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A resolução 293 e a nova regulamentação aplicável ao Registro Aeronáutico Brasileiro

Adolpho Julio C. de Carvalho e Felipe Bonsenso Veneziano

A resolução, de maneira geral, é "positiva e representa importante evolução para o funcionamento do Registro Aeronáutico Brasileiro".

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Atualizado em 28 de novembro de 2013 12:08

O RAB - Registro Aeronáutico Brasileiro, órgão mantido pelo governo Federal, é responsável, dentre outros, pela matrícula e inscrição de atos, contratos e instrumentos relativos às aeronaves civis. Seu tempo médio de análise é de 15 dias para cada um dos cerca de 500 processos com que lida a cada ano, apesar de contar com menos de cinco analistas alocados para essas funções.

Desde 1992 seu funcionamento era regido pelo RBHA 47 - Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica 47, resultado da atividade normativa do DAC - Departamento de Aviação Civil, vinculado ao Ministério da Aeronáutica. Ao longo de mais de vinte anos essa regulamentação sofreu alterações apenas pontuais.

Com a criação da ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil em 2005 e consequente extinção do DAC, um dos principais objetivos da nova agência reguladora passou a ser a substituição dos normativos editados pelas autoridades militares. Observando os princípios que vinculam a Administração Pública, a ANAC deu início, então, a uma série de audiências públicas para discutir atualização de toda a regulamentação aeronáutica, dentre as quais o mencionado RBHA 47.

No entanto, diferentemente de outros RBHA que foram substituídos por RBAC - Regulamentos Brasileiros de Aviação Civil, para o caso específico do RAB a ANAC optou por propor minuta de resolução, figura normativa diversa e do padrão adotado no âmbito da OACI - Organização da Aviação Civil Internacional.

De qualquer sorte, após a conclusão da audiência pública 12, de 2012, foi finalmente editada e publicada no DOU a resolução ANAC 293, de 19 de novembro de 2013, a qual dispõe sobre o funcionamento do RAB e, dentre outros, revoga o RBHA 47.

Preliminarmente à análise das mudanças relevantes contidas na resolução 293 vale mencionar que, conforme mencionado, a opção por regulamentar o RAB através desse tipo de diploma legal, e não através de RBAC - o que seria a expectativa inicial - vai de encontro ao preceito de uniformização tão caro à aviação civil, nos moldes da Convenção de Chicago, recepcionada no ordenamento jurídico-legal brasileiro através da promulgação do decreto 21.713, de 27 de agosto de 1946. Isto porque, pelo art. 37 de referida Convenção, os Estados Contratantes, dentre os quais o Brasil, se obrigaram a colaborar com o objetivo de atingir a maior uniformidade possível em seus regulamentos, sempre que isto trouxesse vantagens para a atividade. Tanto os Estados Unidos quanto a União Europeia regulamentam as atividades dos seus respectivos registros aeronáuticos (equivalentes ao RAB) através dos normativos de número 47 e que em muito se assemelhavam, inclusive na ordem dos dispositivos e temas tratados, ao extinto RBHA 47. Espera-se, contudo, que a solução encontrada pelos reguladores brasileiros não prejudique a aviação civil em termos gerais, ou dificulte o relacionamento com outros países.

Especificamente em relação aos ineditismos da resolução 293 destaca-se, primeiramente, a realização de recadastramento quinquenal de aeronaves, conforme arts. 55 e seguintes. Por tal disposição torna-se obrigatório aos operadores e proprietários das aeronaves civis matriculadas no Brasil efetuar o recadastramento, através de formulário próprio, dos registros que não tiverem sofrido alteração nos últimos cinco anos, de modo a manter o cadastro nacional de aeronaves atualizado. Surpreendentemente, a não realização pode acarretar o cancelamento ex officio da matrícula da aeronave, o que impossibilitaria sua operação. O processo não deve gerar, todavia, grandes dificuldades aos operadores, com exceção de grandes companhias aéreas que terão que enfrentar burocracia extensa e adicional.

Além disso, outra exigência nova está na obrigatoriedade, conforme o art. 71, de apresentação dos atos constitutivos - e respectiva tradução juramentada - dos trusts (figura de Direito Americano sem equivalente no Brasil) quando os mesmos figurarem como proprietários de aeronaves matriculadas no Brasil. Entretanto essa nova exigência carece de regulamentação - ou esclarecimento - adicional, já que não é a legislação brasileira que determina o que seriam atos constitutivos dos trusts, mas sim aquela na qual cada figura está inserida. Confia-se que o RAB irá aceitar os documentos apresentados pelos interessados de acordo com a legislação aplicável em cada caso, sem opor exigências.

Outra disposição inédita da resolução 293 está insculpida no art. 106, o qual prevê a possibilidade de registro temporário e provisório para aeronaves que tenham sido apreendidas no âmbito da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 que, dentre outros, estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas. Pela nova regulamentação, o RAB poderá emitir certificados em favor da instituição que tenha judicialmente obtido direito de uso de aeronave apreendida por ser utilizada na prática de crimes de tráfico e comercialização de drogas. A cooperação do RAB certamente auxiliará na melhor aplicação de referida lei, indo ao encontro de políticas públicas relevantes.

