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O Museu Guggenheim e o Direito Internacional

Recentemente, o Município do Rio de Janeiro, pessoa jurídica de direito público interno, e o Museu Guggenheim, pessoa jurídica estrangeira, celebraram contrato para a instalação do Guggenheim carioca. A este respeito, a imprensa noticiou duas importantes polêmicas.

segunda-feira, 26 de maio de 2003

Atualizado às 07:24

O Museu Guggenheim e o Direito Internacional

Carmen Tiburcio*

Recentemente, o Município do Rio de Janeiro, pessoa jurídica de direito público interno, e o Museu Guggenheim, pessoa jurídica estrangeira, celebraram contrato para a instalação do Guggenheim carioca. A este respeito, a imprensa noticiou duas importantes polêmicas:

  1. a escolha de lei estrangeira para reger esse contrato;
  2. a escolha de foro estrangeiro (Nova York) como o competente para julgar eventuais litígios oriundos do contrato. Ambas as questões (escolha da lei aplicável e do foro competente) são típicas dos contratos internacionais.

Pelo que se sabe, a primeira polêmica resolveu-se com a adoção da lei brasileira, sendo abandonada a idéia de escolha de lei estrangeira para reger o contrato, razão pela qual não se tratará aqui do tema.

Porém, noticiou-se que o Município aceitou cláusula que elege o foro de Nova York para julgar os conflitos resultantes do contrato, daí resultando que qualquer controvérsia entre as partes será submetida a autoridades judiciárias nova-iorquinas, o que torna o Judiciário brasileiro, portanto, incompetente para apreciar tais questões.

Neste artigo, tratar-se-á da possibilidade de escolha de foro estrangeiro para solução dos litígios envolvendo contratos administrativos. O tema é bastante controverso, sobretudo em função do atual art. 55, § 2º, da Lei 8.666/93, sobre licitações e contratos administrativos, segundo o qual a cláusula que eleja o foro da sede da Administração é essencial em todo contrato firmado por esta. Assim, há na Lei uma regra imperativa que estabelece como fundamental em tais contratos a eleição de foro do lugar onde está sediada a Administração, o que naturalmente exclui a possibilidade de escolha de outro foro que não aquele indicado pela Lei. Assim, no caso concreto, o contrato deveria, por imposição legal, determinar o foro da cidade do Rio de Janeiro como o competente para apreciar as questões relativas ao mencionado negócio.

Não se diga que tal dispositivo só se aplica aos contratos de direito público, pois a Lei também é clara ao estabelecer que o art. 55, § 2º, também se aplica aos contratos de direto privado celebrados pela Administração (art. 62, § 3º, I, da Lei 8.666/93).

Ademais, há que se considerar o princípio constitucional da legalidade, que significa, em última análise, que os agentes públicos só podem agir por imposição ou autorização legal. Como não há norma legal autorizando a eleição de foro nos contratos administrativos em geral, decorre desse princípio o entendimento de que a escolha de foro estrangeiro é vedada à Administração Pública, pois sem tal autorização específica esta não se poderia submeter a tribunais estrangeiros.

Sendo assim, sob o enfoque do direito brasileiro em matéria de contratos internacionais, vislumbra-se a possibilidade de nulidade desta cláusula, o que poderá contribuir para denegrir a imagem que o Brasil possui na esfera internacional, de que firmou uma cláusula em contradição com o seu direito interno.

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*Professora de Direito Internacional Privado e Processual Internacional da UERJ; Consultora da área internacional do escritório Luís Roberto Barroso & Associados.

 

 

 

 

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