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O Novo Decreto Antidumping

Renê Guilherme S. Medrado, Marilia Zulini C. Loosli, Caroline Alves H. Bender e André Rossetto Daudt

O Novo Decreto inaugura uma nova fase da Defesa Comercial no Brasil, baseada em um maior profissionalismo e rigor nas investigações.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Atualizado em 7 de agosto de 2013 14:28

I. Introdução

1. Finalmente foi publicado o decreto 8.058/13 ("Novo Decreto"), regulamentando os procedimentos administrativos relativos à investigação e à aplicação de medidas antidumping, em substituição ao decreto 1.602/95.

2. Como é sabido, a prática de dumping constitui uma prática desleal de comércio internacional, que poderá ser neutralizada por medidas antidumping, na medida em que se comprove que tal prática, em relação a determinado produto, causou dano material à indústria doméstica produtora de tal produto no País. A neutralização de tal prática desleal se dará por meio da imposição de direitos antidumping, geralmente na forma de alíquota ad valorem (adicional) ao imposto de importação.

3. Aguardado há mais de ano, o Novo Decreto foi aprovado dentro do esforço de fortalecimento da Defesa Comercial no País, uma das importantes bandeiras da Administração Federal nos últimos três anos, dentro do Plano Brasil Maior. Sua entrada em vigor foi definida para 1º de outubro deste ano.

4. Dentre as medidas que prepararam o caminho para o Novo Decreto se incluem a adoção de procedimentos voltados a combater práticas elisivas a medidas de defesa comercial (outubro de 2010), a utilização de margens de dumping "cheias" (abril de 2011), a instituição de uma nova sistemática para apresentação de petições antidumping (outubro de 2011), a instituição de procedimento de análise de interesse público na Câmara de Comércio Exterior - CAMEX (março de 2012), dentre outras medidas, como a recente posse de mais de cinquenta novos funcionários dentro da estrutura da Secretaria de Comércio Exterior - SECEX. Tais medidas de fortalecimento certamente incentivaram (ao lado da conjuntura econômica) o aumento no número das investigações antidumping para patamar recorde em 2012 (72 processos iniciados, comparativamente a 40 investigações abertas em 2010).

5. Até sua aprovação, o Novo Decreto foi objeto de diversas consultas internas governamentais, visando à obtenção de consenso a respeito dos conceitos necessários à condução das investigações e à aplicação das medidas antidumping. Foi vital, nesse sentido, a coordenação de diversos entes da Administração Federal envolvidos em sua aplicação, como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC (que contém em sua estrutura a SECEX, sob a qual se insere o Departamento de Defesa Comercial - DECOM), a Receita Federal do Brasil (responsável pelo recolhimento dos direitos antidumping), além dos Ministérios componentes da CAMEX, como o Ministério da Fazenda, o Ministério das Relações Exteriores, a Casa Civil, entre outros.

6. Embora o Novo Decreto tenha como origem o Acordo Antidumping da Organização Mundial do Comércio - OMC, foi necessário complementar os conceitos e procedimentos nele previstos. Com efeito, o Novo Decreto automatiza os procedimentos, encurta os prazos para abertura e encerramento da investigação, estipula prazo para imposição de direitos antidumping provisórios (120 dias da instauração da investigação), regula minuciosamente os conceitos dos requisitos necessários à aplicação dos direitos antidumping (de certa forma, consolidando o entendimento aplicado na prática pela autoridade) e regulamenta o procedimento das espécies de revisões administrativas anteriormente previstas apenas como reflexo do Acordo Antidumping, dentre outras provisões.

7. Enfim, o Novo Decreto inaugura uma nova fase da Defesa Comercial no Brasil, baseada em um maior profissionalismo e rigor nas investigações, com o fim declarado de aumentar a eficácia das medidas antidumping.

II. Investigação Antidumping Original: Principais Mudanças

8. Definição das Etapas e dos Prazos da Investigação. A principal inovação do Novo Decreto com relação à investigação antidumping original consiste na definição de fases e prazos para cada etapa, em busca de maior celeridade para o término do processo. Nos termos do art. 72, a investigação deverá ser concluída no prazo de 10 meses, podendo ser prorrogada, em circunstâncias excepcionais, para até 18 meses. Tal inovação atendeu a pleitos da indústria doméstica, visando a antecipar a aplicação dos direitos antidumping.

