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Conciliação e mediação em cartórios. Por que a advocacia questiona?

Maria Valéria Mielotti Carafizi

Sem qualquer aviso prévio, amparo legal ou discussão com a sociedade ou a classe, a Corregedoria-Geral de Justiça baixou o provimento 17/13 que, em poucas e pobres palavras, permite que os notários e registradores realizem mediações e conciliações.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Atualizado em 23 de julho de 2013 10:51

Recentemente, a advocacia paulista sofreu mais um achaque que aparentemente passa despercebida diante das inúmeras manifestações de rua que o Brasil tem vivenciado nas últimas semanas.

Sem qualquer aviso prévio, amparo legal ou discussão com a sociedade ou a classe, a Corregedoria-Geral de Justiça baixou o provimento 17/13 que, em poucas e pobres palavras, permite que os notários e registradores, ou seja, os cartórios do Estado de SP, realizem mediações e conciliações para a solução de conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis em suas serventias a partir de setembro próximo.

Tal provimento, por sua natureza ilegal, inconsequente, prejudicial ao jurisdicionado e ao direito de ampla defesa, causou reação imediata na advocacia paulista que questiona desde então sua formatação e consequências jurídicas.

Apesar do pedido de providências 0003397-43.2013.2.00.0000 oposto perante o CNJ ainda não ter decisão, tal questionamento foi taxado pelo editorial do jornal O Estado de S. Paulo, como de natureza corporativa e incapaz de divisar os danos do provimento à cidadania.

Muito distante de qualquer intenção corporativista, o que a classe pretende, inclusive organizando uma manifestação prevista para o próximo dia 9/8/13 em frente ao Fórum Central (João Mendes Junior), além de relembrar que é pilar constitucional da Justiça de acordo com a CF e que é tecnicamente preparada para operar com especificidade o Direito, é evitar que mais uma medida absolutamente inócua e que, muito pelo contrário, pode sim aumentar em muito a judicialização dos conflitos e prejudicar substancialmente os direitos dos envolvidos, seja adotada às pressas, sem qualquer justificativa louvável e ainda de modo ilegal, senão vejamos:

A CF determina em seu art. 236 que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público, determinando ainda que a lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal os notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

Ocorre ainda, que a Constituição do Estado de SP promulgada em 1989 fixa em seu art. 24, §2º, I e VI que compete com exclusividade ao governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre a criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como sobre a criação, alteração ou supressão de cartórios notariais e de registros públicos, assim como determina no art. 47, XVIII que somente o mesmo pode enviar à Assembléia Legislativa projeto de lei sobre o regime de concessão ou permissão dos serviços públicos, fatos que levam à inevitável conclusão acerca da ilegalidade do provimento.

Ademais, deve-se notar ainda que a resolução 125 do CNJ, na qual se pautou o sr. corregedor José Renato Nalini para baixar o provimento em questão, ao revés da interpretação dada, dispõe apenas e tão somente sobre a política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do judiciário, não sendo permissiva a ponto de autorizar a ingerência sobre as funções dos órgãos agregados ao Judiciário como no caso os cartórios, cujas funções são específicas e delimitadas por lei própria, afinal, o próprio art. 8º da referida resolução determina que deverão ser criados, pelos tribunais "os centros judiciários de soluções de conflitos e cidadania", ou seja, unidades do Poder Judiciário, preferencialmente responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação. Mais uma vez, como se vê, o provimento extrapola os limites da lei.

Outro ponto a ser seriamente considerado, diz respeito à tecnicidade necessária para o exercício da função de mediador ou conciliador. O tabelião, ou seja, o responsável pelo comando do cartório, obrigatoriamente deve ser bacharel em direito, o que, ainda assim, não lhe confere todo o conhecimento prático necessário para a boa orientação das partes, afinal de contas, seu trabalho é específico e seu conhecimento é dirigido a assuntos do seu dia a dia. Os demais cartorários e prepostos delegados, sequer necessariamente são bacharéis em direito, o que torna sua qualificação para a função mais questionável ainda, já que as novas atribuições impostas estão absolutamente fora de suas finalidades legais.

Tal fato, ao revés da agilização na solução de conflitos, pode sim causar uma enxurrada de novos litígios versando sobre acordos prejudiciais ao cidadão feito perante os cartórios, o que obviamente remete ao total despropósito da medida em questão.

De muito maior valia seria a efetiva ampliação do sistema Judiciário que já dispõe de diversos mecanismos capazes de auxiliar na solução dos conflitos de menor monta, necessitando apenas de estruturação adequada e de pessoal qualificado.

Tal provimento parece apenas prolongar a questionável e efetiva competência de órgãos como o Procon, que apesar de legalmente investido de poder de solução, na prática e pela ausência da capacidade de imposição de punição, nada resolvem, nada impõem, terminando por desaguar tudo no transbordo do Judiciário, impondo uma falsa sensação de solução.

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* Maria Valéria Mielotti Carafizi é advogada sócia fundadora da Mariz de Oliveira & Mielotti Carafizi Sociedade de Advogados.

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