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Operadores do Caos e Restauradores do Equilíbrio

Adriano José Borges Silva

Oxalá surja, como flor de lótus, nova estirpe de restauradores do equilíbrio do oceano de lama que conspurca o processo legislativo pátrio

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Atualizado em 1 de outubro de 2013 12:43

Embalado pelo voto do ministro Celso de Mello, que acatou a tese da admissibilidade dos embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal, centro minha atenção em um dos fundamentos exarados pelo judicioso decano da Corte Constitucional: o próprio Congresso Nacional rejeitara, 15 anos atrás, projeto de lei que dava fim - inequivocamente - aos embargos infringentes.

De imediato me recordei de preciosa lição do saudoso professor Lourival Vilanova, sempre presente no afinado pensamento do professor Paulo de Barros Carvalho, festejado tributarista que muito açulou minha curiosidade jurídica: "a politicidade é inerente ao poder, mesmo ao mais despolítico, como o poder de dizer o justo nas relações jurídico-contenciosas"1.

Antes, portanto, de iniciar a interpretação propriamente dita do sistema normativo pátrio, com o fito de decidir pelo cabimento ou não dos embargos infringentes, o ministro Celso de Mello observou recomendação de Carlos Maximiliano (cuja vida permitiu o pragmatismo de ver o direito à luz de uma perspectiva mais completa, pois esteve político, foi magistrado e morreu jurista em sua caminhada terrena) no sentido de promover a análise da autenticidade do dispositivo que almejamos interpretar.

Em seu voto, o mais antigo ministro do STF desnudou parte do processo legislativo que permitiu, 15 anos depois, aos condenados que tiveram ao menos quatro votos absolutórios em determinados crimes aferidos no bojo da AP 470 o manejo de embargos infringentes.

Pode-se dizer que o Congresso Nacional de 15 anos atrás, então com apenas uma década do restabelecimento do estado democrático de direito, diante das denúncias e escândalos da época, abandonava o caminho da virtude pelo da corrupção. A disciplina foi descartada para dar lugar à indiferença com a coisa pública. Passou-se da vigilância à desatenção. Da perseguição das injustiças sociais à perseguição do lucro ilícito. Da atividade com propósitos dignos ao ócio da impunidade que incentiva o crime.

Tendo como premissa esse contexto histórico, a capilaridade e a profundidade da corrupção no Brasil atual, como raízes, explicam a frondosa árvore da impunidade, cuja copa alberga em sua aprazível sombra os operadores do caos, que se alimentam da inesgotável seiva do dinheiro público e, ao mesmo tempo, que lhe servem como adubo, incentivando ainda mais seu crescimento. Falta-lhe lenhador vigoroso, restaurador do equilíbrio, que mesmo diante da resistência do tronco, permanece a lançar inclementes golpes de machado.

Nessa toada, recordando artigo do professor Alfredo Augusto Becker (O Juiz e a Política2): "Infelizmente muitos juízes interpretam a lei imersos na confusão da atitude mental política com a atitude mental jurídica. Nesse caso, o juiz imagina estar interpretando a lei, quando, na verdade, está fazendo política: interpreta um conflito social e impõe a esse conflito a solução que lhe parece a mais aconselhável segundo a filosofia predominante no próprio juiz". E continua o saudoso jurista, citando Achille Battaglia (I Giudici e la Politica): "... recusa-se o juiz a aplicar a nova lei e continua a aplicar a lei antiga (que fora parcial ou integralmente revogada pela nova lei) como se a vontade do legislador antigo fosse mais acertada e justa do que a do novo legislador".

De fato, o cerne da questão inerente à admissibilidade de embargos infringentes nas ações penais originárias julgadas pelo pleno do STF, como bem apontado pelo ministro Celso de Mello, passa por uma questão política. Porém, a meu sentir, sujeita a discussões acaloradas e duvidosas: nas circunstâncias da época, não é absurdo afirmar que os operadores do caos pululavam no Congresso Nacional enquanto os restauradores do equilíbrio caminhavam para a extinção.

A lei 8.038/90, como bem humoradamente batizada pelo jornalista Eduardo Oinegue, é verdadeira "bomba que explodiu no Supremo". De efeito tardio, mas capaz de abalar alicerces sólidos de uma instituição centenária, cuja obrigação maior - de guardar e resguardar a ordem constitucional - não se confunde com a proteção do subproduto dos operadores do caos.

Oxalá surja, como flor de lótus, nova estirpe de restauradores do equilíbrio do oceano de lama que conspurca o processo legislativo pátrio, a exemplo das grandes figuras políticas de Ulysses Guimarães e Rui Barbosa, cujas respectivas trajetórias no Congresso Nacional foram marcadas pela defesa intransigente da República, bem como pela honestidade e firmeza de caráter no trato da res publica.

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1 - Escritos Jurídicos e Filosóficos, Vol. 1. A Dimensão Política nas Funções do STF.

2 - Carnaval Tributário, 2ª ed., p. 98.

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* Adriano José Borges Silva é advogado do escritório Borges e Strübing Müller Advogados

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