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Como aproveitar a crise

José Gregori

Como em todo temporal há um momento em que os ventos amainam. É o que me parece ter ocorrido com a crise "Correios x Jefferson x Mensalão" que, na fase mais aguda, com chuvas e trovoadas, destruiu o conceito de um partido político cuja razão de existir era dizer-se invulnerável ao tipo de lama que o atingiu.

sexta-feira, 5 de agosto de 2005

Atualizado em 4 de agosto de 2005 14:48

Como aproveitar a crise


José Gregori*

Como em todo temporal há um momento em que os ventos amainam. É o que me parece ter ocorrido com a crise "Correios x Jefferson x Mensalão" que, na fase mais aguda, com chuvas e trovoadas, destruiu o conceito de um partido político cuja razão de existir era dizer-se invulnerável ao tipo de lama que o atingiu.

Para a objetividade contábil, deve-se debitar mais da metade à sua incúria e negligência e, também, a sedução de poder cada vez mais abrangente e espúria e, outra, a própria estrutura institucional brasileira que, no campo das despesas de campanhas eleitorais, cada vez mais caras, não conseguiu um molde jurídico suficientemente disciplinador e realista que possa ser seguido à risca.

No poço que o temporal abriu, caiu muita gente do PT, mas vimos que, de outros partidos, caíram também, talvez, com carga menor de peso e comprometimento.

Para resgate futuro do que foi este terrível mau tempo, o historiador não precisará ler mais do que o artigo "Flores para los muertos" do indomável Gabeira e o artigo sobre os perigos de se ter parentes atendidos no governo, do jovem jornalista Paulo Moreira Leite e ouvir o grito, no fundo do plenário, baixo mas sofrido, do Senador Saturnino: caixa dois "sistemático uma ova".

Parece que o temporal não foi uma chuva de verão, dado a duração e os estragos produzidos, mas, acabou amainando, porque o episódio não revelou nenhuma figura que, na mão ou contramão, tenha tido aquela chispa ou instante de ressonância e densidade necessárias aos grandes episódios da história, especialmente, os trágicos. Em termos teatrais, se diria que não se passou do nível de comédia de costumes em que os personagens nauseabundos não são capazes de ir além da "boutade" e da fuga de casa.

Não foi propriamente um capítulo da pequena história, mas não há nenhum gesto, discurso, ação ou reação que a história com h maiúsculo guardará, salvo o que se deu fora do palco: a profunda tristeza do povo com mais uma esperança partida.

A tempestade repita-se, amainou, porque a intensidade e amplitude dos estragos levaram os donos do poder a refletir que, no custo benefício o já ocorrido estava de bom tamanho. Ainda não será desta vez que se passará o Brasil à limpo, embora tanta eletricidade no ar tenha produzido choques que podem ser revertidos num tempo próximo: para o mal ou para o bem. Uma das formas virtuosas de aproveitarmos tanta eletricidade, seria procurar um tema que repusesse, de imediato, um mínimo de visão comum em todos os setores que formam a múltipla sociedade brasileira. Isto, à meu ver seria possível se governo e oposição, sem prejuízo da tarefa específica em que se nivelam de evitar um desfecho pífio e melancólico das CPIs, se juntassem no esforço de aproveitar o já marcado "Referendo do Desarmamento" para uma campanha, para valer, - mas para valer mesmo - de não violência.

Não me conformo que, até hoje, o combate à violência não seja uma prioridade nacional. Está seria uma oportunidade de transformar uma luta que sempre foi residual levada por poucos protagonistas quase heróicos, num clamor que aproveitasse os dois meses da data para o Referendo para um programa de ação que, além do desarmamento, contemplasse um mínimo de segurança às cidades brasileiras.

Vi esse tipo de comoção nacional acontecer de forma palpável nas Diretas e na crise do apagão, sem falar no regozijo das nossas vitórias esportivas.

Um Referendo que poderá ser frio e quase burocrático se transformaria num elo de esperanças renovadas para obtenção de uma vitória que não teria dono porque seria de toda a nação brasileira.

É marca da nossa história que, quando os governos saem pela porta dos fundos, a sociedade civil entra pela porta da frente: foi o que aconteceu na Abolição, na República, na Anistia, nas Diretas que trouxeram energias e pautas novas, nas épocas em que os responsáveis convencionais se enrolavam em menssalagens.
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Ex-ministro da Justiça e Presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo








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