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ECAD: Quis custodiet ipsos custodes?

Em razão da grande autonomia de que goza o Ecad para fixar, arrecadar e distribuir os ganhos relativos à ´violação´ dos direitos autorais no Brasil e do seu monopólio sobre todas as obras musicais nacionais, demandas contrárias ao escritório começaram a tomar corpo tanto no âmbito judicial quanto administrativo e parlamentar.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Atualizado às 09:06

"Quis custodi et ipsos custodes?" Expressão de origem latina atribuída ao poeta romano Juvenal que significa, basicamente, dúvida a respeito da efetividade em se conceder poder de vigilância sobre a sociedade a um único sujeito: se um apenas é escolhido para vigiar todos os demais, quem, então, irá vigiá-lo?

Platão abordou o tema em "A República" expondo preocupação a respeito de quem iria proteger a sociedade dos seus protetores. Segundo o filósofo, a solução seria os guardiões resguardarem a sociedade contra si mesmos. Para tanto, era necessário convencê-los da "mentira carinhosa" de que, por serem eles melhores do que os que serviam, lhes cabia a obrigação de guardá-los.

Na prática, não é assim que funciona. Os fracos não costumam atrair a simpatia dos fortes. É preciso que outros, tão fortes quanto, exerçam papel de vigias do vigilante.

Daí a cautela histórica de nunca se dar poder absoluto para nenhum círculo - o que culminou na separação dos poderes - mas deixar os interesses de um competir e conflitar com os do outro. Deste modo, cada "grupo", no resguardo de seus próprios interesses, deveria controlar e tolher os demais e isto manteria o poder absoluto longe das mãos de todos.

O Ecad é responsável pela atividade de arrecadação e de distribuição dos direitos autorais, nos termos da lei de direito autoral (lei 9.610/98).

Há algum tempo as atribuições do Ecad vêm sendo questionadas. Tampouco é recente a preocupação cada vez mais latente a respeito da ausência de fiscalização sobre este órgão fiscalizador.

Apesar de o texto legal limitar a responsabilidade do Ecad à arrecadação e distribuição de valores referentes aos direitos autorais que representa, o escritório possui uma Assembleia Geral (formada pelas associações musicais) que exerce a fixação dos preços, das regras de cobrança e da distribuição dos valores arrecadados.

Os titulares dos direitos autorais se filiam às associações que, por sua vez, remetem ao Ecad as informações cadastrais dos seus sócios e os seus respectivos repertórios. O objetivo seria a alimentação de um banco de dados a ser utilizado para a distribuição dos valores equivalentes aos direitos autorais de cada artista contratado.

Em razão da grande autonomia de que goza o Ecad para fixar, arrecadar e distribuir os ganhos relativos à "violação" dos direitos autorais no Brasil e do seu monopólio sobre todas as obras musicais nacionais, demandas contrárias ao escritório começaram a tomar corpo tanto no âmbito judicial quanto administrativo e parlamentar.

O presente artigo visa reunir as principais polêmicas e demandas protagonizando o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição.

O Ecad, hoje, enfrenta três conflitos relevantes, que se relacionam entre si, mas são completamente independentes: (i) a aprovação do PL 129/12 pelo Congresso limitando seus ganhos e restringindo sua atuação pendente de sanção presidencial; (ii) o processo movido no CADE por formação de cartel contra o Ecad que culminou em fixação de multa milionária e prazo para dar mais transparência às suas atividades;  (iii) os litígios em trâmite perante o Superior Tribunal de Justiça dos quais participam grandes empresas de TV - aberta e por assinatura  - debatendo o abuso de poder do órgão em razão do monopólio que exerce e das cobranças exorbitantes que realiza.

I. O PL  129/12 e a CPI do Ecad no Congresso

Em clima de insatisfação, grande parte da classe artística está apoiando o projeto de lei (PL 129/12) que altera a atuação do escritório - o que também é resultado da "CPI do Ecad" conduzida no Senado para investigar denúncias de irregularidades.

O texto base do projeto aumentou o percentual da arrecadação a ser revertido para os titulares de direitos autorais de 75,5% para 85%. Hoje, o remanescente é dividido entre o Ecad - 17,5% - e as associações - 7,5%.

O projeto prevê que as entidades que irão cobrar pelo uso das músicas deverão se habilitar previamente junto ao poder público e cumprir uma série de requisitos, modificando a situação atual na qual inexiste participação de órgãos públicos na gestão dos recursos pagos por direitos autorais.

