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Insólita Metrópole

É a cidade histórica e cotidiana construída pela sucessão de suas gerações, anterior à especulação desenfreada imobiliária, dos transportes e da mídia, saudosa das famílias, das conversas íntimas, da poesia dos ambientes e dos lugares.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Atualizado em 8 de julho de 2013 14:43

No mês de junho de 2013 a cidade de São Paulo começou a tremer violentamente nas bases. A população veio às ruas, tomou conta das vias, praças e avenidas, em protesto não pela elevação dos 20 centavos na tarifa dos ônibus, mas numa explosão coletiva de impaciência longamente acumulada pela falta de respeito com que durante décadas a fio foi tratada pelos usurpadores da metrópole, tecnocratas, burocratas, engenheiros, incorporadores e especuladores imobiliários, empresários de transportes e políticos inescrupulosos que dominam a cidade segundo seus interesses, cegos para as necessidades mais primárias da população sofrida, transformando a cidade do presente no inferno diário no qual mal conseguimos respirar, asfixiados pela poluição, a superlotação e o atraso dos transportes, o congestionamento do trânsito, a insegurança à solta, os crimes cada vez mais bárbaros, as péssimas condições da periferia, da educação e da assistência médica.

A cidade explodiu como uma panela de pressão e o povo veio para as ruas tomar conta o que é seu, lutando contra a avidez criminosa dos seus usurpadores, que nos roubaram a normalidade do cotidiano. A cidade, finalmente, voltou para as nossas mãos, arrebatada das garras que a dilaceravam.

Por artes de uma coincidência miraculosa, em meio às passeatas e manifestações que invadiram nossas ruas e avenidas com seus gritos de guerra, foi lançado, em plena Avenida Paulista, um livro sensacional do poeta da paulistanidade, Paulo Bomfim: "Insólita Metrópole", organizado pela consagrada historiadora Ana Luiza Martins (Ateliê Editorial). O subtítulo é "São Paulo nas Crônicas de Paulo Bomfim".

Em meio à deterioração do cotidiano paulistano, por obra da máfia que tomou conta da cidade, o poeta dos paulistas vivos e mortos recupera o dia a dia do São Paulo de sua infância e juventude, com seus dias e noites repousados, sua estabilidade e seu bom gosto, sua estatura histórica e seus toques líricos. A São Paulo da Revolução de 32, das regatas no Tietê, dos piqueniques, dos corsos na Avenida Paulista, dos interiores familiares, da arquitetura de Ramos de Azevedo que aparece em fotos magníficas, em meio a portentosos edifícios. "Minha Insólita Metrópole, capital de todos absurdos! Música eletrônica em fundo de serenata, paisagem cubista com incrustações primitivas, poema concreto envolto em trovas caboclas. Cidade feita de cidades, bairros proclamando independência, ruas falando dialetos, homens com urgência de viver."

É a cidade histórica e cotidiana construída pela sucessão de suas gerações, anterior à especulação desenfreada imobiliária, dos transportes e da mídia, a São Paulo saudosa das famílias, quando havia família, das conversas íntimas, quando havia conversa, da poesia dos ambientes e dos lugares, quando havia ambiente e lugares. Mas Insólita Metrópole não é mais um livro saudosista. Em suas páginas a saudade apenas envolve carinhosamente o verdadeiro conteúdo, que são os valores paulistas ainda muito vivos como reserva para futuras incursões de nossa vocação pioneira não só na economia, como na cultura e na organização da sociedade, conforme provam os acontecimentos deste febril mês de junho de 2013.

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista.


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