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Compulsória: descarte do idoso

Com o objetivo de mostrar que a aposentadoria deve ser um prêmio pela dedicação do profissional, o desembargador baiano critica o estabelecimento de idade máxima para atuação dos servidores públicos.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Atualizado em 4 de outubro de 2011 12:00

Antonio Pessoa Cardoso

Compulsória: descarte do idoso

O sistema de aposentadoria do servidor público sofreu várias Emendas desde a promulgação da Constituição de 1988 (clique aqui): a EC 20 (clique aqui), de 16/12/1998, a 41 (clique aqui), de 31/12/2003 e a Emenda 47 (clique aqui), de 6/7/2005. Nenhuma delas, entretanto, criou regras de transição para a aposentadoria compulsória, no sentido de preservar direito preexistente dos servidores no exercício do cargo. Essas alterações constitucionais mostram a instabilidade do governo no tratamento dessa matéria de tamanha importância para os servidores públicos.

A primeira reforma, de 1998, fixou idade mínima e privilegiou o tempo de contribuição para aposentadoria, estabelecendo a idade em 60 (sessenta anos), se homem, e 55, cinquenta e cinco, se mulher, impedindo o afastamento precoce do trabalho, como acontecia antes, desligamento do trabalho até com 40, (quarenta), anos.

A Emenda 41 não inovou, no que se refere à idade e tempo de contribuição, mas mudou, quando deixou de considerar o último salário em atividade como fator de cálculo para a aposentadoria, buscando a média de salários de contribuições para fixação do benefício. Ainda trouxe um fator previdenciário que reduz o salário do servidor que se aposentar antes de completar a idade de 60, (sessenta), anos, para homem, ou 55 (cinquenta e cinco), para mulher.

A Emenda 47 restabeleceu a paridade plena para todos aqueles que entraram no serviço público até 16/12/1998. Retroagiram seus efeitos à Emenda 41/03 para evitar maiores danos aos servidores que se aposentariam com observância do que foi preceituado na Emenda do ano de 2003.

Na aposentadoria compulsória, estabelecida desde a Constituição de 1946 (clique aqui), nada mudou, porque mantido o descarte do profissional que completa 70 (setenta) anos, sem maiores indagações.

Todavia, desde o ano de 2005, quando se aprovou a última Emenda no sistema previdenciário, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Emenda Constitucional 457/05, que "altera o art. 40 da Constituição Federal, relativo ao limite de idade para a aposentadoria compulsória do servidor público em geral".Alteração, Constituição Federal (1988), Administração Pública, aposentadoria compulsória, servidor público civil, regulamentação, lei complementar, aumento, limite de idade, Disposições Constitucionais Transitórias, aposentadoria, magistrado, membros, Judiciário, Ministros, (STF), Tribunais Superiores, (TCU).

Nesses seis anos, houve debates, discussões, a matéria foi ao Senado e voltou à Câmara dos Deputados onde aguarda inclusão em pauta para votação.

A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), que reúne 37 sindicatos e quase um milhão de servidores, posicionou pela aprovação da fixação da idade compulsória em 75 (setenta e cinco) anos; a Associação Nacional de Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência - AMPID - manifestou no mesmo sentido; a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, FIESP, diz que "um servidor público que se aposenta aos 70 anos é a expressão burra de um país que se dá ao luxo de mandar para a cesta do lixo boa parcela de sua sabedoria e experiência". A entidade calcula que a economia para o Tesouro, se elevada a aposentadoria para 75 (setenta e cinco) anos, seria de R$ 1,4 milhão por ano, chegando a R$ 5,6 bilhões em cinco anos. Muitas outras entidades tem se posicionado pelo aumento da idade.

As Associações de Magistrados prosseguem pugnando pela rejeição, apesar de ultimamente ter diminuído movimentações nesse sentido. Apresentam argumentos para atender a interesses pessoais de progressão na carreira, sem comentário algum sobre a extensão da medida a quase 10 milhões de servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Assim, uns pugnam para ficar como está, ou seja, aposentadoria aos 70 anos, na forma do art. art. 40, inc. II da Constituição, que institui a aposentadoria compulsória; outros lutam para alteração do dispositivo, aumentando a idade da aposentadoria para 75 anos.