Aprovado na Câmara e no Senado, o texto foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff no dia 14/8 como lei 12.853/13.

Destacam-se as seguintes alterações no texto da lei 9.610/98 a respeito da fixação dos valores a serem cobrados pela utilização de obras musicais.

  • Oficializou-se o uso dos critérios da razoabilidade (Art. 98, § 3º) e da proporcionalidade quanto à efetiva utilização das obras e no tocante à necessidade de execução destas consideradas as particularidades das atividades do executante (art. 98, §4º);
  • Determinou-se observância às regras concorrenciais, aliada à repressão de infrações contra a ordem econômica (art. 99-B)

II. O Cade concluiu por formação de cartel envolvendo o Ecad

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica, CADE, em sessão realizada no dia 20/3/13, condenou o Ecad e seis das suas associações efetivas por formação de cartel. O Cade estabeleceu penalização por abuso de poder dominante e criação de barreiras ao ingresso de novas associações no mercado. As multas aplicadas pelo Cade importam na quantia aproximada de R$ 38 milhões.

O caso (processo administrativo 08012.003745/2010-83) foi instaurado em 2010, a partir de representação da ABTA - Associação Brasileira de Televisão por Assinatura.

Daí - do julgamento realizado no Cade - surgiram, "oficialmente", os argumentos que mais pesam contra o Ecad atualmente: o abuso de poder e a ausência de prerrogativa legal para a fixação/ tabelamento dos preços devidos pela exploração de obras artísticas.

Segundo o conselheiro do Cade e relator para o caso, Elvino de Carvalho Mendonça, a lei de direito autoral confere ao escritório central apenas o controle da atividade de arrecadação e distribuição dos direitos autorais: não de fixação de valores.

O relator destacou ainda que, do modo como está funcionando, o Ecad e suas associações exercem práticas nocivas à concorrência e ao desenvolvimento econômico de modo geral: "a livre negociação de preços impossibilitaria, ou, ao menos, dificultaria uma eventual prática de abuso de poder de mercado, haja vista que a precificação estaria mais sensível às necessidades do usuário, bem como seria mais eficiente em termos econômicos".

Foi exposto no julgamento ocorrido no Cade que as tabelas do Ecad e os critérios de cálculo e de preço para cobrança de direitos autorais são provas do abuso cometido pelo órgão, bem como o são - provas dos abusos - as atas das assembleias gerais durante as quais foram discutidas questões relativas à combinação de valores entre as associações.

O escritório terá o prazo de seis meses para fazer modificações e tornar o sistema de cobrança de direitos autorais mais transparente1.

De um lado, é consabido que a indústria fonográfica multinacional está em franca decadência e às portas da falência. Sua sobrevivência no Brasil, atualmente, dependeria do dinheiro repassado pelo Ecad, que vem batendo recordes de arrecadação ano após ano. Do outro, significa dizer que, embora as multinacionais pouco ou nada estejam produzindo, continuam arrecadando graças ao recolhimento dos direitos autorais pelo órgão.

O escritório central ajuizou ação contra a decisão do Cade JF, seção judiciária de Brasília/DF.

Ao judicializar a disputa iniciada no Cade, o Ecad afirmou que a sua estrutura de gestão é respaldada pelos artistas musicais nacionais e que o Cade não pode comparar músicas a simples produtos de consumo. Deste modo, o órgão repudia a aplicação das penalidades que lhe foram impostas no alegado exercício regular de seu dever de proteção dos direitos autorais dos artistas brasileiros.

O processo (0027455-03.2013.4.01.3400) está concluso para sentença na 17ª vara Federal, após a concessão de liminar que deferiu o pedido de suspensão da exigibilidade da decisão proferida pelo Cade, nos autos do processo administrativo 08012.003745/2010-83 em relação, unicamente, ao Ecad.

III. O STJ e a visão jurídica das prerrogativas do Ecad

Tramitam no STJ diversas ações relativas a cobranças de indenização pela violação de direitos autorais envolvendo o Ecad.

Importa para o artigo aquelas nas quais litigam emissoras de TV abertas e por assinatura.

Apesar de tratarem de causas fundamentadas em teses jurídicas distintas umas das outras, todas têm em comum o fato de considerarem que os valores fixados pelo escritório são exorbitantes, aleatórios e resultantes de abuso do poder e monopólio.

