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Andreotti e a máfia

Giuglio Andreotti destacado do comum dos políticos por sua finura de espírito, sua cultura e extrema sagacidade esteve a serviço da máfia.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Atualizado em 10 de maio de 2013 15:49

O ilustre magistrado Walter Fanganiello Maierovitch, presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, em carta publicada na "Folha" (8/5/13), corrigindo informação anterior do jornal, esclarece que, ao contrário do que foi publicado, o recém-falecido senador vitalício Giuglio Andreotti, acusado por associar-se à Cosa Nostra siciliana não foi absolvido. A corte de Cassação (equivalente ao nosso STF) "manteve a condenação do Tribunal de Apelação de Palermo e declarou ter existido a ligação associativa e criminosa de Andreotti com a Cosa Nostra até a primavera de 1980. E a Corte de Cassação, tendo em vista o lapso temporal, reconheceu a prescrição".

Quem diria? Giuglio Andreotti, aquele fino cavalheiro italiano, destacado do comum dos políticos por sua finura de espírito, sua cultura e extrema sagacidade, dotado de altíssimo nível intelectual, a serviço da máfia?

Como pode ser? Em vez de malhar o senador italiano por sua fraqueza de caráter, não seria melhor aproveitar a oportunidade para tentar entender melhor a força e a terrível capacidade de sedução demonstrada pelas organizações mafiosas?

A máfia se caracteriza, substancialmente, como a perversão dos valores e das instituições patriarcais mais antigas e enraizadas na terra: a família, em primeiro lugar, a propriedade, a autoridade, a honra, os usos comunais, a religião, a coragem e a impassibilidade de caráter. A família degenera numa "societas sceleris", a propriedade, num instrumento de opressão, a autoridade, em direito de vida e morte, a honra, num delírio machista, os usos comunais na véspera da vingança, a religião, na tentativa de cooptação das potências celestiais, a coragem e a impassibilidade, em frieza desumana e em cultura da crueldade mais requintada.

Em outras palavras, a máfia se transforma numa forma clandestina e espúria de poder, infiltrando-se na esfera pública, arregimentando empresários, políticos, altos funcionários, advogados e outros profissionais liberais, captados a seu serviço. Suspeita-se que estende seus tentáculos até aos porões do Vaticano.

A técnica vital do mafioso se assemelha em tudo ao camaleão.

Camuflado no pano de fundo da comunidade cidadã, embebido nos usos e nas tradições locais, frequentando as festas populares e a as igrejas, o mafioso passa despercebido, fica invisível, disfarçado de homem de bem em público, enquanto, no segredo do seu domicílio afia as unhas para melhor dilacerar a carne dos inocentes e chupar o seu sangue.

A duplicidade compulsiva é típica do mafioso. A dupla personalidade, no estilo "o médico e o monstro". Andreotti, que foi por sete vezes primeiro ministro, dispensou honras de Estado no seu enterro. Recomendou somente uma missa simples assistida por seus familiares. Expirou não como o líder temível que foi, mas como um simples e inofensivo ancião cansado de sua terribilità.

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista.

 

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