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Sapo

Sapo não é gente, mas o que o impediria na corrida eleitoral hoje se, pesando bem, não acabaria sendo o preferido? Confira a crônica.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Atualizado em 20 de julho de 2012 08:18

Ofegante, parado, o olhar vivo de um ser assustado, ei-lo aqui na varanda, um estranho saído do nada.

Por um instante me perquiro querendo entender o que teria trazido ou tangido este sapo logo nesta hora da tarde em que mais bate o sol sobre a cerâmica do piso na varanda.

É normal nesta época o assédio de estranhos, mas o sapo nem é candidato a nada. Nem lhe caberia bem uma camisa azul ou vermelha dessas de grife que estão em moda por aí.

Sapo não é gente, mas o que o impediria na corrida eleitoral hoje se pesando bem, sopesando-se os pros e os contra, não acabaria sendo o preferido por centenas de milhares, quem sabe?

Afinal, dando conta dos mosquitos, o sapo ao comê-los presta hoje mais serviços no saneamento básico nas comunidades do que o Governo.

Houve um tempo em que os bichos podiam compartilhar direitos políticos com os homens, concorrendo às eleições.

No mais antigamente, era um pedacinho de papel conhecido como chapinha com o nome impresso do candidato que o eleitor colocava num envelope e o enfiava na urna.

Depois, querendo mais consciência no dever do voto, os fazedores das leis mudaram para o que passaram a chamar de cédula única. Numa mesma tira de papel eram relacionados todos os cargos, restando os espaços correspondentes para que o eleitor os completasse escrevendo o nome ou o número dos seus candidatos.

Até ali, em qualquer um desses sistemas, os bichos podiam concorrer às eleições. Não dependiam de comissões provisórias fazendo como hoje a festa e a fatura dos donos dos partidos. Nem de impugnações e quejandas, em grandes partes resolvidas como hoje por juízes neófitos em direito eleitoral.

Os bichos, diferentemente dos homens, podiam saltar os obstáculos de todas as instâncias partidárias e judiciais, chegando limpos, fichas limpas, ate a boca das urnas num sufrágio resoluto dos eleitores mais conscientes.

Os eleitores optavam por um bicho, davam-lhe um nome de candidato e bancavam a campanha, tudo conforme as regras e os figurinos predominantes. Não havia comitês, voluntários pagos, militância subsidiada.

No tempo da chapinha os adeptos do bicho escolhido pagavam a gráfica e faziam a distribuição nas vésperas das eleições. Com a cédula única, feita a divulgação do nome do bicho durante a campanha, depois era só escrever o nome do bicho ao lado do cargo.

Os bichos que se tornaram famosos sendo os mais votados, em diversas eleições, foram o Cacareco, um rinoceronte do zoológico de São Paulo; o Gregório, um bode de um subúrbio que pastava legal no mato crescente de uma praça, em Recife; e o Tião, um macaco do zoológico carioca.

Todos - Cacareco, Gregório e Tião, cada um no seu tempo, foram eleitos Vereadores. Mas aí a Justiça invocando uma lei que tornava nulos os votos dados a candidatos não registrados não os declarou eleitos.

Mas em que isso foi importante se a maioria de votos apurados, ainda que nulos, eram a expressão torrencial da soberana vontade popular?

O sapo anônimo, visitante inusitado, com o seu olhar esbugalhado e uma papada de não fazer inveja a políticos conhecidos, bem que poderia, a estas alturas, em que muito do novo é bem antigo, ser o nosso candidato a prefeito. Por que, não?

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*Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA






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