Destacam-se os seguintes casos: REsp 887.044/PR (TVA Sul Paraná), AG 1.376.330/SP (Sky), REsps 1.019.110/RJ e 1.019.103/RJ (TV Globo) e REsp  1.358.467/RJ (NET).

Respostas têm sido divulgadas em nome do Ecad referentes a estas demandas, especialmente com enfoque na disputa com a TV Globo Ltda., afirmando que o escritório receberá após o julgamento de tais lides - em seu favor -, o valor de R$ 2,23 bilhões de reais2.

Curioso que não existe nenhuma decisão de mérito no STJ em relação ao tema para que o Ecad afirme com tamanha segurança do seu futuro crédito.

Mais curioso o fato de que o REsp 887.044 foi afetado à 2ª seção recentemente, à unanimidade pela 3ª turma do STJ, e que nele o Ecad recorre contra uma decisão que reconheceu que a TVA Sul Paraná não deve absolutamente nada ao escritório pela exibição de seus programas audiovisuais.

É pertinente destacar que o Ecad cobra 2,5% e 2,55%, respectivamente, sobre o rendimento bruto das TVs abertas e por assinatura, o que, na prática, fere a livre concorrência, ao direito a propriedade, ao desenvolvimento econômico e ignora princípios como isonomia, razoabilidade e proporcionalidade.

Há um precedente da 4ª turma do STJ segundo o qual a legitimidade de que se reveste o Ecad para a cobrança de direitos autorais não o isenta de ser razoável, proporcional e consistente (REsp 681847/RJ, rel. Ministro João Otávio De Noronha, DJe 08/2/103).

Como sugerido, dentre os casos acima mencionados, o recurso especial interposto pelo Ecad contra a TVA Sul Paraná (Vivo TV) é peculiar. Nele, a empresa tem sido vitoriosa na tese jurídica de que, em se tratando de TV por assinatura, nada é devido ao escritório.

Seus argumentos - TVA Sul Paraná - são de que os valores pagos a título de licenças e direitos autorais aos produtores das obras audiovisuais - distribuidores - importam no direito de execução pública. Assim não fosse, seria inócuo que a empresa de TV por assinatura pagasse expressivas somas na aquisição das obras audiovisuais e, ao adquiri-las, não se investisse da possibilidade de proveito econômico. É esta a tese que prevaleceu até o momento.

É preciso compreender que a jurisprudência atual do STJ é no sentido de que não cabe ao Judiciário se imiscuir na área de fixação do valor dos direitos autorais. Por outro lado, o STJ nunca foi um tribunal de permitir que seus precedentes dessem "respaldo generalizado" a atos de abuso, de modo que, o que se espera é a manifestação da Corte Superior quanto aos limites e parâmetros para a fixação dos valores cobrados pelo Ecad.

Argumenta-se, contra o Ecad, que há distinção jurídica entre moldar a autonomia do escritório e proibi-la. O que se busca nas ações em trâmite perante o STJ seria apenas moldá-la. Tratar-se-ia de impor um limite de razoabilidade e proporcionalidade quanto à precificação e confecção das tabelas de cobrança do órgão.

Esta seria a tese - critérios/limites para preços fixados pelo Ecad - encampada nos demais recursos especiais em julgamento pelo STJ.

Destaque-se, entre eles, o da TV Globo Ltda., de relatoria do min. Luís Felipe Salomão, 4ª turma. Até agora foram proferidos quatro votos: dois favoráveis à TV Globo (ministros Luís Felipe Salomão e Raul Araújo Filho) e dois a favor do Ecad (ministros João Otávio Noronha e Maria Isabel Gallotti). Aguarda-se o voto vista de desempate do min. Antônio Carlos Ferreira.

Na disputa entre o Ecad e a TV Globo (REsps 1.019.110 e 1.019.103), discute-se a possibilidade da fixação de valores extraídos de um contrato celebrado anteriormente entre as partes, devidamente atualizados. A Globo se insurge contra a exorbitância do percentual cobrado pelo escritório de 2,5% sobre seu rendimento bruto.

Não é pouca coisa em se tratando da Rede Globo com suas 122 emissoras próprias ou afiliadas. Segundo a Wikipédia, a Rede Globo faturou sete bilhões de reais só em publicidade no ano de 2009, 73,5% de toda receita publicitária da TV aberta brasileira.  A mesma fonte menciona que o faturamento só com publicidade em 1012 foi de doze bilhões de reais4.

