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O papa, conservador ou progressista?

"A pergunta sobre a orientação política do Papa não cabe a ele; em seu caso não tem nenhum sentido. Como titular máximo do poder espiritual na esfera religiosa não se espera do supremo pontífice que tome partido entre conservadores e progressistas".

sábado, 23 de março de 2013

Atualizado em 22 de março de 2013 11:13

Antinomias irredutíveis, como direita e esquerda, conservador e progressista, são categorias reservadas e exclusivas da ordem temporal, secular. Nesta as mais diversas forças sociais não se entendem entre si; vivem sob o signo da contradição, em luta irreconciliável umas com as outras: indivíduo X sociedade, classes X classes, elite X povo, mercado X intervenção, liberdade X igualdade, capital X trabalho, fé X ciência, etc. etc.

A diferença entre a ordem secular e a ordem espiritual é que nesta última unem-se e conciliam-se todas as contradições que dividem a ordem temporal, que é a da sociedade, da política, das raças, da economia, da cultura e das ideologias conflitantes entre si.

A ordem espiritual é encabeçada pelo poder espiritual, e as duas maiores instituições representativas do poder espiritual são a universidade e a Igreja. Ambas em crise profunda desde o último século. A universidade traiu sua missão ao dividir-se em direita e esquerda. A função do poder espiritual não é dividir, mas unir e integrar. A Igreja, ou melhor, o clero, de há muito sofre a tentação de optar entre direita e esquerda, e essa divisão política já não é estranha ao clero e nem mesmo ao alto clero (bispos, cardeais).

A pergunta sobre a orientação política do Papa não cabe a ele; em seu caso não tem nenhum sentido. Como titular máximo do poder espiritual na esfera religiosa não se espera do supremo pontífice que tome partido entre conservadores e progressistas. Seu papel histórico e institucional está em tentar promover a conciliação entre tese e antítese, a pacificação entre conservadores e progressistas, a aproximação entre direita e esquerda até onde e quando esta contradição se tenha desgastado e já não precise existir.

Não é por acaso que o Papa se veste de branco. A cor branca é a síntese de todas as cores do espectro visível (e o branco "acalma",segundo a sabedoria popular).

A conciliação entre os contrários resulta com freqüência num paradoxo. A palavra de Jesus e a dos apóstolos, como São Paulo, é exuberante dos paradoxos mais surpreendentes e profundos, que todos nós conhecemos: amar o inimigo, dar a outra face para bater, reconhecer na pobreza uma virtude e considerar bem-aventurados os pobres de espírito, exaltar a caridade como o valor supremo, reconhecer a sabedoria da não sabedoria (a loucura da cruz), a nobreza do não nobre, a universalidade do cristianismo em contraste com as religiões anteriores, restritas a uma etnia ou a uma cultura isoladas, a condição da mulher sublimada na figura de Nossa Senhora, são alguns dos paradoxos que residem no cerne do cristianismo, sem falar na encarnação do Filho em Jesus Cristo, sua vida, paixão, morte e ... ressurreição.

O paradoxo é a suprema dilatação da consciência, a ponto de acomodar em seu bojo as teses e antíteses mais irredutíveis. Foi o escritor inglês Gilbert Keith Chesterton, autor entre outros do livro Ortodoxia, que encontrou para a pluralidade cristã a imagem mais adequada, naquele seu conceito genial, ao figurar o cristianismo como "uma casa que abarca duas peças de mobília que não combinam". E também este outro pensamento: "A Igreja não é um movimento e sim um lugar de encontro para todas as verdades do mundo."

A leitura ou a releitura de Chesterton seria muito fecunda no momento presente. Acerca da polêmica interminável entre Darwin e o criacionismo (que ele chamava de "fundamentalismo") o autor britânico cunhou a frase mais sábia ao escrever que o cristianismo "não aceita, convencionalmente, as conclusões da ciência, pela simples razão de que a ciência ainda não chegou a uma conclusão".

Depois da crise dos fundamentos da ciência, na qual todos os mais consagrados paradigmas científicos foram postos em dúvida, nada mais verdadeiro.

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista


 

 

 

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