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Falência do empregador

Norberto Gonzalez Araújo

Nada mais angustiante para o trabalhador do que, da noite para o dia, perder seu posto de trabalho e ver-se na situação de, eventualmente, sequer receber o que lhe é devido. É esta a situação em que o empregado se encontra diante da falência de seu empregador.

domingo, 18 de maio de 2003

Atualizado em 16 de maio de 2003 16:10

Falência do empregador

Norberto Gonzalez Araújo*

 

I - Considerações preliminares

Nada mais angustiante para o trabalhador do que, da noite para o dia, perder seu posto de trabalho e ver-se na situação de, eventualmente, sequer receber o que lhe é devido. É esta exatamente a situação em que o empregado se encontra diante da falência de seu empregador.

Não que a falência, por si só, rescinda de plano os contratos de trabalho celebrados. Como contrato bilateral, também esse contrato não se resolve pela falência, de acordo com o disposto no art. 43 do Decreto-Lei n.º 7.661/45, diploma legal que, entre nós, regula os institutos da falência e da concordata.

Com efeito, reza referido artigo que os contratos bilaterais "não se resolvem pela falência e podem ser executados pelo síndico, se achar de conveniência para a massa".

Porém, normalmente, a falência faz cessar a atividade empresarial, daí decorrendo o inadimplemento das obrigações laborais, este, sim, causa de rescisão dos contratos de trabalhos. E, como o risco do negócio é de total responsabilidade do empregador ( artigo 2º da CLT), a falência não pode prejudicar ainda mais o empregado, além do dano maior por este sofrido ao perder seu emprego, sua fonte de subsistência.

E, reconhecendo a desigualdade real existente entre empregado e empregador, o legislador trabalhista não poderia, neste tema específico, deixar de proteger o empregado, criando mecanismos que lhe assegurem a efetiva proteção de seus créditos, bem como os meios eficazes para o seu recebimento, dotando o crédito trabalhista de privilégio sobre todos os demais.

Por outro lado, interessa a todos, em especial ao empregado, manter a atividade empresarial, fonte de riqueza e dos empregos. Como conciliar interesses tão opostos ? Eis um dos grandes desafios do Direito do Trabalho.

Enfatizamos ser o tema que propomos comentar apaixonante, envolvente, dinâmico e polêmico. Tentaremos, de maneira objetiva e sem nenhuma pretensão de esgotá-lo, trazer a baila, de forma objetiva, algumas questões pontuais que julgamos ser interessantes sobre o referido assunto.

II - A falência :

Entende-se por falência a situação daquele devedor que não possui meios de saldar suas dívidas. Ou ainda, estado de fato do comerciante quando o patrimônio total da empresa não é suficiente para responder por todas as dívidas por ela contraídas. Ocorre, portanto, quando o passivo da empresa é maior que seu ativo.

A falência é, assim, um fato econômico.

Torna-se um fato jurídico somente com a sentença do magistrado que declara a falência, quando esta, de fato econômico, passa a ser um estado de direito.

Inicia-se a falência, assim, pela sentença, que a declara, reconhecendo o estado de insolvência da empresa. A sentença declaratória de falência é mais que uma simples declaração de um estado de direito. Ela dá origem à massa falida objetiva, constituída pelos bens que restaram do patrimônio da empresa falida e à massa falida subjetiva, que é a reunião de todos os credores do falido.

Isto porque a declaração de falência produz efeitos imediatos sobre os direitos de todos os credores , obrigando-os a concorrerem, para recebimento de seus créditos ( trabalhistas, cíveis e comerciais) no Juízo Falimentar, alegando e provando a origem do seus créditos. É o que prescreve o art. 23 da Lei Falimentar, conferindo a este Juízo a característica da universalidade.

A declaração da falência também antecipa as dívidas do falido e acarreta a suspensão das ações e execuções individuais( art. 24), que são atraídas pelo juízo Falimentar, configurando-se a vis atractiva.

O § 2º do artigo 7º fixa a indivisibilidade do Juízo da Falência, estipulando a competência deste para todas as ações e reclamações sobre bens, interesses e negócios da massa falida, as quais serão processadas na forma da referida lei.

A intenção do legislador é, claramente, atribuir tratamento igualitário aos credores, já que reconhecida a impossibilidade do devedor saldar suas dívidas integralmente. Dividirão os credores, assim, o ativo disponível, partilhando, ainda, os mesmos riscos e prejuízos quando constatada a insuficiência patrimonial.

E, justamente partindo da presunção de impossibilidade de cumprimento integral das obrigações do falido, elege o legislador créditos que devem ser prioritariamente satisfeitos, reconhecendo, assim, as desigualdades já existentes entre os credores. Assim, estabelece o artigo 102 do Decreto-Lei n.º 7.661/45, a ordem hierárquica dos créditos julgados habilitados na falência.