Como negar a exorbitância de uma cobrança de 2,5% do rendimento bruto da TV Globo ou 2,55% do rendimento bruto da Sky? Em que medida uma fixação aleatória como esta pode considerar o número de exibições das obras audiovisuais veiculadas? Em que medida pode ser afirmar que canais com maior rendimento bruto - por possuir maior audiência, mais publicidade, mais assinantes, mais bens - são os mesmos que veiculam maior número de obras?

Evidente que é inquestionavelmente abusivo o Ecad pretender arrecadar, por exemplo, 2,5% de doze bilhões de reais que a TV Globo faturou exclusivamente em publicidade só em 2012. E é exatamente este o intuito do escritório quando defende a cobrança de percentual sobre o rendimento bruto da empresa.

Alguém poderia afirmar que quem possui maior audiência ou maior número de assinantes, possui mais gente violando os direitos autorais alheios. Então, nesse caso, o critério não seria maior exibição, mas exibição a um maior público. Ainda que assim fosse, não seria possível aplicar o mesmo critério a TVs abertas e por assinatura, a um, porque as TVs por assinatura adquirem a programação (i) dos distribuidores de canal com o valor dos direitos autorais incluído no preço como parte da possibilidade de utilização econômica da compra e (ii) das TVs abertas que já pagaram ao Ecad e cujas programações elas - TVs por assinatura - são obrigadas pela Anatel a exibir5. A dois, porque ambas, TVs abertas e "fechadas" possuem grande parte do seu rendimento bruto de patrocinadores, bens e outras fontes de renda que em nada se relacionam com a programação que veiculam.

O que acontece nos casos da Globo, da Sky e da NET é o inconformismo justificado com (i) a abusividade dos valores cobrados pelo Ecad; (ii) o fato de que o monopólio do escritório sobre as obras faz com que as empresas sejam reféns de suas políticas; (iii) a sobreposição dos pagamentos ("bis in idem") nos casos das TVs por assinatura que teriam as os valores das licenças e direitos autorais incluídos nos preços das programações adquiridas6 e (iv) a violação aos princípios da isonomia, razoabilidade, proporcionalidade, livre concorrência, propriedade e desenvolvimento econômico.

O valor a ser fixado para pagamentos ao Ecad pelas TVs abertas teria que ser proporcional à efetiva exibição de obras. Isto fica evidente com o texto do PL 219/12, segundo o qual as emissoras de TV e rádio terão o prazo de dez dias para enviar relatórios com a lista das músicas utilizadas. A cobrança, portanto, seria de acordo com aquilo que, efetivamente, se levou ao ar. Neste sentido, repita-se, é o texto da lei 12.853/137.

Esta disposição do projeto de lei - de limitar a cobrança feita às TVs ao que se utilizou, efetivamente, na programação - aliada à afirmação do Relator do processo administrativo do Cade a respeito da ausência de legitimidade do Ecad para fixar valores de cobrança, levam à conclusão de que o STJ deverá adotar um posicionamento que coadune com a realidade atual.

Observe-se que o presente texto não está se aprofundando propriamente no mérito da discussão iniciada no Senado e no Cade a respeito de o Ecad possuir ou não "autonomia de fixação de valores" - já que a lei fala em arrecadação e distribuição - e, neste caso, de quem seria a atribuição para fazê-lo. O foco é, realmente, a coibição de abuso nessa precificação.

O STJ possui numerosos precedentes em casos de cobranças por violação de direitos autorais feitas pelo Ecad e referentes à execução de obras musicais em quartos de hotéis. Nesses julgados, a Corte entendeu que o escritório não poderia presumir que todos os quartos do hotel estariam ocupados 24 horas por dia, sete dias por semana e doze meses por ano, a despeito de ser alta ou baixa estação. Estabeleceu o tribunal a obrigação de o Ecad fixar uma cobrança razoável e proporcional. Isto é, o Judiciário, de fato, interferiu nos valores fixados pelo órgão, alterando jurisprudência anterior.

São fatos concretos e facilmente verificáveis que relativizam a afirmação (re)corrente de que o Judiciário não poderia se imiscuir nos preços estipulados pelo escritório de arrecadação. Até porque, sob outro viés, seria o mesmo que criar uma área cinzenta excluída da apreciação do Poder Judiciário em flagrante inconstitucionalidade.

