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"Clube-Empresa": obrigatoriedade ou necessidade?

A Medida Provisória nº 79, editada pelo governo anterior, tinha por objetivo conferir uma maior transparência à administração das entidades de prática desportiva (clubes) e das entidades de administração do desporto (ligas, federações e confederações).

sexta-feira, 25 de abril de 2003

Atualizado em 24 de abril de 2003 16:13

"Clube-Empresa": obrigatoriedade ou necessidade?

Luiz Felipe Guimarães Santoro*

As últimas semanas foram extremamente agitadas em termos de legislação desportiva. Câmara e Senado Federal aprovaram dois importantes projetos de lei que aguardam sanção presidencial. Um deles foi o chamado Estatuto de Defesa do Torcedor, que nos comprometemos a analisar numa outra ocasião. O segundo projeto de lei de âmbito desportivo que aguarda sanção presidencial para entrar em vigor é o projeto de conversão da Medida Provisória nº 79.

Tal MP, editada pelo governo anterior, tinha por objetivo conferir uma maior transparência à administração das entidades de prática desportiva (clubes) e das entidades de administração do desporto (ligas, federações e confederações). Entretanto, em sua sanha por "induzir" que os clubes se transformassem em empresas, o legislador não considerou nosso sistema desportivo como um todo, elaborando uma lei que visivelmente levou em consideração apenas os grandes clubes do futebol brasileiro.

Nos termos do projeto de lei, independentemente da forma jurídica adotada, os clubes e as entidades de administração terão que elaborar e publicar suas demonstrações financeiras na forma definida pela Lei das S.A., após terem sido auditadas por auditores independentes. Além disso, as atividades profissionais das entidades desportivas, independentemente da forma jurídica como estas estejam constituídas, equiparam-se às das sociedades empresárias, notadamente para efeitos tributários, fiscais, previdenciários, financeiros, contábeis e administrativos.

Igualmente independentemente da forma jurídica adotada, os bens particulares dos dirigentes de clubes e federações se sujeitam ao disposto no art. 50 do Novo Código Civil, sem prejuízo das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 do mesmo diploma legal.

Após "facultar" que as entidades desportivas se transformem em empresas, o projeto de lei determina que aqueles que assim não agirem ficam sujeitos ao regime da sociedade em comum, em especial, ao disposto no art. 990 do NCC.

A sociedade em comum é aquela na qual todos os sócios são solidária e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações sociais. Ora, como pretende o legislador aplicar tal dispositivo na prática? Estaria ele estabelecendo que os associados de um clube que não se transforme em empresa poderão praticar atos em nome do clube e serão responsáveis pelas dívidas deste? Em nosso entendimento tal tentativa não se sustenta, uma vez que o tratamento conferido aos sócios de uma sociedade em comum não pode ser aplicado aos associados de um clube. São regimes e conceitos jurídicos totalmente distintos, sendo que as conseqüências de um não podem ser simplesmente "emprestadas" ao outro.

Sem adentrar na aparente inconstitucionalidade de tal dispositivo, nos parece uma forma muito violenta (para se dizer o menos) de "induzir" os clubes a se tornarem empresas.

Somos amplamente favoráveis a uma maior profissionalização dos clubes, mas não podemos admitir que, a tal pretexto, sejam estes obrigados (ou induzidos, como pretende o legislador) a se transformarem em empresas.

Não podemos nos esquecer dos inúmeros clubes chamados pequenos, que a duras penas desenvolvem suas atividades. Um defensor mais ardoroso dessa profissionalização exacerbada poderia sentenciar "- Ora, para que servem esses clubes? Vamos fechá-los!". Olvidaria-se, porém, que tais clubes são não apenas um importante atrativo e instrumento agregador para a população local, como também um potencial formador de craques dentre os jovens talentos da região. Não nos enganemos achando que um garoto pobre, desta região, teria condições de tentar sua sorte num dos grandes clubes do país. Inúmeros são os atletas de renome formados por clubes chamados pequenos, clubes estes que passam hoje por uma delicada situação financeira. Será que tais clubes teriam condições de se transformarem em empresas? Será que o mais adequado seria fechá-los? Definitivamente entendemos que não.

Além disso, é uma falácia a afirmação de que uma associação não pode ter lucro (neste caso, superávit). A associação pode - e deve - ter lucro. O que a diferencia da empresa é que a associação reinveste seu lucro nas atividades relacionadas com seu objeto social, ao passo que na empresa o lucro é distribuído entre os sócios.

A partir do momento em que todos os mecanismos de fiscalização e tributação de uma empresa serão aplicados às atividades profissionais dos clubes, não vemos motivo para que estes sejam induzidos a se transformarem em empresas. Esta simples transformação não garantiria uma administração profissional ou resolveria a situação atual do futebol brasileiro. Nem mesmo melhoraria. Prova disso são as inúmeras falências fraudulentas de empresas que acompanhamos diariamente.

Os clubes devem se conscientizar que, independentemente da forma jurídica que adotem, uma gestão transparente e competente é imprescindível para seu objetivo maior: qual seja, um clube bem administrado e ganhador de títulos. Entendemos caber exclusivamente aos clubes (e a seus associados) decidirem o melhor caminho a ser seguido. Se quiserem se transformar em empresa, ótimo. Se preferirem permanecer com a formatação jurídica atual, desde que tenham transparência em sua administração, não compete ao Poder Público induzi-los a nada.

Muitos outros aspectos do projeto de conversão da MP 79 mereceriam análise, mas nosso espaço é limitado. Temos consciência de que estamos pisando num terreno "arenoso", alvo de diversos interesses. Respeitamos profundamente as opiniões contrárias e estamos dispostos a aprofundar o debate destas e outras questões visando sempre à melhoria do futebol brasileiro. O desafio está diante de todos nós.

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*advogado do escritório Demarest e Almeida e membro do IBDD - Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.

 

 

 

 

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