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Cade e o caso BRFoods

Laércio N. Farina

Não posso aqui dizer que estou a atender o convite para uma análise mais cuidadosa da operação Sadia/Perdigão, ou BRFoods, porque não poderia ser detalhista sobre um caso que não examinei, mas apenas acompanhei à distância.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Atualizado às 07:00


Cade e o caso BRFoods

Laércio N. Farina*

Não posso aqui dizer que estou a atender o convite para uma análise mais cuidadosa da operação Sadia/Perdigão, ou BRFoods, porque não poderia ser detalhista sobre um caso que não examinei, mas apenas acompanhei à distância.

Mas acho que uma pequena opinião geral posso expressar com relação à posição do CADE face a essa matéria em particular.

Disseram, alguns, que o CADE teria "recuado" ao aprovar aquela operação. Nada mais equivocado.

É sabido que as empresas eram muito ciosas sobre o valor intrínseco de cada uma das marcas (Sadia ou Perdigão) e que abrir mão de uma delas era algo, senão impensável, ao menos de baixíssima probabilidade de ocorrer.

Podemos ter a certeza de que, não fosse o rude golpe representado pelo voto do relator, o Conselheiro Ragazzo, que rejeitava a operação (à exemplo do ocorrido com a Nestlé/Garoto, anos atrás), e dificilmente haveria uma solução negociada do naipe da que resultou no julgamento final do Conselho.

Aos não afeitos à área pode parecer estranha a expressão "solução negociada", mas é uma tradição na área da análise antitruste (ou concorrencial), que as partes ofereçam propostas de alterações estruturais em operações de extrema complexidade e com efeitos de impacto sobre o, ou os, mercados. Por vezes, a fórmula proposta originalmente pelo negócio entabulado não satisfaz a preocupação da autoridade antitruste em relação a eventuais danos que o mercado possa sofrer no futuro em razão daquela fusão, ou incorporação (ou outro modelo contratual).

Duas alternativas emergem assim: a rejeição pura e simples da operação (vide caso Nestlé e alguns outros menos noticiados) ou a reformulação da estrutura do novo negócio. Esta última pode ser simples imposição do Conselho (a aprovação com restrição) ou fruto de oferecimento de fórmulas alternativas pelas partes interessadas (negociação) que podem (ou não) ser aceitas pelo Conselho em decisão colegiada.

Nosso colega Onofre Arruda Sampaio, velho lobo do mar da navegação antitruste, brindou-nos há poucos dias com brilhante artigo no Estadão em que discorria justamente sobre a racionalidade e a eficiência do modelo negocial em outras jurisdições, tais como a Europeia e a Norte-americana. Nestas, há que se convir, há duas particularidades importantes a serem consideradas.

A primeira delas é o conhecimento "a priori" da operação pela autoridade, tal como está previsto no projeto de lei que deverá - sabe-se lá quando - modificar nosso diploma antitruste (a lei 8.884/94 - clique aqui). É muito mais eficiente e lógico negociar-se o formato da operação antes da sua concretização do que depois, como hoje ocorre no Brasil.

A segunda particularidade repousa na importante questão da reputação institucional da autoridade que, naquelas jurisdições, é algo culturalmente natural. No Brasil, porém, há sempre uma suspeita quanto à "negociação com a autoridade", no que tange à sua licitude ou honestidade. É uma simples questão de reputação.

O CADE vem se notabilizando, ao longo das últimas décadas, em sua característica de agência com postura correta e transparente, consistindo em órgão que pode ser alçado à condição de um dos marcos da moralidade administrativa em nosso país. Isso é perfeitamente sabido por quem é da área ou a acompanha de perto, mas não do público em geral (e não se exclui a imprensa não especializada desse contexto) para quem a tendência em colocar todo e qualquer órgão governamental na vala comum da ineficiência burocrática - ou mesmo balcão de negócios - é um ato instintivo.

Eis porque parece conveniente esclarecer que o resultado do caso Sadia/Perdigão, longe de ser alvo da suspeita de que resulte de um "acerto" ou uma "acomodação" (nos moldes daqueles que, vira e mexe, são alvo dos noticiários ministeriais brasilienses), é, isto sim, o fruto da atuação rígida e, forçoso acrescentar, profundamente técnica do nosso órgão antitruste.

Se minha posição aqui expressada pode parecer o resultado de atuação recente perante aquele Conselho, ou mesmo em função de pessoas que por ali passaram, posso afirmar que já escrevi e publiquei posições praticamente iguais (algumas como previsão, outras como constatação) nos idos de 1993 e 1999.

Nada de novo no front, pois.

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*Advogado do escritório L. Farina Advogados

 

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