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Citação por edital do devedor que muda de endereço sem informar seu credor

Interpretação das normas à luz dos princípios jurídicos, direitopós-positivo (ou neopositivo) e a citação por edital do devedorque muda de endereço sem informar seu credor

Há uma discrepância da imputação dos ônus decorrentes do ato do devedor ao credor e à máquina judiciária.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Atualizado em 21 de setembro de 2012 14:53

É corriqueiro na pratica da advocacia um fato que, por infortunado que seja, não tem sempre uma consequência jurídica que merecia. Se trata da reiterada prática do devedor que deixa de informar seu credor de sua mudança de endereço, ou seja, quando da diligência para tentativa de citação, o devedor não é encontrado no endereço que informou seu credor quando da formalização do negócio jurídico.

Deste fato, decorre a imputação de tentativa do credor por todos os meios de busca que sejam disponíveis até que se localize o devedor. Tal prática traz transtorno processual, pois traz a necessidade de diversas diligências, muitas vezes distribuição de inúmeras cartas precatórias para citação, entre outras medidas que têm desacerto com a atual feição de celeridade que toma a máquina judiciária. Após inúmeras e incansáveis tentativas de localização do astuto devedor, pode ser determinada a citação por edital, prevista no artigo 231 do Código de Processo Civil.

Contudo, numa análise deveras profunda deste contexto, vemos a discrepância da imputação dos ônus decorrentes do ato do devedor (no caso, sua mudança de endereço sem a comunicação ao credor) ao credor e à máquina judiciária. Não é justo que o credor tenha prejuízos por ato de má-fé do devedor.

Tal problemática pode solver-se, a partir de uma análise de melhor sensibilidade da norma processual, cogente, de natureza pública, à luz dos princípios jurídicos de direito, acompanhada de uma exegese teleológica. In casu, o princípio da boa-fé contratual.

Pois bem.

O artigo 231 do Código de Processo Civil, que trata da Citação por edital, modalidade de citação ficta, que é medida de exceção, menciona que poderá ser determinada a citação por edital quando desconhecido ou incerto o réu, quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar que se encontrar, ou nos casos expressos em lei.

Assim, deverá ser certificado nos autos estar o réu em lugar incerto e não sabido para que seja determinada a citação por edital do devedor que se mudou de endereço sem informar seu credor de seu novo endereço. Ocorre que, na prática, também é exigido (e com acerto) o exaurimento de todos os meios disponíveis para localização do réu (dentre estes, pesquisas em órgãos oficiais mediante distribuição de ofícios, tentativas em diversos endereços, muitas vezes em outras comarcas, o que demanda distribuição de carta precatória, etc.).

Tal demanda tem o condão de premiar o devedor que se esquiva de seus compromissos, pelo quê, a imputação ao credor do ônus de localizar o devedor, nestes casos, é medida de injustiça processual. E não deve ser este o condão da lei.

E à luz do princípio da boa-fé contratual, esta prática poderá ser condenada.

Ou seja, a prática do devedor, em deixar de informar ao seu credor fere ao princípio da boa-fé contratual, pois que a informação de mudança do endereço até o término da execução do negócio jurídico é medida de confiança entre os contratantes, podendo haver estipulação expressa no contrato de tal obrigação.

Segundo Ruy Rosado de Aguiar1 podemos definir boa-fé como "um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução da avenca".

Assim, é de bom grado exigir-se como medida de lealdade contratual a mudança de endereço.

Ademais, a interpretação das normas a partir de princípios é medida muito acertada em busca da justiça.

Mas qual seria a alcançabilidade dos princípios jurídicos no nosso ordenamento?

A interpretação do direito a partir de princípios jurídicos é de longa data e ganhou impulso com os movimentos constitucionalistas americano e francês ocorridos no século XVIII. Como dito por Uadi Lammêgo Bulhões2 "(...) vale observar que o período do constitucionalismo moderno coincide com a fase do pós-positivismo jurídicos, por alguns chamado de neopositivismo, que promoveu a superação do normativismo exarcebado. (...) Pós positivismo jurídico - movimento que atribui importância aos princípios do Direito, e não somente às leis".

Ou seja, os princípios jurídicos ganharam status de normas vinculantes com as revoluções constitucionalistas, o que coincidiu com a eclosão do direito póspositivo, ou neopositivismo jurídico.

Lembre-se que o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro menciona que princípios jurídicos são aplicáveis na omissão da lei. Tal assertiva merece inteligência cautelosa, pois os princípios não são aplicáveis somente na omissão da lei, mas são paradigma exegético de qualquer norma.

Desta forma, temos que a citação por Edital do devedor que deixa de informar seu endereço ao seu credor, tão logo seja certificado de que aquele não fora encontrado no endereço informado, tem respaldo no princípio da boa-fé contratual, e é medida que coíbe as injustiças legais.

Resta aos juízes desapegarem da interpretação puramente literal e peremptória das normas jurídicas para que se faça efetiva justiça processual, pois mera aplicação do texto frio e estático dá lei não faz justiça, faz no máximo repetição de normas que faria vergonha até aos glosadores do direito medieval.

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1 Cláusulas abusivas no Código do Consumidor, in Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no Mercosul) in MELO, Lucinete Cardoso de. O princípio da boa-fé objetiva no Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 523, 12 dez. 2004 . Acesso em: 19 ago. 2012.

2Bulhões, Uadi Lammêgo.Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Editora Saraiva: 2011, p. 72 e 73.

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Mário Henrique da Luz do Prado é advogado do escritório JBM Advogados

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