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O caso Portuguesa x Fluminense: um desafio à sociedade brasileira

No caso, é essencial que qualquer suposição "tapetão" seja afastada, o que somente se dará com a preservação dos resultados obtidos em campo, que não desafiam o bom direito.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Atualizado às 08:59

José Murilo de Carvalho, em texto que relembra as figuras do tribofe e do bilontra, trazidas nas peças de Artur de Azevedo, que foram produzidas no final do século XIX, trata da tradição de desprezo à lei na realidade da então capital do país1.

Essa tradição teria se desenvolvido a partir do acúmulo de forças contraditórias de ordem e desordem, tomando-se como pressuposto o argumento de que seria impossível fazer valer, concretamente, uma ordem jurídica de cunho liberal em uma realidade ainda marcada pela cultura escravista e pelos efeitos do colonialismo, que proporcionava, também, a lógica do favoritismo dentro das estruturas burocratizadas do Estado.

O autor chega mesmo a recusar a ideia de que o povo teria assistido, bestializado, a formalização da República. Na sua concepção, o ajuste entre ordem e desordem, que proporcionava, sobretudo, a fruição das benesses governamentais, visualizando as previsões legais apenas na medida estrita de interesses particulares, constituiu, isto sim, ato de pragmatismo, de sabedoria e de astúcia, do qual adveio, inclusive, a postura do deboche, que incentivou a prática da carnavalização.

Oportuna a reprodução de algumas passagens do texto em questão.

A respeito da carnavalização destaque-se:

O que marcava, e marca, o Rio é antes a carnavalização do poder como, de resto, de outras relações sociais. Poucos meses após a Revolta da Vacina, ela já era objeto de celebração carnavalesca, sem falar no fato de ter a revolta começado por uma farsa teatral montada por pivetes. Em maio de 1905, alguém imaginou em poesia um grupo carnavalesco aberto por Morfeu (Rodrigues Alves), tendo como destaques dos carros alegóricos o Ministro da Justiça, Seabra, fantasiado de marisco, o Chefe de Polícia, Cardoso, vestido de Javert e, ao final, O. Cruz com enorme seringa respingando formol.

Sobre o desrespeito à lei:

Dois textos, afastados no tempo quase 30 anos, mostram bem a atitude de completo desrespeito pela lei por parte dos fluminenses. As Memórias de um Sargento de Milícias, romance de 1853, cuja ação se passa ainda ao final do período colonial, revelam um mundo em que a ordem e a desordem se misturam e se confundem, apesar da aparente oposição. O temido major Vidigal, encarnação da lei e da ordem, é usado pelos primos de Leonardo para se livrarem de um rival no amor das primas e se deixa depois convencer pelo lobby das comadres e pelo suborno da promessa de uma mancebia. D. Maria diz abertamente ao Major, quando este insiste em mencionar a lei: "Ora, a lei... o que é a lei, se o major quiser?...".

A propósito das contradições que se situam na formação do ajuste:

Por ser Capital da Colônia e depois do Império, o Rio acumulou, mais que qualquer outra cidade brasileira, forças contraditórias da ordem e da desordem. De um lado, vasta burocracia, ociosa e insaciável, um Estado de grande visibilidade, um comércio dominado por estrangeiros. De outro, a enorme população escrava que, aos poucos, juntamente com imigrantes do exterior e de outras partes do país, foi gerando o que denominamos de proletariado e que chegava, na época que estudamos, a 50% da população ativa. Apesar dos inegáveis atritos entre as duas forças, a tradição ibérica da família e das irmandades constituiu campos de convivência que iam aos poucos desmoralizando as normas legais e as hierarquias sociais e construindo um mundo alternativo de valores e de relacionamento. A escravidão dentro da casa minava a disciplina da família branca, assim como corroia os próprios padrões de relacionamento entre senhor e escravo. O predomínio de homens em relação às mulheres na composição demográfica da cidade impossibilitava, em muitos casos, a formação de famílias regulares. Mesmo que a autoridade o desejasse, seria impossível a aplicação estrita da lei. Daí que, da parte do próprio poder e de seus representantes, desenvolveram-se táticas de convivência com a desordem, ou com uma ordem distinta da prevista. A lei era então desmoralizada de todos os lados, em todos os domínios.