Esta hierarquia reflete o critério de valor utilizado na época pelo legislador na análise dos interesses envolvidos, com o fito de favorecer e mesmo proteger aqueles créditos que não resultam de interesses simplesmente individuais e comerciais, possuindo, antes, natureza alimentar e social. Créditos trabalhistas e tributários não poderiam ser mantidos na mesma situação de créditos de índole estritamente privada.

É a falência, assim, um processo de execução coletiva que tem por objetivo a defesa dos interesses dos credores do falido, evitando as execuções individuais. Reconhece o legislador a prevalência do interesse público sobre os interesses individuais dos credores .

Está expresso no artigo 449, § 1º da CLT: "na falência, constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito" . E o artigo 768 da CLT dá efetividade a este dispositivo ao dispor que " em todas as fases processuais, terá preferência o dissídio cuja decisão tiver de ser executada perante o juízo de falência"

III - Competência da Justiça do Trabalho :

O entendimento dominante na doutrina e jurisprudência sempre foi no sentido de que a competência trabalhista limita-se à declaração dos direitos do empregado, bem como a liquidação do seu crédito, ou seja, a apuração do "quantum" devido ao empregado.

As ações e execuções trabalhistas não são, assim, de plano, desde que decretada a quebra, suspensas e atraídas pelo juízo universal, como prescreve o artigo 24 da Lei de Falências, já que o juízo trabalhista é o único competente para conhecer e julgar litígio entre empregado e empregador, por expressa disposição constitucional (art. 114 CF).

Neste sentido a lição de Amauri Mascaro Nascimento:

"A falência produz efeitos sobre a execução trabalhista, que decorrem de sua força atrativa, concentrando todas as execuções em uma só, daí resultando o processo de execução coletiva falimentar. Também essa regra geral deve prevalecer no processo trabalhista, de modo que o princípio fundamental é o de que, havendo falência de uma empresa, a prestação jurisdicional trabalhista termina com a sentença proferida na fase de conhecimento, não cabendo execução dessa sentença perante a Vara do Trabalho. O interessado deve habilitar o seu crédito no juízo falimentar, como credor da massa falida, e é pago de acordo com as prescrições da lei falimentar. Se a sentença é ilíquida, cabe a fase preambular executória da liquidação da sentença na Justiça do Trabalho, porque é evidente que o crédito a ser habilitado na falência deve ter o seu valor esclarecido na sentença trabalhista. Após a liquidação, cessa a atuação do juízo especial, e o empregado, de posse de certidão de sentença ou por ofício expedido pelo Juiz Federal da respectiva Vara do Trabalho, dirigido ao juízo falimentar, tem o seu crédito examinado pelo síndico da massa falida e habilitado."

Assim, os processos já em curso quando da declaração da falência prosseguem normalmente até a liquidação da sentença e aquelas ações propostas após a decretação de quebra também o são no juízo trabalhista, agora em face da massa falida, sendo intimada para representá-la o síndico nomeado. Sendo que estas também têm seu curso na Justiça do Trabalho até que o crédito do empregado seja apurado e tornado líquido.

Somente após a liquidação dos créditos trabalhistas é que estes são atraídos pelo juízo universal da falência, a fim de constarem no quadro geral de credores e concorrerem ao rateio a ser feito pelo síndico quando da liquidação do ativo.

Importante ressaltar que, não havendo controvérsia entre o trabalhador e a massa falida, quanto ao montante dos créditos, não haverá necessidade da tutela jurisdicional, podendo, neste caso, o crédito trabalhista ser habilitado diretamente na falência, de acordo com o que dispõe o artigo 102 da Lei de Falências.

IV - Sugestões de mudança na legislação atual :

A) Projeto de Lei n.º 4.696/98

A diversidade de entendimentos sobre a competência para execução do crédito trabalhista na falência deu origem ao projeto de Lei n.º 4.696, de 28.01.1998, atualmente em discussão no Congresso Nacional

O artigo 1º do referido projeto acrescenta os seguintes parágrafos ao artigo 877 da CLT :

"§ 1º A competência da Justiça do Trabalho para a execução do crédito trabalhista exclui a de qualquer outro juízo, inclusive o da falência, da concordata e da liquidação.

§2º A cobrança judicial do crédito trabalhista não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata ou liquidação"

Assim, de lege ferenda, referido projeto esclarece ser, definitivamente, do juízo especializado trabalhista a competência para a execução do crédito trabalhista, adotando, assim, tese minoritária da doutrina e jurisprudência nacionais, de encontro todavia, aos anseios dos trabalhadores, dando cumprimento, ainda, ao ditame constitucional consubstanciado no artigo 114, já mencionado.