9. Obrigatoriedade de Determinação Preliminar. Outra mudança que deve ser ressaltada é a obrigatoriedade de emissão de determinação preliminar em todas as investigações antidumping, no prazo de 60 a 200 dias contado da instauração do processo. A partir da determinação preliminar, poderão ser aplicados direitos provisórios, oferecidos compromissos de preços, dentre outros procedimentos. A emissão desta determinação poderá ser importante para a defesa das partes, na medida em que antecipa o entendimento preliminar do DECOM em relação a algumas das principais questões da investigação (produto similar, valor normal, preço de exportação, país de economia de mercado substituto ao país não considerado economia de mercado, entre outras).

10. Detalhamento de Conceitos Materiais [1]. O Novo Decreto trouxe definições mais precisas para conceitos materiais previstos no Acordo Antidumping da OMC, consolidando entendimentos derivados de precedentes tanto do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, quanto do próprio DECOM, após seus quase 20 anos de experiência na condução de investigações antidumping.

11. Por exemplo, o Novo Decreto estabeleceu critérios objetivos para a definição do "produto similar" e do "produto sob consideração" na investigação, examinando tanto características físicas do produto (matérias-primas, composição química, normas e especificações técnicas e processo produtivo), quanto características de mercado (usos e aplicações, grau de substitutibilidade e canais de distribuição) (arts. 9º e 10).

12. A título ilustrativo, apontam-se abaixo alguns dos principais refinamentos introduzidos pelo Novo Decreto:

(i) critérios para seleção das denominadas "operações comerciais normais", ou seja, as transações que serão efetivamente consideradas no cálculo do valor normal, ou seja, preço praticado no país de origem (art. 12 e seguintes);

(ii) critérios para a escolha do país de economia de mercado substituto ao país não considerado economia de mercado (p.ex., a China), devendo ser observados o volume das exportações e o volume de vendas no mercado interno do país substituto, a similaridade entre os produtos objeto da investigação e produzido no país substituto, além da disponibilidade e adequação das informações relativas ao país substituto, como publicação das estatísticas oficiais de exportação (art. 15);

(iii) critérios para a realização de ajustes no valor normal e/ou no preço de exportação, para se efetuar uma comparação justa entre esses, considerando o nível de comércio, as condições e termos de venda, as quantidades vendidas, as características físicas do produto, entre outras (art. 22);

(iv) critérios para o cálculo da margem de dumping, que poderá ser apurada com base na comparação entre (a) o valor normal e o preço de exportação médios ponderados; (b) o valor normal e o preço de exportação, transação a transação; ou (c) valor normal ponderado e preço de exportação, considerando-se padrão de preços diferenciados para vendas a setores específicos, a tipos de clientes distintos, modelos do produto, entre outros.

13. Verificação In Loco. Em linha com o Acordo Antidumping, as verificações in loco já eram previstas no decreto anterior, sendo regularmente realizadas pelo DECOM, no Brasil ou no exterior, para confirmação das informações apresentadas pelas partes interessadas no curso das investigações antidumping. A principal modificação introduzida pelo novo decreto refere-se à definição de prazos para comunicação e realização do procedimento. Nesse sentido, o DECOM deverá comunicar às partes interessadas sua intenção de realizar a verificação in loco, informando as datas sugeridas, com antecedência mínima de 30 dias, no caso dos produtores/exportadores e importadores, e 20 dias, no caso de produtores nacionais. Ademais, o DECOM deverá enviar o roteiro da verificação com antecedência mínima de 20 dias, no caso dos produtores/exportadores e 10 dias, no caso dos produtores nacionais.

III. Revisões Administrativas: Novos Procedimentos

14. O Novo Decreto não somente disciplinou em maior detalhe as chamadas revisões de final de período ("sunset reviews") e as revisões por alteração de circunstâncias, como também acrescentou novas modalidades de revisão, cada uma com escopo e procedimento próprios.

(i) Das Revisões relativas à Aplicação dos Direitos Antidumping

15. Revisão do direito por alteração de circunstâncias. No caso de alteração significativa e duradoura das circunstâncias que justificaram a aplicação do direito antidumping, as partes interessadas poderão pleitear a revisão das medidas em vigor. Diferentemente da tímida regulamentação prevista no decreto antigo, tal espécie de revisão ganhou seção específica, com prazos e procedimentos a serem seguidos. Ao final do processo, os direitos antidumping poderão ser extintos ou modificados. A revisão deverá ter duração de 10 meses, prorrogáveis por mais dois meses. A alteração das circunstâncias que embase tal revisão deverá ser significativa e duradoura, não se configurando por oscilações ou flutuações inerentes ao mercado (art. 101, § 1º) [2].