Tratando do argumento da realidade particular sobrepondo-se ao formal coletivo idealizado pela lei:

Esta duplicidade de mundos, mais aguda no Rio, talvez tenha contribuído para a mentalidade de irreverência, de deboche, de malícia. De tribofe. Havia consciência clara de que o real se escondia sob o formal. Neste caso, os que se guiavam pelas aparências do formal estavam fora da realidade, eram ingênuos. Só podiam ser objeto de ironia e gozação. Perdia-se o humor apenas quando a autoridade buscava impor o formal, quando ela procurava aplicar a lei literalmente. Nesses momentos, o acordo implícito era quebrado, o poder violava o pacto, a constituição não escrita. Então era necessário o recurso à repressão, ao arbítrio - o que gerava a revolta em resposta. Mas, como vimos, eram momentos de crise, não era o cotidiano.

Poderíamos acrescentar que essa postura de menosprezo à ordem jurídica gerou, também, certo cinismo frente à lei, pois ao mesmo tempo em que esta não se presta à determinação das condutas próprias é utilizada quando é conveniente para a delimitação da conduta alheia.

O autor não o admite, porque sua perspectiva é localizada, mas parece-me que essa característica da postura inaugural, na capital da República, frente à lei e ao Estado forjou uma cultura de âmbito nacional. A sociedade brasileira, é verdade, luta para quebrar esse estigma, mas é preciso reconhecer que muito ainda precisa ser construído e é sempre bom não perder as oportunidades que se apresentam para tanto, pois, infelizmente, o desprezo à lei, dentro de um contexto de ajuste para satisfação de interesses localizados, persiste bastante visualizável em algumas relações sociais.

Quando se pensa, por exemplo, na legislação trabalhista, essa visão é inevitável, pois esta é frontalmente desprezada por parte considerável do segmento empresarial, que, concomitantemente, apresenta os termos da lei como padrão de conduta necessário aos trabalhadores, na perspectiva de suas obrigações. É assim, por exemplo, que é comum ainda ver alguns empregadores, que sequer registram seus empregados, efetuarem a dispensa por justa causa de um empregado que em poucos dias ao longo de meses chegou atrasado ao serviço...

O caso do futebol também é emblemático, pois que se finca sobre a base de um grande ajuste entre ordem e desordem: clubes que, sistematicamente, não recolhem contribuição previdenciária e que ainda assim recebem apoio do Estado para continuar atuando; estipulação pelos clubes de altos salários aos jogadores, mas que também não são pagos; salários pagos por intermédios de fórmulas fugidias dos imperativos legais, para evitar tributação, sem que os jogadores ofereçam contestação, vez que vislumbram se beneficiar com a ilegalidade cometida; desenvolvimento de uma lógica de favor e gratidão entre jogadores e clubes, mas que também é de exploração e de comércio por meio de uma "patrimonialização" do atleta etc...

O fato é que o espetáculo do futebol, que se apresenta como show e se desenvolve por meio da paixão, mas que, em verdade, atende a uma lógica de mercado, serve-se da própria aceitação nacional para atuar à margem da legalidade.

E a sociedade em geral, no silêncio, corrobora a situação, pois, ao final, há jogo no domingo (e na segunda, e na terça, e na quarta, e na quinta, e na sexta e no sábado...)

Veja-se a situação da Copa. Fica até cansativo ter que mencionar alguns dos aspectos de ilegalidade relacionados ao evento, que envolvem, por exemplo, as construções dos estádios, especialmente no que se refere às condições de trabalho decorrentes da terceirização, chegando-se ao ponto da utilização de trabalhadores estrangeiros na ilegalidade e sem direitos; os obstáculos às manifestações populares; a política ostensiva de higienização, com extermínio da população de rua, proibição de atuação de ambulantes, remoções de famílias de espaços interessantes à especulação imobiliária; incentivo à prostituição; e a formação do considerado "trabalho voluntário" para a realização dos jogos; além da adoção de medidas impostas pela FIFA que afrontam a ordem jurídica nacional.

Bom, mas tudo isso, ainda que adicionado por trágicos acidentes de trabalho, que têm sacrificado vidas, pouco importa. Afinal, teremos Copa! E mesmo que já se saiba que não haverá legado positivo algum, sendo que bem ao contrário sairemos arranhados em nossa concepção de nação gerida por um Estado Democrático de Direito Social, nada muda, pois que se pensa apenas no efeito futebolístico final (e se formos campeões então!!!).

Toda supressão da ordem jurídica está validada pela perspectiva do espetáculo, pela esperança de uma conquista. Até o importantíssimo Movimento do Bom Senso já disse que só vai se posicionar de forma mais contundente contra as mazelas do futebol brasileiro depois da Copa... Até lá cabe suportar qualquer coisa!

É dentro desse contexto atual e histórico que deve ser posta, quero crer, a mais nova polêmica no futebol: a perda de pontos da Portuguesa por ter se utilizado de um jogador em condição irregular.