Confere ainda plena efetividade à execução da sentença trabalhista, que não precisaria mais se habilitar no moroso processo falimentar. Reconhece, finalmente, a natureza alimentar e social do crédito trabalhista, alçando-o definitivamente a sua categoria de crédito super privilegiado.

B) Projeto de Lei n.º 4.376-A/93

Em contrapartida, também existe atualmente alguma movimentação no sentido de flexibilizar alguns mecanismos da legislação atual, dos quais se destaca a reivindicação de nova Lei Falencial, extinguindo a quebra e propondo a decretação de um tipo de "intervenção" na empresa devedora objetivando sua recuperação , preservando-se assim os empregos dos trabalhadores, a atividade produtora e os próprios interesses da sociedade e do Estado. A discussão sobre a recuperação, reorganização e saneamento da empresa em dificuldades chamou a atenção dos legisladores, culminando na proposição do Projeto de Lei n.º 4.376-A/93 pelo Poder Executivo.

O Projeto de Lei em referência, que aguarda votação na Câmara, no caput de seu art. 9º, limita a preferência no pagamento dos créditos das relações de trabalho e as contribuições para o fundo de garantia do tempo de serviço, na fase de recuperação judicial, a 20000 UFIR (R$ 21.282,00) por empregado. O restante dos créditos trabalhistas e as contribuição para o FGTS, de acordo com o parágrafo único do mesmo artigo, terão preferência sobre os demais créditos na fase de liquidação judicial. Já os artigos 173 e 176, que tratam da falência de microempresas e empresas de pequeno porte, limitam a preferência a pagamento de dívidas trabalhistas, na fase de recuperação, a no máximo 30% do ativo circulante, ficando limitado a 10.000 UFIR (R$ 10.641,00) por empregado, devendo eventual saldo remanescente, ser pago ao longo do processo de recuperação. Na hipótese de o montante devido ultrapassar 30% do ativo circulante da empresa, caberá ao juiz fixar o critério de rateio entre os empregados.

A nova lei também trata da simplificação dos procedimentos, da redução dos incidentes processuais, da remodelagem dos prazos. Sobretudo, estabelece a primazia da empresa sobre o empresário, que poderá ser afastado se estiver provada malversação, fraude ou desvio patrimonial.

Os que defendem o teor do referido projeto, entendem que a atividade empresarial precisa de oxigênio neste momento de aguda crise, no qual as indústrias partem para demissões, com redução da jornada de trabalho e diminuição salarial .

V - Conclusão:

Diante do exposto, podemos concluir :

  • a falência caracteriza-se pela insolvência patrimonial de um empreendimento econômico, quando seu passivo é maior que seu ativo;

    • a decretação da falência não resolve de plano os contratos de trabalho. Somente a cessação da atividade empresarial, o inadimplemento das obrigações trabalhistas ou a manifestação do síndico é que rescindirão os contratos de trabalho celebrados;

    • como risco do negócio, e portanto de total responsabilidade do empregador (art. 2º da CLT), a falência equipara-se à dispensa sem justa causa para efeito de cálculo das verbas trabalhistas devidas aos empregados;

    • o total dos salários e das indenizações devidas aos empregados constituem créditos privilegiados;

    • entendimento jurisprudencial dominante entende que a competência da Justiça do Trabalho quanto ao crédito trabalhista na falência limita-se à fase de conhecimento e liquidação do quantum devido ao empregado, para posterior habilitação no processo falimentar. A execução dos créditos seriam atraídas pelo Juízo Universal da falência, salvo as exceções previstas previstas na própria Lei de Falências.

    • a diversidade de entendimentos sobre a competência para a execução do crédito trabalhista na falência deu origem ao projeto de Lei n.º 4.696, de 28.01.1998, em discussão no Congresso Nacional, onde há previsão no sentido de que A competência da Justiça do Trabalho para a execução do crédito trabalhista exclui a de qualquer outro juízo, inclusive o da falência

    • em contrapartida, há outro projeto (Projeto de Lei n.º 4.376-A/93), no sentido de flexibilizar alguns mecanismos acima mencionados, dos quais se destaca a reivindicação de nova Lei Falencial, extinguindo-se a quebra e introduzindo um tipo de "intervenção" na empresa devedora objetivando sua recuperação , preservando-se, assim, os empregos dos trabalhadores, a atividade produtora e os próprios interesses da sociedade e do Estado. Para tanto, propõe-se rever antigos dogmas, introduzindo novos debates em torno da participação ou não dos trabalhadores nos riscos da empresa, o que implica revisitar o conjunto de princípios que informa o Direito do Trabalho, especialmente o princípio da proteção.

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    *advogado associado do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar Advogados e Consultores Legais, integrante do Departamento Trabalhista.

     

     

     

     

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