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Feliz Natal, amigo incrédulo

O Natal chega e o significado desta data nem sempre toca a todos. Até mesmo aos incrédulos, a crônica é uma carta de pedido, de um amigo para outro, para que se deixe sensibilizar pelo singelo clima de alegria da data.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Atualizado às 07:35

Eudes Quintino de Oliveira Júnior

Feliz Natal, amigo incrédulo

Eu sei que você tem computador e eu poderia mandar uma mensagem para seu endereço eletrônico, ou mesmo conversar nos espaços cibernéticos apropriados. Eu sei que tem telefone e eu poderia fazer uma ligação. Conversaria e ouviria sua voz ou encheria sua caixa postal com a minha.

Mas a tecnologia é imediatista, instantânea, egoísta e não oferece tempo para debater ideias. Disseram-me que as tais novas ferramentas viriam para auxiliar o homem, permitindo uma comunicação mais rápida. Pode até ser. Porém, quero desenrolar o novelo guardado, não para reprisar as novidades envelhecidas, mas para destrinchar o quebra-cabeça tão bem armado em nossa última conversa. Não é uma operação de desmonte do passado, mas sim um ajuste sincero entre dois amigos.

Por isso optei pela carta, atendendo até mesmo a um conselho de Neruda. Dizia ele que escrever é muito fácil: você começa com a letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio, coloca as ideias. Não quero aproveitar este espaço para falar sobre a ordem social, a crise financeira, ou do sonho que ruiu como um castelo de areia.

Assim, vou pegar carona com as ventoinhas, pois indicam que o vento mudou, as águas estão mais tranquilas e temos uma boa maré pela frente para resgatar os assuntos que deixamos mar adentro. Lembro-me, até de forma hilariante, que projetamos Beethoven e Van Gogh para os dias atuais e perguntamos se o compositor seria discriminado como surdo ou se o impressionista se submeteria a uma cirurgia plástica para implantar sua orelha. Da mesma forma indagamos se Napoleão, quando criança, era vítima de bullying.

Mas a questão que ficou em aberto e justifica a missiva é que você não acreditava no Natal. E me deixou deveras aborrecido quando desejei do fundo do coração os votos de um Natal Feliz. Tentei várias vezes convencê-lo de que não se pode perder a capacidade de sonhar e a data corresponde a um renascimento, como a palmeira onde pousava a fênix, fazendo-a rebrotar. Debalde. Eu pensava que a centelha da verdade brotava com o choque entre duas pedras. Engano meu, porque você permanecia imobilizado por uma falácia que o enclausurou no mundo da monotonia.

Tenho mais um arsenal de recursos para alinhar ao meu ponto de vista. Sempre falei para você que o importante é contar com o pensamento filosófico, usar com acuidade a sabedoria e ter sempre em mente que o tempo, ao contrário do que se diz, não apaga, mas sim aprimora. Quanto mais experiente for, mais inteligente será. Mostrei a você o panteão dos heróis com o seu lugar reservado, o desprendimento olímpico, contei o segredo de polichinelo, mas tudo se desfazia no ar como bolhas de sabão.

Mas, era de se esperar porque você sempre primou pela teimosia. Nunca aceitava um argumento, nem mesmo se dava ao trabalho de apreciá-lo mais cuidadosamente. Rebatia de plano e, como um ditador, apegava-se ao seu. Que venha o próximo, que será também encaminhado para pisar o cadafalso. Nem mesmo concedia o tempo necessário para ouvir qualquer explicação ou dar a sua a respeito do tema em aberto.

Quantas e quantas vezes pedia a você que conjugasse paciência e inteligência e fizesse das duas uma poesia, mesmo sem rima, com versos tolos, medíocres, mas que chegasse até a última estrofe. Contar até cem, então, mais de centenas de vezes. Tudo para afastar esta concepção tacanha que carrega do Natal, que para você nada mais é do que uma data triste e sem qualquer conteúdo simbólico.

Lembro-me bem do dia em que discutia com o jardineiro, saiu com ele aos berros e se limitou a ouvir somente o início da trêmula frase que esboçava. Mal sabia você que ele só queria entregar as rosas vermelhas que acabou de colher. Sem falar do deslize com seu pai, pessoa mais humilde que já conheci. Do jeito que ele chegou, com as mãos para trás, você já desconfiou que trouxesse qualquer objeto quebrado da sua empresa. Porém, carregava com muito cuidado o caminhão que você brincava quando criança. Para presenteá-lo.

Está entendendo agora a estratégia da carta? Só eu falo e exibo minha opinião em todos os canais de sua comunicação. Transformo-o em um leitor comportado e sem contestação. Só assim terei condições de apresentar minha proposta e, com certeza, fazê-la prevalecer, mesmo que seja a distância. Foi assim que aprendi com você.

Então, meu amigo, retomo nossa última conversa e toco o nervo exposto de sua insensibilidade. Deixe de transitar pelo seu universo vago e inicie um novo ciclo, corrigindo a rota de sua vida. O Natal existe sim e por maior que seja sua descrença, ele continuará a fazer a alegria não só da criança, mas de todo aquele que carregar a esperança de viver em sincronismo de espírito e corações. Dá até para acreditar em Papai Noel.

Feliz Natal, é o que desejo. Que você seja fertilizado pela crença de um Cristo que apresentou mais projetos do que promessas, mais atos que palavras, mais razão do que emoção e fez nascer uma incontida confiança de que a vida é uma dádiva para ser cultivada num porvir maravilhoso. Que você mude de ninho e venha para aquele que quer fazer brotar e acalentar seus sonhos. Aceite a proposta que Jesus fez a Nicodemos: nascer de novo.

Assim, encerro esta carta e tenho certeza de que o convenci da boa nova. O assunto suspenso fica resolvido definitivamente. Tenha calma para ler, sair de se labirinto falacioso e vá ao encontro de Canaã, onde leite e mel irão jorrar à vontade.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, advogado e reitor da Unorp

 

 

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