesses dos consumidores e dos cidadãos. A proposta normativa afirma como um dos seus princípios fundamentais: "liberdade de iniciativa, mínima intervenção da administração pública e defesa da concorrência por meio da livre, justa e ampla competição e da vedação ao monopólio e oligopólio nas atividades de comunicação audiovisual de acesso condicionado".

A mudança do paradigma da concessão para a autorização tem consequências profundas na evolução do direito brasileiro. Ora, a aplicação tradicional da técnica regulatória da concessão de serviço público significava o reconhecimento da titularidade estatal da atividade em mãos da União, negando-se a liberdade empresarial. A iniciativa privada somente podia explorar o serviço se houvesse um ato de delegação estatal.

A CF/88 (clique aqui) permite o exercício da discricionariedade legislativa na medida em que compete ao legislador Federal, respeitados os limites impostos constitucionalmente, definir quais as atividades econômicas que podem ser qualificadas como serviço público ou como atividade econômica em sentido estrito.

O projeto de lei das comunicações audiovisuais propõe a escolha do regime privado como alternativa regulatória dos serviços em questão. Este modelo implica no reconhecimento de que os serviços são de natureza privada, porém o poder público pode regulá-lo, por intermédio de sua agência reguladora, sob o fundamento do interesse público.

O projeto de lei em análise encontra-se em coerência e harmonia com a Lei Geral das Telecomunicações (clique aqui) que criou a possibilidade de aplicação do regime privado para os serviços de telecomunicações. No regime privado, diferentemente do público, não são impostas para as prestadoras dos serviços de telecomunicações as obrigações de universalidade e continuidade. Isto significa que a área de prestação das atividades é uma escolha das empresas. Então, a expansão dos serviços pelo território brasileiro fica dependente das estratégias comerciais dos agentes econômicos para atender à demanda. Também, a deliberação pelo encerramento de suas atividades empresariais é uma decisão privada, razão pela qual o poder público não poderá impor à empresa a continuidade da a prestação dos serviços, salvo se ela assumir esta obrigação no termo da autorização.

A escolha pelo legislador do regime jurídico tem repercussões imensas na perspectiva do direito nacional. Se a lei, ao adotar o regime privado, não prevê obrigações de universalização dos serviços de comunicação de acesso condicionado poderá a ANATEL, mediante mero regulamento administrativo, criar obrigações, por exemplo, quanto ao âmbito de cobertura e áreas de prestação dos serviços? Como fica a situação das operadoras de TV a cabo que firmaram contrato de concessão com o poder público sob as regras da lei 8.177/91 (clique aqui)?

O PLC 116 trata das regras de transição. Assim, dispõe que os atos de outorga de concessão e respectivos contratos das atuais prestadoras de serviço de TV a cabo continuarão em vigor, mas serão adaptados aos condicionamentos referentes à programação e empacotamento. Uma vez aprovado o regulamento do serviço de acesso condicionado, as atuais prestadoras dos serviços de TV a cabo, MMDS, DTH e TVA, se preenchidas as condições objetivas e subjetivas exigidas, poderão solicitar à ANATEL a adaptação das respectivas outorgas para "termos de autorização para prestação de acesso condicionado". Prevê-se, ainda, a proibição à realização de compensações financeiras às prestadores de serviços atuais de TV por assinatura, pelas mudanças em suas outorgas e contratos.

Paralelamente, a ANATEL realiza consultas públicas a respeito de novo regulamento do serviço de TV a cabo, com a previsão do regime de autorização, ao invés da concessão. Consta como justificativa para esta consulta as necessidades de mudança em função da evolução tecnológica e da atualização a regulamentação da matéria em harmonia com a Lei Geral das Telecomunicações, para fins de assegurar "condições homogêneas para as diversas modalidades de serviços de televisão por assinatura".

A proposta de flexibilização do regime jurídico representa grande avanço institucional, eis que adaptadas ao processo de convergência de tecnologias, construindo-se um marco regulatório em garantia da livre e da leal competição, da qualidade e da diversificação dos serviços de comunicação audiovisual em favor dos brasileiros. Caberá ao Congresso Nacional dar a palavra final sobre a matéria.

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*Advogado e consultor especialista em regulação da comunicação audiovisual. Doutor em Direito do Estado (USP). Autor do livro: TV Digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios. TVs pública, estatal e privada. Ed. Fórum, 2008. Sócio do escritório Bornholdt Advogados.

 

 

 

 

 

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