O posicionamento contrário tem sido restrito ao nível dos juízes de primeira instância que alardeiam a necessidade de "oxigenação", mesmo argumento usado pelos advogados e promotores para acesso aos tribunais, com o chamado Quinto constitucional; falam em renovação de jurisprudência, como se isso só acontecesse com os novos magistrados e os mais idosos não tivessem a sensibilidade e inteligência para modificarem entendimento com prevalência de nova jurisprudência. Isso, aliás, acontece com frequência nos tribunais; insinuam o apego ao poder, em prejuízo para ascensão na carreira dos mais novos. Maior é o poder conferido aos membros do Legislativo e do Executivo e esse perigo não ocorre.

Os que defendem o aumento da idade para a compulsória sustentam-se na estabilidade financeira da previdência que contaria com maior período de recolhimento da contribuição previdenciária, aliado a um tempo menor de gozo dos benefícios dos funcionários públicos que preferirem deixar o serviço público; anotam ainda a economia que geraria com a desnecessidade de contratação de outro servidor para substituir o aposentado. Alicerçam seus argumentos na elevação da idade média de expectativa de vida do brasileiro que passou de 39 anos, na década de quarenta, quando foi criada a aposentadoria compulsória, para mais de 72 (setenta e dois) anos na atualidade.

Penetrando mais nos princípios constitucionais, depara-se com o valor social do trabalho, art. 1º, IV e na liberdade do livre exercício, art. 5º, XIII da Constituição. Se há liberdade constitucional de livre exercício do trabalho, como impedir o cidadão com 70 (setenta) anos de idade para continuar trabalhando, se tem disposição e condições? É o que ocorre com o servidor público, respingando somente em um dos três Poderes da República, o Judiciário; no Executivo e no Legislativo não existe essa proibição, na forma dos requisitos enumerados no art. 14, § 3º da Constituição. Há para o Executivo e para o Legislativo exigência apenas de idade mínima.

O art. 87 da Constituição limita o mínimo de idade para ser ministro de Estado, mas não fixa idade máxima, admitindo, portanto, a nomeação de ministros para brasileiros com mais de 70 (setenta) anos de idade. Por outro lado, o art. 230 garante a dignidade e bem estar dos idosos, além de participação na comunidade. O art. 170 valoriza o trabalho humano.

A aposentadoria compulsória viola todos esses dispositivos, porque promove o isolamento do servidor público da comunidade, além de impedir o trabalho de quem está em condições e na atividade por mais de trinta, quarenta anos.

Ademais, há incoerência, colisão mesmo, entre o art. 40, § 1º, inc. II, aposentadoria compulsória, e o § 19 desse mesmo dispositivo, que trata do abono de permanência para o servidor público que deixa de exercer seu direito de aposentadoria voluntária. Não se justifica a criação de prêmio para quem não aposenta após satisfazer as exigências da lei e ao mesmo tempo o castigo de impedir o exercício do trabalho, porque completou a idade, proibitiva de continuar em atividade. A Constituição não explica o motivo dessa restrição de trabalho para o septuagenário, possibilitando a interpretação de incapacidade ou compulsória destinar-se à renovação dos quadros.

Na verdade, vários dispositivos da Constituição desmentem essa conclusão de incapaz, arts. 87, 170, 230 e outros; a renovação não constitui argumento para descartar o profissional que continua em condições de trabalho, mesmo porque a lei permite a contratação para cargo de confiança de profissional com mais de 70 (setenta) anos.

Ademais, como entender assim, idoso com mais de 70 (setenta) anos ser incapaz, se permite o exercício de cidadãos com idade superior nos cargos mais importantes da República?

Se adentrarmos para a legislação ordinária, lei 10.741/03 (clique aqui), posterior à Constituição, encontraremos dispositivos que não condizem com o descarte do trabalho somente pela idade. O art. 3º do Estatuto do Idoso diz ser obrigação do Poder Público "assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho..." Adiante, art. 26, garante direito do idoso à atividade profissional e o artigo seguinte veda a discriminação e a fixação de limite máximo de idade para admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego. No parágrafo desse artigo 27, fixa como critério para desempate, em concurso público, a maior idade.

