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Aspectos relevantes do novo Código Civil na execução e gestão de contratos

Rodrigo Cesar Caldas de Sá

O novo Código Civil trouxe uma série de dispositivos que influenciam diretamente as relações contratuais. Vários deles trazem comandos já do conhecimento da doutrina e jurisprudência, como a aplicação da Teoria da Imprevisão. Outros, como o instituto da lesão, terão ainda seu conceito e interpretação ajustados no decorrer da evolução da jurisprudência. Esses novos dispositivos interferem não apenas nos contratos em si, mas nos próprios princípios jurídicos que os informam.

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Atualizado em 26 de agosto de 2005 08:42


Aspectos relevantes do novo Código Civil na execução e gestão de contratos


Rodrigo Cesar Caldas de Sá*



O novo Código Civil trouxe uma série de dispositivos que influenciam diretamente as relações contratuais. Vários deles trazem comandos já do conhecimento da doutrina e jurisprudência, como a aplicação da Teoria da Imprevisão.

Outros, como o instituto da lesão, terão ainda seu conceito e interpretação ajustados no decorrer da evolução da jurisprudência. Esses novos dispositivos interferem não apenas nos contratos em si, mas nos próprios princípios jurídicos que os informam.


O Princípio da Autonomia da Vontade é a base da relação contratual. Decorre dele o princípio pelo qual o contrato faz lei entre as partes. Também o caráter consensual, pelo qual a mera manifestação da vontade juridicamente válida forma o acordo.Ao propor ou aceitar proposta, ao negociar, ao refletir e expor uma vontade juridicamente relevante, a parte tem informações que geram uma expectativa legítima e razoável. Informações sobre si própria, sobre a parte com quem negocia, sobre terceiros que sequer fazem parte do contrato. Tem informações sobre o negócio em si, sobre o mercado, o câmbio, a legislação vigente e até o clima. A partir desse conjunto de informações, autonomamente, as partes expressam sua vontade, celebrando o contrato.


Quando a realidade se mostra muito diferente da expectativa legítima e razoável, trazendo um desequilíbrio excessivo, a relação contratual pode estar sujeita a dispositivos legais que interferem nessa relação. Claramente, os artigos 478 a 480 do Novo Código, que permitem a resolução do contrato pela parte prejudicada por onerosidade excessiva, extraordinária e imprevisível, assim como o artigo 317 do mesmo Diploma, que trata de pagamento de prestação que se tornou excessivamente onerosa, se prestam como exemplos dessa interferência legal.


Em todos esses casos, a norma se refere à autonomia da vontade em dois aspectos. Num primeiro momento, permite à parte que se vê diante de uma realidade diversa da sua expectativa, com obrigações excessivamente onerosas, reavaliar a sua vontade, de acordo com a realidade efetiva. Num segundo momento, a norma reconhece como válida a vontade não apenas de celebrar o contrato, mas de mantê-lo. Observe-se que alguns interpretarão que essa imprevisão poderá ser não apenas do evento, mas de seus efeitos. Um evento pode ser previsível, mas trazer efeitos imprevisíveis. Tal interpretação aumenta bastante o campo de aplicação dessa norma.


Outro aspecto introduzido pelo Novo Código é o da boa-fé, consignado nos artigos 113, 187 e 422 do Código. O artigo 187 inclui entre a categoria dos atos ilícitos, indenizáveis, o exercício do direito contrário à boa-fé. O artigo 422 estabelece que a boa-fé deve ser mantida durante a execução do contrato. Em outras palavras, os direitos que uma parte tem sobre a outra, na execução do contrato, devem ser exercidos dentro dos limites da boa-fé. Todo contrato tem motivação e perspectivas econômicos. A rigor, as partes se unem para a consecução de objetivos ora paralelos, ora comuns, que não serão atingidos sem a participação de ambos. O contrato regula a maneira como se dará a relação que buscará atingir esses objetivos. Não será objetivo de uma parte levar a outra à bancarrota, impedi-la de cumprir suas obrigações, deixá-la em situação vexatória perante o mercado. Tais condutas são ilegítimas e ilegais (art. 421 do NCC), estando fora do que é permitido às partes na execução do contrato segundo os limites da boa-fé.


É de se ressaltar, por outro lado, que não falta com a boa-fé o contratante exigente. Empresas que têm prazos para inauguração de fábricas, lojas, depósitos e que já fizeram outros negócios contando com o cumprimento desses prazos; empresas que contrataram com a Administração Pública e que também têm prazos, inclusive legais, são normalmente parceiros contratuais rigorosos, inclusive em termos de qualidade e custo. Quem vence uma concorrência tem normalmente uma margem de lucro reduzida. Custos extras podem levar à inviabilidade do projeto e ao prejuízo.Quem contrata com essas empresas deve esperar e demonstrar alto nível de eficiência. O contratante pode se recusar a suportar gastos extras, causados pela falta de eficiência do contratado. Aqui não haverá má-fé do contratante prejudicado com a má gestão do seu parceiro que não soube avaliar as condições e os riscos do negócio.


Todos esses aspectos são especialmente importantes para grandes empresas que trabalham com parceiros contratuais com visível diferença na capacidade técnica, financeira ou gerencial.Quem tem pouca condição técnica pode ter que refazer trabalhos, arcando com custos para os quais não estava preparado.Se houver dificuldade financeira ou de gerenciamento, o contratado estará mais suscetível a eventos extraordinários que dificultem ou inviabilizem a continuidade da prestação. Porém, é preciso ficar atento pois, com o Novo Código, os efeitos desses riscos não recairão necessariamente sobre a empresa contratada que exerce a atividade e dali tira seu lucro, mas sobre o contratante. Há uma evidente inversão do ônus do risco.


A bem da verdade, a lei pode acabar por levar grandes empresas a somente contratarem outras que demonstrem um altíssimo nível técnico, financeiro e de gestão. Isso dificultará, por óbvio, o surgimento e crescimento de empresas de pequeno e médio porte, podendo levar a uma distorção econômica indesejável. De qualquer forma, empresas com melhor capacidade técnica e financeira do que seus parceiros contratuais devem demonstrar, inclusive documentalmente, boa-fé e boa vontade durante a execução dos contratos. Primeiro, porque a elas interessa que a execução e mesmo o pós-contrato se dê da melhor maneira possível. Segundo, para não se correr o risco de um parceiro ineficiente se encontrar em situação imprevista que inviabilize o negócio, passando a confundir exigência com má-fé e vindo a reclamar do contratante o chamado dever de proteção.


A escolha dos parceiros contratuais deve ser cada vez mais apurada. Diligências são normalmente feitas em cartórios, varas trabalhistas e de execução fiscal, tudo para se verificar a saúde financeira e jurídica das contratadas.Ocorre que alguns grupos constituem empresas novas, somente para executar contratos específicos. Assim, analisar também os sócios dessas empresas e ver de que outras sociedades fazem parte é importante para que se avalie se esses gestores têm um histórico de boa administração ou se há vestígios de má gestão em outras oportunidades. Maior relevância assume também a contratação com seguro. A escolha de parceiros capacitados e uma boa administração do contrato, documentalmente comprovada, é essencial para a diminuição dos riscos, cujos conceitos, ônus e efeitos foram claramente redefinidos pelo Novo Código Civil.

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*Advogado do escritório
Trigueiro Fontes Advogados









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