16. Revisão de final de período. A revisão de final de período, ou "sunset review", já era comumente utilizada, não tendo sido pleiteada apenas em casos raros. Tem por objetivo a prorrogação da medida antidumping por mais cinco anos, uma vez que se comprove que a extinção dos direitos poderá levar muito provavelmente à continuação ou retomada da prática de dumping e do dano material à indústria doméstica dele decorrente. O Novo Decreto manteve o procedimento da sunset review praticamente inalterado, apenas esclarecendo alguns conceitos e critérios que deverão ser adotados pelas partes interessadas. A revisão deverá se encerrar no prazo de 10 meses, prorrogável por mais dois meses.

(ii) Das Revisões relativas ao Escopo e à Cobrança dos Direitos Antidumping

17. Revisão para novos produtores ou exportadores. A tão esperada revisão de novos exportadores destina-se àqueles produtores/exportadores de produto sujeito a medida antidumping no Brasil, mas que não tenham realizado exportações durante o período da investigação. A partir desta revisão, os novos exportadores poderão ter definidas suas margens de dumping individuais. Em seção específica, o Novo Decreto prevê os procedimentos para apuração da margem de dumping do novo exportador, tais como apresentação de informações de custo de manufatura, valor normal, preço de exportação ao Brasil (se houver volume de exportações em quantidades representativas, em um período de seis meses). A CAMEX suspenderá a cobrança de direitos antidumping do novo exportador enquanto perdurar a investigação, bem como instituirá aos importadores a prestação de garantias que poderão ser convertidas ao final do processo. A revisão deverá ser concluída no prazo de sete meses.

18. Revisão Anticircunvenção. Por meio desta revisão, pode-se obter a extensão da medida antidumping para impedir que determinadas importações frustrem as medidas antidumping em vigor (possibilidade de análise semelhante já se encontrava prevista na Portaria SECEX nº 21/2010). As importações que poderão ser analisadas por meio dessa revisão são de:

(i) partes, peças ou componentes originários do país cuja medida antidumping foi imposta, para a industrialização do produto no Brasil (60% ou mais do valor total das partes, peças ou componentes do produto industrializado no Brasil);

(ii) produto de terceiro país cuja industrialização do produto ocorreu com a importação de partes, peças ou componentes originários do país cuja medida antidumping foi imposta (60% ou mais do valor total das partes, peças ou componentes do produto exportado ao Brasil); e

(iii) produto originário de país cuja medida antidumping foi imposta e que apresente modificações marginais em relação ao produto objeto do dumping. [3]

19. A revisão será solicitada por parte interessada na investigação original. O DECOM enviará questionário às partes interessadas. A análise será feita individualmente para cada exportador, importador e produtor nacional, podendo o número de investigados ser limitado aos que representem o maior percentual das importações, caso a revisão englobe muitas partes interessadas. A revisão será concluída em seis meses de sua instauração (prorrogáveis por três meses).

20. Revisão de Restituição. Trata-se de um novo instrumento, que poderá trazer benefícios aos importadores de produtos sujeitos a medidas antidumping. A restituição poderá ser solicitada por importador que demonstre que a margem de dumping apurada é superior à margem apurada durante a revisão. A petição deverá ser protocolada até quatro meses da última importação cujo direito definitivo foi recolhido. O período de revisão (análise das importações) será preferencialmente de 12 meses. Caso a revisão seja concluída com apuração de margem de dumping inferior à anterior, o reembolso da diferença deverá ocorrer no prazo de 90 dias da data da publicação da conclusão da revisão.

21. Avaliação de escopo. Outra inovação, esta revisão tem por objetivo confirmar se um determinado produto se encontra abrangido por uma medida antidumping já em vigor. Após o início determinado por uma Portaria SECEX, as partes terão 30 dias para apresentar elementos de prova. A avaliação de escopo se revela um bom instrumento para exportadores que porventura exportem produtos que não se enquadrem na descrição do produto sob consideração, evitando que sofram indevidamente com restrições em sua importação.

22. Redeterminação. Trata-se de um instrumento pelo qual a indústria doméstica -- ou associação que a represente -- solicita ao DECOM uma redeterminação caso a medida antidumping esteja com sua eficácia comprometida. Isso, em razão da forma de aplicação da medida ou em virtude de o preço de exportação ter-se reduzido, não se ter alterado, ou ter aumentado em valor inferior ao esperado pela aplicação, alteração, prorrogação ou extensão de uma medida antidumping. Somente poderá ocorrer uma redeterminação a cada cinco anos, sendo que um procedimento de redeterminação apenas poderá ser iniciado após nove meses contados da aplicação, alteração, prorrogação ou extensão de uma medida antidumping.