Na perspectiva apresentada, ganha colorido especial o apelo à legalidade para a produção do efeito preconizado, vez que proporciona mais uma possibilidade de concretização da alteração da postura cultural frente à lei.

Não me parece, portanto, que a situação, como se tem tido no meio jornalístico esportivo, constitua mera questão técnica a ser resolvida por advogados. Há um relevante dado cultural envolvido no presente caso, cuja análise, mesmo a partir da perspectiva restrita da legalidade, é reveladora.

Vejamos os fatos.

No dia 25 de novembro de 2013 vaza a notícia: "No 'tapetão', clubes se articulam para rebaixar Ponte, Portuguesa e Criciúma". O motivo: os clubes em questão teriam ferido a regra que limita em cinco o número de jogadores transferidos de outros clubes da Série A. Segundo se informou, articulavam-se, para um questionamento judicial, Coritiba, Vasco e Fluminense.

Ou seja, anunciava-se, desde então, que os clubes rebaixados em campo tentariam alguma saída jurídica para o seu problema futebolístico.

A questão sumiu da mídia e veio a última rodada, que seria realizada no dia 08 de dezembro (domingo). Ocorre que na sexta-feira imediatamente anterior, no dia 06 de dezembro, realiza-se uma sessão de julgamento na 4ª Comissão Disciplinar do STJD, para tratar da condição de jogo de alguns jogadores, dentre eles um do Criciúma e outro da Portuguesa, para falar daqueles que estavam envolvidos com a ameaça, destacando-se que a Ponte Preta já estava matematicamente rebaixada.

O jogador do Criciúma foi absolvido e na mesma sessão adveio o julgamento que gerou a polêmica, a qual se situou, basicamente, no conhecimento, ou não, da Portuguesa sobre o resultado da decisão, que, por unanimidade de votos, resolveu suspender por 02 (duas) partidas o atleta Heverton Duraes Coutinho Alves, por infração ao art. 258 face à desclassificação do art. 243-F, ambos do CBJD.

Mesmo já sob a mira de uma espada, a Portuguesa não se acautelou. Não tomou cuidados mínimos no que se refere à conduta a adotar frente ao jogador cuja condição de jogo estava sob julgamento. O fato, que restou difundido na mídia, foi o de que o Presidente da Lusa disse que falou por telefone com o advogado após o julgamento para saber o resultado, advindo daí uma divergência de versões. O presidente do clube disse que o advogado falou que o atleta havia sido suspenso por apenas um jogo (que já havia cumprido) e o advogado disse, publicamente, que falou sim da suspensão de dois jogos.

E mesmo com base nessa forma totalmente insegura de informação sobre a situação do atleta, este, que era reserva, foi escalado e colocado em campo aos 32 minutos do segundo tempo, quando, matematicamente, a Portuguesa já estava garantida na primeira divisão e tudo se encaminhava para o rebaixamento do Fluminense...

Dois dias depois, em 10/12/13, vem a notícia, dada pelo próprio STJD, de que a Portuguesa teria utilizado jogador irregular, estando submetida à perda de pontos.

E assim se fez. No dia 16 de dezembro foi realizado o julgamento a respeito, que culminou com a seguinte decisão: "Por unanimidade de votos, multar em R$1.000,00 (hum mil reais) e aplicar a pena da perda de 04 pontos, a Associação Portuguesa de Desportos, por infração do Art. 214 e seu §1º do CBJD."

Deste julgamento resultou, como se sabe, o rebaixamento da Lusa para a 2ª divisão do Campeonato brasileiro, salvando-se o Fluminense.

Esses são os fatos e os avalio a partir do princípio da presunção de inocência e do pressuposto objetivo da boa-fé. De todo modo, a posição assumida em prol da busca da legalidade estrita apresenta uma contradição que precisa ser explorada.

A punição se deu com base no respeito à legalidade e, embora pudesse ser um tanto quanto esdrúxulo falar em legalidade restrita em um contexto generalizado de desprezo à lei, não havia, do ponto de vista moral, como contrariar a solução, argumentando que, no passado, outras ilegalidades foram validadas, pois não há direito adquirido com base no desrespeito à lei. Instado a escrever sobre o assunto, não sendo especialista na área desportiva, em um primeiro momento, não quis me pronunciar, para não cometer deslizes técnicos.

