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As manifestações populares e a atitude do presidente do Supremo Tribunal Federal

Para o jurista, o presidente do STF oferece o triste exemplo de que é possível desrespeitar todas as instituições do Estado brasileiro, em prol de "ideias novas".

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Atualizado em 19 de agosto de 2013 15:44

No último mês de junho, o Brasil assistiu ao início de diversas manifestações de rebeldia popular, que descambaram, muitas delas, para agressões a pessoas e bens particulares e públicos. Embora não se desconheçam os direitos à livre expressão do pensamento e de reunião de pessoas para fins pacíficos, não se pode deixar de recordar que tais direitos possuem limites. De outra parte, diante dos excessos, cabe ao Estado, pelos seus órgãos de segurança, repeli-los. Quando assim agem, estão a exercer a autoridade conferida pela Constituição e não qualquer autoritarismo. Assistimos invasões em Câmaras, cerco em sedes de governo e a prática da violência descabida por mascarados que não têm a coragem de mostrar seus rostos. No entanto, observa-se que a força pública com a missão de coibir os excessos permanece temerosa em intervir.

Assiste-se a realidade de que tais movimentos populares não possuem qualquer objetivo determinado. Clamam contra a corrupção nos órgãos governamentais e abusos de alguns políticos no uso de bens públicos. Todavia, não apresentam qualquer ideia ou objetivo capaz de substituir a tais excessos ou abusos. Nada, absolutamente nada. Aí mora o perigo.

No ano de 1930, o notável filósofo espanhol Ortega y Gasset surpreendeu o mundo com a sua obra "A Rebelião das Massas" em que retrata as grandes transformações do século XX, com ênfase no processo histórico de crescimento das massas urbanas. Não se refere às classes sociais, mas às multidões e aglomerações. Trata-se de uma obra prima que, passados tantos anos, permanece viva para o entendimento dos fatos políticos e da vida em sociedade. É impressionante a sua capacidade de análise e visão do futuro. Gasset nos apresenta o homem que passou a dominar o mundo a partir do início do século XX, o homem-massa. Homem este que não se equipara ao operário, ao trabalhador. Não se pode entender este homem como um operário, o homem-massa está entre os intelectuais, na elite econômica, entre os mais ricos, entre os mais pobres. Não se trata de uma classe, mas uma forma de viver o mundo que lhe é peculiar. "É o homem previamente esvaziado de sua própria história, sem entranhas de passado e, por isso mesmo, dócil a todas as disciplinas chamadas "internacionais" (.) só tem apetites, pensa que só tem direitos e não acha que tem obrigações". Nenhuma instância existe capaz de colocar freio aos seus apetites. Em aglomerações, "as massas intervêm em tudo, e só o fazem violentamente". Julgam-se no direito de ter "opiniões sobre os mais diversos assuntos, mas sem terem feito um esforço prévio para forjá-las".

A autoridade como fator de equilíbrio para a vida social não existe. É importante, para o homem-massa, desrespeitá-la. Somente valem as suas opiniões.

Ralf Dahrendorf observa que com a modernidade, os perigos para a liberdade são diferentes. Para o ilustre professor de Ciências Sociais da Universidade de Constança, "todas as palavras cativantes do ideário modernista - democratização, individualização, comunitarismo e assim por diante - passaram a descrever uma atitude que ajuda a enfraquecer e, em última análise, a corroer as instituições sociais. Elas tendem para a liberdade sem sentido, uma liberdade de escolha sem escolhas que façam sentido. Elas servem para aumentar os distúrbios, a dúvida e as incertezas de todos". E acrescenta: "os falsos arautos da liberdade estão cheios de boas intenções, mas preparam o caminho que poderá nos levar, se não para o inferno, ao menos para o mais próximo dele na Terra, que é a anomia" ("A Lei e a Ordem", Publicação do Instituto Tancredo Neves e Fundação Friedrich Naumann, Bonn, ed. 1987, pg. 146).