Inovou-se também em relação aos casos de sobrestamento, que é a formulação de exigências e pedidos de documentos adicionais para conclusão de registros, e.g. apresentação de procurações e recolhimento de emolumentos corretos. Isso porque a resolução 293 - conforme o art. 17 - permite expressamente a apresentação de pedido de reconsideração do sobrestamento por parte do interessado, o que diminui a discricionariedade do RAB. Ademais, passa a prever o conceito do efetivo registro para os casos em que o prazo para cumprimento das exigências ou esgotamento da prenotação tiver sido ultrapassado. Com isso, não será considerada como data de registro aquela de apresentação dos documentos no protocolo da ANAC, conforme a prática regularmente adotada, mas sim da efetiva conclusão do processo. Além disso, depois de formulada a exigência pelo RAB, caso a mesma não seja cumprida, permite-se agora que o interessado firme termo de responsabilidade para entregar ao RAB documentação considerada não essencial para o registro, nos termos do art. 23.

Essas alterações em relação ao sobrestamento e exigências constituem avanços positivos para o funcionamento do RAB e trazem vantagens para os operadores, especialmente companhias aéreas, vez que flexibilizam as normas e diminuem a burocracia para concluir registros imprescindíveis para o cotidiano das empresas. Por exemplo, a obrigatoriedade de apresentação de documentos consularizados que, inúmeras vezes, não estão disponíveis em consulados brasileiros, fugindo portanto do campo de atuação e intereferência dos interessados. Não seria razoável manter aeronave empregada no transporte regular de passageiros inoperante por conta da mera não apresentação de uma procuração consularizada. A expressa possibilidade do termo de responsabilidade soluciona essa questão.

Ainda no âmbito de desburocratização e flexibilização, alterações positivas foram inseridas pelo art. 72, que elimina a exigência de apresentação da Certidão de Nada Consta, relativa às multas e débitos perante a ANAC, para conclusão do registro de aeronave. Outrossim, no art. 91 foi expressamente incluída a possibilidade de cancelamento de matrícula de aeronave sem a necessidade de juntada do certificado de aeronavegabilidade para exportação quando se constatar que as questões relativas à transferência de responsabilidade sobre a aeronavegabilidade estejam resolvidas entre a ANAC e a autoridade de aviação civil do país do importador, excepcionalmente nos casos de exportação e reexportação. Esses dois avanços aceleram o trâmite dos processos e, especialmente em relação ao certificado para exportação, desburocratizam e simplificam transações com outros países, principalmente os Estados Unidos, tendo em vista os acordos firmados entre a ANAC e autoridades aeronáuticas estrangeiras.

Positivas também as alterações que atingem os processos de compra e venda de aeronaves. Isso porque, em relação à necessidade de reconhecimento de firma por autenticidade das partes envolvidas na operação, foi consolidado o entendimento (e sanados os recorrentes questionamentos) de que tal requisito de formalismo adicional aplica-se apenas aos casos de transferência de propriedade, conforme o art. 12. Além disso, foi ampliado e uniformizado o prazo para comunicação de venda de aeronave para trinta dias, seja pelo comprador ou pelo vendedor, nos termos dos arts. 29 e 30.

Destaca-se também a alteração relativa ao expresso reconhecimento pelo RAB do intercâmbio ou interchange, através do qual uma aeronave com matrícula estrangeira pode operar no Brasil sob contrato específico, observadas as disposições de acordos bilaterais (por exemplo, o celebrado entre Brasil e Chile). Até a edição da resolução 293 inexistiam precedentes e mesmo regulamentação sobre o assunto, deparando-se o RAB com vácuo legislativo que dificultava a operação nessa modalidade. A inclusão, de acordo com o art. 87, trará vantagens para as companhias aéreas nacionais, consolidando e possibilitando a consecução dos objetivos dos acordos bilaterais sobre o intercâmbio de aeronaves, cada vez mais relevantes no mercado globalizado da aviação.

Por fim, a resolução 293 corretamente alterou as competências dos órgãos envolvidos com o funcionamento do RAB, contemplando o novo contexto regulatório e normativo representado pela criação da ANAC e da Secretaria de Aviação Civil. Dessa forma foram excluídas referências obsoletas a diversas repartições do extinto DAC que estavam presentes no RBHA 47, tornando a norma integralmente aplicável e de melhor compreensão pelos interessados.

Como já mencionado acima em relação aos esclarecimentos necessários a respeito dos documentos considerados atos constitutivos dos trusts, outros pontos da resolução 293 requerem a mesma atenção. Além desse, carece de regulamentação específica o caso da obrigatoriedade de comprovação de regularidade fiscal de transação, quando aplicável, para fins de conclusão de registros. Isso porque a resolução não determina o rol de aplicabilidade da exigência, tornando a obrigação inócua. Outros dois exemplos são a falta de menção aos documentos celebrados em dois idiomas, bicolunados, de acordo com prática comum adotada nesse setor e à possibilidade de apresentação de documentos eletronicamente, através do sistema SIGAD-PD, já em funcionamento para casos específicos como emissão de certidões.

Como se pode notar, de maneira geral a edição da resolução 293 foi positiva e representa importante evolução para o funcionamento do RAB. Infelizmente não foram considerados aspectos importantes e fundamentais como a aguardada regulamentação sobre a Convenção da Cidade do Cabo (promulgada no Brasil em maio deste ano).

Acredita-se entretanto que, conforme a audiência pública 9, de 2013, em breve será editada resolução específica sobre a participação do RAB e do Brasil no Registro Internacional, para os fins da Convenção da Cidade do Cabo. Espera-se, além disso, que a ANAC, sensível aos anseios e necessidades dos operadores aéreos e observando o contexto global, possibilite maior celeridade na atualização dos diplomas normativos, especialmente a resolução 293, em face dos fatos novos que acompanharão os resultados dessa audiência pública 9 e, do mesmo modo, pelas necessidades de esclarecimento apontadas anteriormente sobre aspectos importantes da regulamentação.

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* Adolpho Julio C. de Carvalho e Felipe Bonsenso Veneziano são advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados.

** Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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