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Mercado de capitais: risco X informação

A responsabilidade de gestor de fundo de investimento diante de perdas experimentadas pelo seu cliente.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Atualizado em 1 de outubro de 2012 12:35

As aplicações no mercado de capitais são feitas em um ambiente de risco, a ele inerente, cuja intensidade será maior ou menor na dependência do tipo de investimento escolhido pelo aplicador. Este tem à sua disposição desde as ações e debêntures de companhias de grande porte e tradicionais como na outra ponta, por exemplo, os derivativos do tipo tarja preta. No primeiro caso o risco é baixo como também, naturalmente, a remuneração correspondente. Na segunda hipótese o investidor pode ganhar muito ou perder tudo.

Há certa semelhança entre aplicações de altíssimo risco e as apostas em corridas de cavalo. Em ambas existe certo nível de informação objetiva disponível aos interessados. Quanto aos hipódromos, é relativamente fácil que o apostador conheça em dada corrida o histórico e o perfil dos cavalos (e dos jockeys) para escolher um deles com esperada maior chance de vitória. Por isto que alguns pagam mais, outros pagam menos. Mas nada impede, como tem acontecido muitas vezes, que venha a cruzar a linha de chegada em primeiro lugar o famoso azarão. No caso dos derivativos também é possível aferir-se um determinado risco de perda, ainda que extremamente elevado, a par da possibilidade de ganhos extraordinários. Entre tais riscos está o de acontecer ou não um evento e qual a sua intensidade.

Já na roleta vigora a teoria das probabilidades. Esta é a única informação disponível para os dois lados. Sob este ponto de vista, a ideia intuitiva de que o mesmo número não pode se repetir na jogada seguinte não corresponde à realidade estatística. Cada jogada é nova, não se ligando à anterior. E a banca sempre vence no resultado final porque enfrenta sozinha uma legião de apostadores. Estes ou acertam o número escolhido dentro muitos outros, ou perdem. A banca, portanto, é privilegiada. Só conheço uma pessoa que sempre ganha contra a banca, o James Bond.

As considerações acima vêm a propósito de recente decisão recente da 4ª turma do STJ sobre a discussão da responsabilidade de gestor de um fundo de investimento diante de perdas experimentadas pelo seu cliente, o que se coloca no plano de um risco conscientemente assumido. No caso aquele tribunal decidiu acertadamente pela não responsabilidade do gestor diante das perdas decorrentes da desvalorização da moeda brasileira em janeiro de 1999, como efeito da mudança da política cambial, então determinada pelo governo.

Em segunda instância o TJ/RJ havia determinado a responsabilidade do gestor, tendo em conta que este seria detentor exclusivo da escolha do objeto do investimento, sem a necessidade da manifestação prévia do cliente. Deste fato decorreria a responsabilidade do gestor pelas perdas. Aquele Tribunal não entendeu bem a mecânica dos investimentos no caso sob julgamento. Nenhum gestor é doido para assumir uma responsabilidade dessa espécie, arcando com os prejuízos e tendo parte nos ganhos. A mecânica é diversa. O cliente assina um termo junto ao gestor indicando o perfil do seu investimento e é com base nessas instruções que as aplicações são feitas. É claro que a responsabilidade do gestor surge a partir do momento em que ele ultrapassa as instruções recebidas. Na falta de uma instrução específica, diante do simples fato de ter o aplicador contratado investimento em carteira de derivativos, já se presume a assunção de riscos extraordinários. Especialmente quando se trata de investidor qualificado (segundo os autos, analista financeiro do Banco Bozano Simonsen), caso em que pode ser considerada inexistente a assimetria de informações entre ele e o gestor do fundo. Os dois se encontram no mesmo patamar.

Assim, segundo uma velha doutrina, a obrigação do banco é de meio e não de fim. Se o banco cumpriu o seu dever de aplicar os recursos do cliente, segundo as instruções recebidas, não os deixando parados em uma conta corrente ou até de poupança, ganhar não era resultado obrigatório, mas eventual, dentro de um mercado de alto risco.

Alvíssaras para tal entendimento.

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* Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é professor de Direito Comercial na Faculdade de Direito da USP. Consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados.

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