É um momento singular de possível mudança em paradigmas do STJ seguindo a esteira de um movimento nacional que envolve também o Legislativo e o Executivo. Aguarda-se o posicionamento do Judiciário na expectativa de que separados, os três poderes trabalhem juntos, atendendo ao clamor social por mudanças no procedimento do Ecad.

Ademais, existe uma questão que tem sido sintomaticamente evitada e ignorada no julgamento da atuação do escritório de arrecadação, mas de profunda pertinência.

Diz respeito ao processo formal de alteração do texto legal: falta ao Ecad, entidade privada, legitimidade para regulamentar a lei dos direitos autorais se auto atribuindo prerrogativa de precificação destes.

Em que pese a lei 12.853/13 ter conferido prerrogativa às associações de fixação dos valores a serem cobrados, observados os critérios postos, sabe-se que o Poder Executivo, via de regra, não tem competência para inovar a ordem jurídica (exceto nos casos de medida provisória); que é vedada a delegação legislativa (exceto nos casos do art. 68 da CF), e que o poder regulamentar é privativo do Presidente da República (nos termos do artigo 84, inciso IV da CF). Assim, não poderia nem hipoteticamente ser lícito a um simples regulamento de entidade privada (Ecad) aumentar ou restringir direitos.

É o caso de se reconhecer que a fixação pelo Ecad, por via de regulamento, dos preços a serem cobrados a título de compensação pela utilização de obras protegidas pelos direitos autorais é uma anomalia jurídica.

Por isso, a decisão do Cade e lei 12.853/13 (o PL 219/12) tentam refrear a conduta arbitrária e monopolista do escritório.

Empresas como as TVs abertas e por assinatura, que dependem da reprodução de obras protegidas pelos direitos autorais, são vítimas desse abuso de poder com a fixação aleatória e exorbitante de valores pelo órgão.

Ademais, como dito anteriormente, o Ecad detém o monopólio da titularidade das obras musicais nacionais8. Sem uma disputa de mercado, o escritório fixa os valores aleatórios e exorbitantes que lhe convêm.

O Ecad, evidentemente, não se conforma com o rumo que as coisas têm tomado. Vê teoria da conspiração no projeto de lei e na determinação do Cade. Insiste que, por trás destas decisões, atua o lobby de grandes organizações - novamente voltando-se para a TV Globo em especial - e deposita esperanças de manutenção das suas "prerrogativas" por ordem do Judiciário.

O que se estranha, afora toda a problemática anteriormente abordada, é que a classe artística não partiu em defesa do escritório central, mas insurgiu-se contra ele sob o argumento de que os valores fixados com exorbitância e cobrados com diligência não são repassados aos músicos como deveriam.

O STJ noticiou recentemente que deverá julgar o caso Ecad x Globo no segundo semestre de 20139. Resta aguardar para saber, enfim, a resposta que vale mais de um bilhão de reais: Quis custodi et ipsos custodes?

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1 Conforme largamente veiculado na imprensa por ocasião da votação do PL 129/12 no Senado, o Ecad teria arrecadado em 2012 R$ 624,6 milhões, dos quais R$ 470,2 milhões referentes a direitos autorais.

2 In https://respostadoecad.ecad.org.br/comunicado-do-ecad-sobre-decisao-do-cade.aspx. Consultado em 12.08.2013.

3 O STJ já aconselhou, em outro caso, que fosse observado, a efetiva incidência dos direitos autorais: REsp 242.451/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ 05/08/2002, p. 345.

4 In https://pt.wikipedia.org/wiki/Rede_Globo. Consultado em 14.08.2013.

5 Uma das determinações da Lei 12.485/2011 diz que canais abertos devem ser transmitidos pelas TVs por assinatura que operam via satélite.

6 Relembrando que na exibição de canais de TV aberta, as TVs por assinatura igualmente não teriam obrigação de pagamento dos direitos autorais já pagos, em tese, pelas próprias TVs abertas cujas programações são obrigadas a exibir por determinação da ANATEL.

7 "Art. 99. § 4º A cobrança será sempre proporcional ao grau de utilização das obras e fonogramas pelos usuários, considerando a importância da execução pública no exercício de suas atividades, e as particularidades de cada segmento, conforme disposto no regulamento desta Lei." Destacou-se.

8 "Art. 99. As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais." Lei dos Direitos Autorais.

9 In https://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=110556& utm_source=agencia&utm_medium=email&utm_campaign=pushsco. Consultado em 13.08.2013.

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* Eduarda Chacon é advogada do escritório Rosas Advogados.



 

 

 

 

 

 

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