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O julgamento dos processos em ordem cronológica no novo CPC

Acerca do julgamento dos processos em ordem cronológica, novidade constante no projeto do novo CPC (PL 8.046/10), os autores opinam que, ao menos quanto ao 1º grau, a regra da cronologia terá o efeito reverso do desejado. Eles elencam três soluções possíveis para o tema.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Atualizado às 07:19

O art. 12 do projeto do novo CPC - Câmara (relatório Paulo Teixeira - PT/SP), estabelece que todos os órgãos jurisdicionais deverão obedecer a ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.

O dispositivo, em primeira análise, se mostra louvável, já que, de fato:

a) o julgamento em ordem cronológica dos processos é imperativo de igualdade (art. 5º, caput, da CF)1;

b) a regra impedirá que o julgamento siga ordem distinta considerando as partes envolvidas (e sua eventual capacidade econômica ou política), ou mesmo a "influência" ou o "prestígio" do advogado atuante;

c) a previsão, igualmente, obstará que os órgãos jurisdicionais pretiram os processos mais complexos em favor dos processos mais simples, de fácil resolução; e

d) por conseguinte, a disposição contribuirá para debelar a morosidade do processo (que, diversamente do que apontam alguns respeitáveis autores, não é um "mito"), já que as causas mais complexas receberão tratamento em tempo semelhante ao das mais simples.

O que, entretanto, aparenta ser um avanço (e é prometido e aplaudido como tal), causará infindáveis problemas práticos, principalmente em 1º grau de jurisdição, de modo que, preservadas as opiniões em contrário, acredita-se que a proposta prejudicará - e profundamente -, a prestação do serviço público jurisdicional2.

E aqui - mais uma vez3 -, criticável o fato de as comissões que trabalharam no projeto do novo CPC não terem dado a atenção devida às estatísticas disponíveis, as quais podem mostrar o erro ou o acerto de várias das opções adotadas.

Conforme dados do TJ/SP4 - que serve de base diante da magnitude do seu acervo no universo Judiciário brasileiro, mais de 50% das unidades de 1º grau no Estado de SP têm competência cível cumulativa (cível em geral, empresarial, falência, consumidor, além dos processos relativos à Corregedoria dos cartórios extrajudiciais), grande parte delas, inclusive, também com competência para os feitos de Família, Criminal, Infância e Juventude, Execução Fiscal, Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública etc. Apenas a título ilustrativo, e sem considerar as 297 varas instaladas na capital do Estado (onde e especialização é maior), ou mesmo as varas Cíveis instaladas nas comarcas do interior onde também há varas de Família em funcionamento, do total de 1459 varas no interior do Estado, ao menos 593 delas são, no jargão forense, clínicas gerais, competentes para julgamento dos mais variados tipos de conflito. Em outros termos, sendo notório que SP é o Estado brasileiro com a maior interiorização da Justiça, possível afirmar que no Brasil, bem mais do que metade das unidades jurisdicionais em 1º grau de Jurisdição são cumulativas, competentes para julgar desde o conflito mais simples ao mais complexo5.

Então, o primeiro problema com a ordem cronológica surgirá em se saber - à míngua de regra clara, se ela vale apenas para os processos estritamente cíveis, ou se ela se estenderá nessas varas cumulativas, também, para os processos de natureza criminal, infancional, administrativa (dúvidas, pedidos de providência, retificações de registro) e seguintes do rito dos Juizados (cíveis, Federais e da Fazenda Pública). Há como se definir uma ordem cronológica sem considerar esse componente na equação?6

O segundo problema é o da regra aumentar o mal que exatamente visa combater: a morosidade.

Pois não há como se negar que com a disposição, o aporte para julgamento de causas mais complexas (v.g. uma ação societária, uma ação civil pública ou de improbidade administrativa), impedirá o julgamento de questões mais simples cuja rápida solução é de manifesto interesse social (causas previdenciárias, que envolvam alimentos, execuções, despejos e procedimentos de jurisdição voluntária em geral, tais como interdições, alvarás para levantamento de valores, etc.).