IV. Procedimentos Paralelos: Interesse Público

23. Pelo antigo regime, as questões de interesse público poderiam ser encaminhadas ao conhecimento da CAMEX através de mecanismo previsto nas Resoluções CAMEX 13 e 50/12, para o fim de: (i) suspender a aplicação de medidas antidumping, por prazo indeterminado; (ii) aplicar as medidas antidumping, mas alterando o valor da medida recomendado pelo DECOM; ou (iii) não aplicar medidas provisórias recomendadas pelo DECOM.

24. Dentro do Novo Decreto, a CAMEX poderá: (i) suspender a aplicação dos direitos definitivos ou do compromisso de preços, por um ano, prorrogável por igual período; (ii) não aplicar direitos antidumping provisórios; (iii) homologar compromissos de preços e aplicar direitos antidumping definitivos em valor diferente do que o recomendado pelo DECOM. Os direitos antidumping e os compromissos de preços suspensos poderão ser reaplicados a qualquer momento pela CAMEX, até mesmo pela decisão que determinar a sua suspensão. Não obstante, caso tal reaplicação não ocorra, os direitos antidumping e compromissos de preços serão extintos.

25. Essas definições orientam o procedimento a ser seguido pelo Grupo Técnico de Avaliação Econômica de Interesse Público = GTIP, que tem por propósito avaliar os eventuais efeitos, na cadeia a jusante, de uma potencial imposição de direitos antidumping. Tal análise extrapola a análise realizada pelo DECOM, centrada na comprovação da prática de dumping, da ocorrência de dano material e da existência de nexo de causalidade entre esses dois últimos requisitos.

V. Considerações Finais

26. A publicação do Novo Decreto significa para as empresas da indústria doméstica um instrumento de maior agilidade e eficácia na aplicação das medidas antidumping. Em contrapartida, o novo regulamento exigirá de tais indústrias profissionalismo e preparo para que seus pleitos permitam ao DECOM iniciar a investigação antidumping com rapidez, conduzindo à aplicação de medidas provisórias em período reduzido.

27. Para os exportadores, o Novo Decreto demanda maior organização na elaboração da resposta ao questionário a ser recebido do DECOM, já que tudo será revisto em verificações in loco que ocorrerão em um curto espaço de tempo, bem como maior celeridade para decidir a estratégia de defesa do caso, já que o prazo para protocolo da defesa inicial se encerra em 60 dias da abertura da investigação.

28. Nessa mesma linha, com os prazos mais bem definidos, exportadores, importadores e associações que os representem deverão se preparar para discutir a ocorrência de dano material pela indústria doméstica, bem como demonstrar tempestivamente eventuais outros fatores que quebrem o nexo de causalidade entre o dano material e o alegado dumping. Paralelamente, deverão rapidamente avaliar se há elementos para pleitear, com base em petições bem instruídas, a instauração de procedimento de interesse público pelo GTIP/CAMEX.

29. Não há dúvidas de que o Novo Decreto constitua um avanço relevante para a Defesa Comercial no País. Em seu preparo, é possível identificar um equilíbrio fino entre a busca por celeridade e a garantia do direito à ampla defesa. Aliás, nesse ponto reside um dos principais condicionantes ao sucesso do mencionado decreto, que exigirá das autoridades competentes observar se tal equilíbrio se mantém também na aplicação de suas normas. De outra parte, o sucesso do Novo Decreto dependerá do contínuo fortalecimento, quantitativo e qualitativo, da estrutura administrativa do DECOM/SECEX, sem o que não será possível atender aos tantos pleitos da indústria doméstica, ao mesmo tempo em que poderá abrir flancos de questionamento de suas decisões perante a OMC.

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[1] Note-se que a SECEX ainda deverá regulamentar, mediante publicação de portarias específicas, os seguintes procedimentos do novo decreto: (i) informações para petição inicial da investigação antidumping; (ii) processo eletrônico (já há uma consulta pública); (iii) informações que devem ser incluídas na petição para celebração de compromisso de preços; (iv) modelos de petições iniciais para os processos de revisão.

[2] Como já vem acontecendo, a revisão de direitos antidumping com base neste dispositivo pode ser realizada, por exemplo, para rever os direitos aplicados sobre importações de países que tiveram alterada sua condição de "não economia de mercado" (caso da Rússia, por exemplo).

[3] Não caracterizará circunvenção quando o valor agregado na industrialização for superior a 35% do custo de manufatura do produto.

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* Renê G. S. Medrado, Marilia Zulini C. Loosli, Caroline Alves H. Bender e André Rossetto Daudt são, respectivamente, sócio e associados do escritório Pinheiro Neto Advogados.

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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