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Esperando Godot

Assim como os personagens do dramaturgo Samuel Beckett, os povos tendem a não sopesar a realidade. Preferem sempre, a cada época, esperar por algum Godot.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Atualizado em 15 de junho de 2012 08:33

E quem haveria de imaginar que por Palmátria, como o poeta Tribuzi chamava esta paragem de Pindorama, quem haveria de imaginar, pasmem, que muitos dentre os do nosso tempo ainda fossem acreditar em Godot e, pior e mais engraçado, ainda se pusessem a esperá-lo como quem espera um Messias, ainda que desfocado, um Messias que não tem nada a ver nem com a imitação do original, enfim, um Messias de Feira do Paraguai, por conseguinte falso nas promessas, falsificado nas razoes.

O oportunismo em política só busca proveitos e, como para os oportunistas a farinha é sempre pouca, nem se constrangem em levar ao pé da letra a máxima - farinha pouca, meu pirão primeiro.

O Godot é aquele cara por quem muitos esperam, até com doses fortes de encegueiramento, mas que nunca chega. Termina o tempo do espetáculo no qual todos vivem a expectativa de que ele, afinal, vai chegar e o cara não chega.

Talvez, no fundo, o Godot destes tempos tenha uma noção silenciosa e secreta de sua própria inutilidade e fraquezas, sabendo que a sua vocação não é fomentar esperanças e torná-las possíveis, e daí se agarrar até as sugestões dos horóscopos para não chegar nunca, enquanto os outros na plateia o esperam.

Esperando Godot era uma expressão muito recitada no antigamente mais antigo, nem tanto remontando aos tempos bíblicos, quando se queria dizer, para o consolo geral, que um cara formidável, paregórico para todos os males, iria chegar.


Daí que passou a ser mais fácil esperar por Godot. Os povos em todas as gerações têm essa tendência a não sopesar a realidade, a não encarar as dificuldades, a não assumir sua cidadania e a não ir à luta. Preferem sempre, a cada época, esperar por algum Godot, um novo tipo de Messias, quem sabe até de esquerda, quem sabe até de direita, mas se dizendo o novo.

Os grandes déspotas do último século na Europa e em Palmátria, também, começaram como Godot. Tanto as pessoas fantasiaram suas esperas que muitos caras se fazendo passar por Godot, rompendo com o script da peça, contrariando o autor, Samuel Beckett, antes do fim da peça, chegaram. E em cada lugar do mundo, incluindo Palmátria e Pindorama por inteiro, deu no que deu.

Na peça de Beckett, há no começo uma paisagem vazia e lá no fundo, no meio, uma arvore solitária. Nesse vazio, dois vagabundos, Estragon e Vladimir que se entregam à espera de um certo Godot. Quando Godot vai chegar ou porque o esperam, eles não sabem. Mas esperam.

Conversam, espalham lorotas, divagam e coisa e tal e o Godot, gente, nada de chegar. Até porque, talvez, quem sabe, ainda que chegue, não estará chegando. Godot é ausência física, mas como promessa real é puro engodo, não existe. Ele deve ter noção, se atendendo aos pedidos gerais chegar, deve ter noção, sim, da potencialidade do dano que poderá causar em matéria de decepção. Para ficarmos só nessa rima.

Como escreveu, a propósito, Otto Maria Carpeaux, - afinal, a gente se diverte como pode, esperando Godot.

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*Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA






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