Ainda que o § 2 do art. 12 estabeleça sete exceções ao julgamento por ordem cronológica (I - as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; II - o julgamento de processos em bloco para aplicação da tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos; III - o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas; IV - as decisões proferidas com base no art. 945; V - o julgamento de embargos de declaração; VI - o julgamento de agravo interno; VII - as preferências legais) elas não são suficientes para contornar o mal que será provocado pela disposição. Só quem efetivamente milita no foro em primeiro grau sabe o que representa para o jurisdicionado a rápida solução de certos conflitos de menor complexidade não contemplados pelas exceções legais.

Acredita-se, ao menos quanto ao 1º grau (onde efetivamente é prestada a tutela jurisdicional), que a regra da cronologia, pese plasmada de boas intenções, terá o efeito reverso do desejado. Parece ser possível conciliar o interesse público no julgamento em ordem cronológica com o interesse público na pronta solução de litígios de menor complexidade.

E, para tanto, três soluções são possíveis:

a) suprimir a regra do julgamento em ordem cronológica nos juízos de primeiro grau, mantendo-a, apenas, para os Tribunais (cuja natureza revisional permite que os processos sejam julgados por ordem de entrada sem maiores problemas práticos, vez que a tutela já foi prestada na instância inaugural); ou

b) estabelecer a regra da ordem cronológica dentro de certos parâmetros temporais, fixando-se um período após a conclusão (60, 90 ou 120 dias) no qual os processos podem ser julgados livremente, passando a incidir a cronologia de conclusão, apenas, se decorrido esse prazo, ainda houver processos pendentes de julgamento com o juiz, caso em que ele deverá julgar aqueles feitos pendentes antes de decidir os novos entrados; ou

c) ampliar (bastante) as situações em que autorizado o julgamento fora da ordem cronológica (acrescentando v.g., os feitos de jurisdição voluntária), permitindo, ainda, que feitos menos complexos, mediante adequada fundamentação, possam ser julgados prioritariamente.

Não queremos um CPC possível. Queremos um excelente CPC. E ele só virá se as críticas ao seu texto forem recebidas com elevado espírito público e forem capazes de induzir à reflexão e à melhora do projeto (seja já no plenário da Câmara, seja na fase sucessiva do Senado Federal).

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1 Igualdade que o julgamento por ordem cronológica só tutelará em parte. Afinal, a regra apenas impõe a cronologia no tocante às sentenças e acórdão, deixando fora uma série de atos decisórios importantes, como as decisões liminares (tutela da evidência e de urgência), como também decisões saneadoras.

2 Isso sem mencionar o silêncio do texto quanto às consequências da inobservância da regra. Se o juiz não observar a cronologia, o que ocorrerá? Estamos diante de uma situação análoga aos prazos impróprios ou à regra (solenemente não observada) do art. 555, §§ 2º e 3º?

3 Esse apontamento já foi feito em recente texto publicado por um dos autores desse texto no site Consultor Jurídico, em que ele apontou dados estatísticos que, no seu sentir, comprovam a inconveniência da manutenção do efeito suspensivo automático da apelação (Fernando da Fonseca Gajardoni. Efeito suspensivo automático da apelação deve acabar, https://www.conjur.com.br/2013-ago-09/fernando-gajardoni-efeito-suspensivo-automatico-apelacao-acabar, acesso em 17.08.2013, às 11:25hs)

4 Fonte: Secretaria de 1ª instância do TJSP.

5 Conforme informes obtidos junto ao CNJ, não há dados compilados sobre o número de varas cumulativas existentes no Brasil.

6 E não estamos aqui falando das causas já pacificadas ou repetitivas, as quais já foram bem excepcionadas pela regra do art. 12, § 2º, II e III do projeto.

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* Fernando da Fonseca Gajardoni é juiz de Direito em SP, doutor e mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP e professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP - Ribeirão Preto.

* Luiz Dellore é advogado, doutor e mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP, meestre em Direito Constitucional pela PUC/SP e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

* Andre Vasconcelos Roque é advogado e doutorando e mestre em Direito Processual pela UERJ.

* Zulmar Duarte de Oliveira Junior é advogado, pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil e consultor jurídico.



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