No âmbito do Poder Público e do Judiciário especificamente, as modificações introduzidas pela informática, a exemplo da justiça sem papel, da videoconferência, do julgamento virtual, proporcionam melhores condições de trabalho sem o empenho físico de tempos atrás.

O ministro do STF, Marco Aurélio Mello, por ocasião da aposentadoria compulsória do ministro Neri da Silveira falou sobre o tema:

"A propósito, por que profissionais da iniciativa privada não são obrigados a se aposentar com 70 (setenta) anos; Por que servidores públicos ocupantes de cargos comissionados (que têm natureza de direção, assessoramento e chefia) podem continuar trabalhando depois dos 70 (setenta) anos e servidores efetivos não; Seriam os servidores públicos efetivos menos aptos (mental e fisicamente) para exercer função pública após os 70 (setenta) anos do que os titulares de mandato eletivo (presidentes, governadores, prefeitos, senadores, deputados e vereadores) que exercem os mais altos cargos da República? Sinceramente, para todos esses questionamentos não encontrei resposta legítima no ordenamento jurídico que autorizasse a discriminação, a quebra da isonomia".

Hoje, os cargos públicos estão sendo ocupados, a cada tempo que passa, por servidores muito jovens, de forma que a permanência no cargo tende a aumentar, não resolvendo assim a movimentação na carreira, buscada pelos magistrados.

O estudo promovido pela Associação dos Magistrados de que o período médio de permanência de desembargadores e ministros nos tribunais superiores varia de quinze a dezoito anos vai aumentar, pois o Judiciário recebia a bem pouco tempo magistrados com idade de 24 (vinte e quatro) anos, e só recentemente aumentou para 27 (vinte e sete) anos; essa é a conclusão que se tira da idade da graduação em Direito, mais os três anos de experiência; assim, a grande maioria chegará aos tribunais com a idade média de 50 anos, possibilitando sua permanência por vinte anos mesmo com a manutenção de 70 anos; com o aumento para 75 (setenta e cinco) anos poderá esse fenômeno ocorrer apenas nos primeiros anos de implantação.

O Estado não pode desistir do trabalho de profissionais experientes, simplesmente para atender à progressão de carreira de jovens; ao invés disso, com prejuízo para a sociedade, cuide o Congresso Nacional de aprovar a EC 61/99 (clique aqui), que fixa a idade mínima de trinta e cinco anos e o período mínimo de dez anos de efetivo exercício de advocacia como requisitos para ingresso na carreira. Considere-se para isso os altos índices de reprovação nos concursos da magistratura, em torno de 2% e a média nacional de cargos vagos em torno de 20%.

Nos Estados Unidos, de maneira geral, o magistrado deve ter um mínimo de quarenta anos para ingresso na magistratura.

Os juízes Federais americanos permanecem na atividade judicante, enquanto desejarem; na esfera estadual há muita variedade e tem estados que fixa a idade para aposentadoria compulsória em 75 anos.

Wesley Brown começou na advocacia em 1933, nomeado por John Kennedy, juiz Federal; aos 103 anos continua no Tribunal de Wichita, Estado do Kansas, e diz que "cumprir este serviço público lhe dá uma razão para viver"; Ruth Bader Ginsburg, com 78 anos, continua como juíza do Tribunal de Justiça de Washington.

O profissional não permanece na atividade profissional somente pelo salário que recebe, mas um elenco de condições permite a continuidade. Aqueles que não mais sentem condições de oferecer aquilo que entendem possível podem deixar o cargo com a aposentadoria voluntária.

Enfim, a aposentadoria compulsória deve ser respeitada, enquanto não modificado o texto constitucional, mas não deixa de ser medida cheia de preceito discriminatório e preconceituoso; afinal, a aposentadoria é um prêmio pela dedicação do profissional ao trabalho e não punição por ter chegado a 70 (setenta) anos.

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*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA





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