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Embargos infringentes no STF e composição do plenário

Não pode uma interpretação jurídica concluir pela inadmissibilidade de embargos infringentes perante o STF. Trata-se de questão eminentemente técnica e, tal como na matemática, só há duas saídas: a certa e a errada.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Atualizado às 07:46

Pode uma "interpretação" das regras de aritmética concluir que 2+2 são 5? De igual modo, não pode uma interpretação jurídica concluir pela inadmissibilidade de embargos infringentes perante o STF. Trata-se de questão eminentemente técnica e, tal como na matemática, só há duas saídas: a certa e a errada. Não há a "melhor", não há a "second best" e não há a pior. Ou é a certa ou é a errada. Sem embargo disso, nestes dias, nunca tantos -- principalmente leigos -- têm afirmado tantas impropriedades em tão pouco espaço de tempo, misturando, de cambulhada, aquilo que é técnico, matemático, com aquilo que diz respeito a julgamentos do mérito, propriamente ditos, oportunidade em que, aí sim, podem variar os entendimentos de cada juiz, em relação aos diferentes aspectos da causa. Conheço o ministro Celso de Melo há exatos 48 anos, desde quando juntos frequentamos os mesmos bancos acadêmicos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (Turma de 1969), e da qual foi ele o aluno mais brilhante, que surpreendia os professores, principalmente os de Direito Constitucional. Por isso e por sua trajetória até o Decanato do STF, tenho certeza de que ele equacionará a questão da maneira certa.

Dito isso, e supondo a admissibilidade dos embargos infringentes, gostaria de tecer algumas considerações do ponto de vista da Ética judicial, no que se refere à participação dos 2 (dois) ministros mais novos. Ao contrário do que ocorre nos tribunais de segundo grau, em que a competência para julgamento dos embargos infringentes é deferida regimentalmente a órgãos fracionários mais amplos do que os competentes para conhecer dos recursos contra decisões do primeiro grau, no STF os embargos infringentes nada mais consubstanciam, em última análise, senão um pedido de reconsideração formulado ao mesmo órgão julgador. Embora não haja exigência legal de que seja integrado pelos mesmos ministros que participaram do julgamento recorrido, parece-me apropriado, à luz da Ética judicial, que do julgamento do recurso não participem os que passaram a integrar a Corte posteriormente, principalmente num caso que envolve interesses político-institucionais de enorme repercussão.

Esse entendimento baseia-se em alguns pontos que considero de fundamental importância. Em primeiro lugar, é de convir que a lei (no caso, a norma regimental do art. 333) presume que os integrantes do órgão prolator da decisão embargada sejam os mesmos que apreciarão os embargos infringentes, isso porque, embora substituições de ministros possam ocorrer e ocorrem de fato, a regra é a do quod plerumque accidit (aquilo que ordinariamente acontece), ou seja, a estabilidade do tribunal, sendo eventual o ingresso de novos componentes. Aliás, penso que tal assertiva tem fundamento até no princípio do devido processo legal, ou seja, o ideal é que todos os réus, nos diferentes processos perante o STF, se submetam à mesma sistemática processual. Com efeito, o que justificaria que, mercê de mera eventualidade, uns tivessem seus embargos examinados por juízes novos, que não participaram do julgamento embargado, enquanto que outros réus não teriam esse mesmo "direito" ? E acrescente-se que os novos podem ser sorteados relator e revisor !

Tendo em vista as características do processo em causa, e os momentos em que os ministros novos assumiram seus cargos, as implicações respectivas não podem ser desconsideradas. Isso não significa dizer que deixariam eles de julgar conforme o direito e de acordo com sua consciência, ainda mais quando se conhece a integridade e a honradez dos ministros Zavascki e Barroso. No entanto, como se repete há séculos, à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta. No tocante à Ética Judicial, tenha-se em linha de conta que o Código de Conduta dos Juízes norte-americanos, por exemplo, ao estabelecer uma série de princípios e diretrizes visando à proteção da integridade, independência e imparcialidade judiciais, estabelece expressamente que os juízes devem evitar impropriedades e até mesmo a aparência de impropriedades. Isso porque um Judiciário independente e honrado é indispensável à justiça. O respeito às decisões e às ordens dos tribunais depende da confiança pública na integridade e independência dos juízes e estas, por sua vez, dependem de eles agirem sem medo ou favor. Diz o canon 2 do mencionado Código que ocorre uma aparência de impropriedade quando mentes razoáveis, com conhecimento de todas as circunstâncias relevantes envolvidas, possam concluir que a honestidade, integridade, imparcialidade, temperamento, ou adequação para servir como um juiz correm o risco de serem afetadas. A confiança pública no Judiciário fica desgastada pela conduta imprópria ou irresponsável dos juízes. Assim sendo, um juiz deve evitar toda impropriedade e toda aparência de impropriedade.

Por outro lado, nada há que obrigue os ministros mais novos a participar do julgamento dos embargos infringentes, uma vez que o quórum em plenário é de 6 (seis) ministros, nos termos do art. 143 do regimento interno. Além disso, parece apropriado reservar-se o conhecimento dos embargos infringentes aos mesmos juízes que decidiram a causa, com o propósito de evitarem-se constrangimentos decorrentes de eventuais críticas dos advenientes à decisão embargada. Do mesmo modo como o ideal é que os pontos suscitados em embargos declaratórios sejam esclarecidos por quem proferiu a decisão, não menos ideal é que a reconsideração de mérito seja reservada apenas àqueles que participaram do julgamento embargado.

Além de não ser regimentalmente obrigatória a participação dos ministros novos, sua não participação no julgamento do recurso não causa prejuízo aos réus, mesmo porque o ingresso deles é um fato contingente com o qual aqueles não podiam contar. No entanto, a participação deles o contrário tem o potencial de prejudicar a imagem do Poder Judiciário, sua credibilidade junto à sociedade, na dependência da direção de seus votos. Sem dúvida alguma, o primeiro dever do magistrado é fazer justiça. Mas, o fazer justiça exige o preenchimento de requisitos prévios, entre os quais se destaca, fundamentalmente, o encontrar-se o juiz desimpedido e livre de toda e qualquer injunção que o impeça de julgar com imparcialidade e retidão e que contribua para afetar a credibilidade e o respeito que o Poder Judiciário deve inspirar, fundamentais para a proteção das instituições da República e para a estabilidade do regime democrático. O juiz deve, acima de tudo, fazer justiça, mas deve também dar à Nação exemplo de integridade, cujo valor moral paira acima de qualquer outra virtude que possa ostentar. Bem por isso, penso ser altamente recomendável, para o Supremo Tribunal Federal e para os próprios ministros novos, que estes tomem a iniciativa de se dar por suspeitos.

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* Lionel Zaclis é mestre e doutor em Direito e advogado.

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