Acresça-se: O homem moderno é instável e mutável, diante do ritmo agitado da ciência e da técnica em constante avanço. Tal situação o arrasta "para maneiras de ver e de fazer cada vez mais novas". Ademais, tem profunda aversão a tudo que foi transmitido pelo passado, a qualquer forma de tradição (BATTISTA MONDIM, "Antropologia Teológica", Ed. Paulinas, S. Paulo, 4ªed.,1986, pgs. 47/49).

O professor Oliveiros S. Ferreira, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 18/8/13, ao analisar as manifestações ocorridas a partir de junho, conclui que "o Estado tornou-se escravo dos que querem alterar, pela violência, a ordem constitucional".

Na apologia do desrespeito à autoridade, passam a atacar as instituições permanentes do Estado. Se, por acaso, aqueles que encarnam tais instituições não se dão ao respeito, as "ideias novas", mas sem qualquer objetivo definido, ganham força e servem até mesmo de "justificativa" para a rebelião das massas e de seus atos de violência.

Desde o ano de 2009, em diversos artigos, repisei alguns aspectos importantes sobre a postura e convivência dos ministros de nossa Suprema Corte.

Ser Ministro do Supremo Tribunal Federal exige do juiz que tenha presente a imorredoura exortação de Rui Barbosa "Quisesse eu levantar os escarcéus políticos e não me dirigiria ao remanso deste Tribunal, a este recanto de paz" e "aqui não podem entrar as paixões que tumultuam na alma humana; porque este lugar é o refúgio da Justiça". Os "escarcéus políticos", de outra parte, não se coadunam com atitudes de qualquer ministro do STF, dentro ou fora da Corte Constitucional, muito menos daquele que ocupa, transitoriamente, a sua presidência.

Relatei, ainda, que o ministro Joaquim Barbosa, desde o início de sua atuação no STF chegou ao ponto de acusar o ministro Marco Aurélio de "fraudar distribuição de processos" e, com idêntica atitude descortês e grosseira, "colocou em xeque a lisura do presidente da Corte", ministro Gilmar Mendes. Em entrevista ao jornal "O Globo" dirigiu seus ataques grosseiros e sem qualquer respeito à verdade ao presidente ministro Cezar Peluso. Durante o julgamento do caso do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa aparteou diversas vezes o ministro Lewandowski de forma descortês, grosseira, agressiva, procurando impor seu voto e chegou ao ponto de afirmar que o revisor estaria a ser "advogado" dos réus... Santo Deus. Ave Maria.

Na última quinta-feira, já como presidente da Suprema Corte, chegou ao despropósito de afirmar em sessão televisionada ao vivo e a cores, que o ministro Lewandowski estaria a praticar "chicana". Nada igual se ouviu no STF em mais de cem anos de sua existência. Acusar um de seus pares de praticar "chicana", o presidente da Casa estava a dizer, que seu colega de toga se utilizava de um ardil caviloso e agindo de má-fé. "Chicanista", no ideário forense, é aquele que age com o intuito deliberado de empregar ardil de má-fé para enganar e criar dificuldade para o bom entendimento de uma determinada questão. Por exemplo, uma das maiores ofensas que um advogado pode sofrer é a de ser chamado de chicanista.

Se o presidente do STF não respeita os ministros que fazem parte da Corte Constitucional, oferece o triste exemplo de que é possível desrespeitar todas as instituições do Estado brasileiro, em prol de "ideias novas" que não sabem discernir quais sejam, valendo o emprego da violência.

O atual presidente do STF não foi apenas grosseiro e sem educação. Seu gesto possui um significado importante para o momento atual das várias manifestações de rua que podem preparar o caminho de "nos levar, se não para o inferno, ao menos para o mais próximo dele na Terra, que é a anomia", onde impera "uma liberdade de escolha sem escolhas que façam sentido".

Só nos resta esperar que os ministros do STF tomem alguma providência capaz de fazer cessar as atitudes despropositadas de seu presidente e que colocam em risco o exercício sereno e responsável daqueles que têm o dever de velar pela Constituição que temos.

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*Ovídio Rocha Barros Sandoval é advogado do escritório Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão Sociedade de Advogados

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