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Gregos

Fazendo um paralelo com Vidas Secas, de Graciliano Ramos, o cronista fala sobre os cães que estão sendo abandonados na Grécia.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Atualizado em 27 de julho de 2012 10:33

A fome batendo agora também às portas dos gregos raspa paredes de estômagos e raspa também a compaixão e despidos também da misericórdia no sentimento os gregos já não atiram mais seus restos aos cães.

Os gregos agora atiram os seus cães ao que já nem mais resta sequer da estima. Dá pena ver na televisão os cães da Grécia sendo largados por seus donos pelas esquinas lúgubres de ruas quase desertas em fins de tardes sob nuvens cinzentas.

A decadência dificilmente deleta a memória dos seus bons tempos e aí é que reside toda dificuldade para conviver depois com a bancarrota.

Aproximando-se a decadência muitos se agarram ao passado e fantasiam. Outros, que nem os donos dos cães na Grécia, se tornam figuras ásperas, insensíveis, ao que parece, sem o mínimo sentimento de lealdade e amizade.

Quantos daqueles cães não conheceram o fausto proporcional às posses econômicas ou ao poder politico dos seus donos?

Quantos daqueles cães não responderam afetivamente às carências de tantos donos que não acreditando na amizade dos homens preferiram a amizade deles?

Os cães gregos agora são largados nas esquinas lúgubres das ruas quase desertas de Atenas e de outras cidades como criaturas pesadas e inconvenientes das quais os seus donos precisam se livrar logo.

A reportagem na televisão não mostrou nenhuma cena traduzindo algo como se fosse uma despedida de um dono do seu cachorro.

Pode ser que algumas pessoas tenham abandonado seus cães nas esquinas lúgubres das ruas distantes de suas casas na esperança de que, por si, eles também consigam sobreviver à crise econômica, de raiz politica, que arrasta hoje à decadência toda a Europa e num dia, quem sabe, se reencontrarem como sobreviventes, velhos amigos, numa boa.

Entre nós, no Brasil nordestino, temos exemplos diferentes em cenários um tanto parecidos.

Em "Vidas Secas", Graciliano Ramos nos conta sobre a lealdade de uma família de pobres retirantes, fugitivos da seca, com a sua cadela igualmente faminta, quase couro e osso, mas ainda assim atendendo pelo nome de "baleia".

Além da cadela, havia um papagaio meio esquisito, invocado, que quase não falava. A certa altura da viagem, a fome foi tamanha que a pequena família, embora hesitando um pouco, teve coragem para matar o papagaio sem nome, depená-lo como se fosse um frango tipo biafrense e leva-lo a ferver sobre o fogo ardente numa improvisada panela.

"Baleia", a cadela nordestina na saga daquela família de retirantes, era tratada como um parente próximo.

Quando o Fabiano, o pai da família, tomado pelo desespero e achando que a cadela padecia de alguma doença transmissível quis mata-la, as crianças foram em cima e não deixaram. A "baleia" era muito querida.

Os cães da Grécia, muitos deles, certamente, também devem ser muito queridos pelos seus donos. O que causa o dilema é a fome.

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*Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA






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