A questão, no entanto, passou por uma reviravolta, para usar expressão de Juca Kfouri, quando o advogado Carlos Eduardo Ambiel publicou, no site do mesmo jornalista, um texto questionando a legalidade da consideração de que a Portuguesa pudesse ser tida por intimada da decisão pela simples ciência de seu advogado em sessão. Disse Ambiel:

Em síntese, desde julho de 2010 as decisões da Justiça Desportiva do STJD não mais produzem efeito a partir do julgamento - como ainda reza o citado art. 133 do CBJD -, mas somente passam a ter validade após sua publicação no site oficial da CBF. No caso do atleta Heverton, embora o julgamento tenha ocorrido no dia 06.12.13 (sexta-feira) a publicação do resultado no site da CBF só ocorreu no dia 09.12.13, as 18h45 (ver site da CBF). Como o Estatuto do Torcedor determina que qualquer decisão da Justiça Desportiva somente passa a valer após sua publicação na internet, a referida punição somente passou a produzir efeito na segunda-feira, dia 09.12.13 as 18h45, imediatamente após sua veiculação oficial no site da CBF.

Dessa forma, nenhuma irregularidade ocorreu na escalação no atleta no dia 8/12/13, domingo, quando a punição sequer produzia efeitos. E aqui não se trata de tese que defenda a aplicação da penalidade no primeiro dia útil seguinte à publicação, como alguns tentaram sustentar sem sucesso, mas sim do respeito à disposição legal que só considerava válida a penalidade após sua publicação oficial no site da entidade de organização da modalidade2.

O argumento do formalismo pela legalidade estrita, assim, perdeu sua evidência e ainda que se possa contrariar a posição assumida com argumentos alarmantes, sobretudo no sentido de que se levado adiante novo conflito adviria, atingindo o Corinthians, pois o jogador Emerson Sheik, condenado a suspensão de uma partida, teria cumprido a suspensão antes da publicação do julgamento e, nos termos da tese acima, esse cumprimento não teria valor vez que a pena somente valeria quando publicada e, assim, teria havido irregularidade quando, no jogo seguinte, contra a própria portuguesa, o jogador atuou... o fato é que não há como retomar o pressuposto anteriormente visualizado da defesa irrestrita da lei.

Aliás, na linha alarmante diz-se que vários outros casos semelhantes, ocorridos nos últimos 60 (sessenta) dias, estariam submetidos a um novo resultado, alterando substancialmente a classificação final no campeonato de diversos clubes3.

De todo modo, o que se tem, agora, é algo bem diferente. Trata-se da constatação de uma falha no regulamento, ou mesmo na prática dos julgamentos, que traz insegurança jurídica, mas que não pode, de modo algum, se apresentar como mais importante que a própria prática esportiva, até porque das posições jurídicas contraditórias não adviria segurança para ninguém.

Importante lembrar que o direito não é só a lei, sendo composto por princípios, dentre os quais o da proporcionalidade e o da razoabilidade, adicionando que o objetivo do direito é produzir justiça.

Dentro desse contexto a punição da Portuguesa foi, a um só tempo, desproporcional, não razoável e injusta, ainda mais porque o ato do clube não esteve ligado, concretamente, a um benefício classificatório.

Diante da dubiedade da norma, da fragilidade regulatória e do "jogo" infindável que adviria dos consequentes debates jurídicos, impõe-se a preservação do que fora construído em campo.

Neste sentido, conveniente lembrar que o próprio CBJD abarca a normatividade principiológica da teoria geral do direito e na linha de preservação da lógica esportiva prevê que a interpretação e aplicação das regras do Código devem observar os princípios da "prevalência, continuidade e estabilidade das competições (pro competitione)" e o "espírito desportivo (fair play)" (incisos XVII e XVIII, do art. 2º.). E no artigo 282 do mesmo a mesma fórmula é reforçada: "A interpretação das normas deste Código far-se-á com observância das regras gerais de hermenêutica, visando à defesa da disciplina, da moralidade do desporto e do espírito desportivo."

Aliás, para alongar a análise da legalidade, por mais que leia o texto do art. 214, e seu § 1º, do CBJD, não consigo extrair a conclusão (ao menos de forma inquestionável) de que o efeito pela utilização do jogador irregular implica, no caso concreto, a perda automática de 04 (quatro) pontos.

Diz o dispositivo:

Art. 214. Incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida, prova ou equivalente.

PENA: perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitoria no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$100.000,00 (cem mil reais).

§ 1º Para os fins deste artigo, não serão computados os pontos eventualmente obtidos pelo infrator.

A perda de pontos, já retirados os pontos obtidos na partida em que se cometeu a irregularidade, pode atingir ao máximo de três pontos, conforme prevê o art. 214, não significando, pois, que deva atingir, necessariamente, esse número máximo, vez que existe uma gradação para que a punição esteja em conformidade com a gravidade da irregularidade, considerando o benefício visualizável e a má-fé do agente, não equiparáveis ao mero erro burocrático, como se deu, ademais, recentemente, no julgamento sobre a utilização de jogador irregular pelo Cruzeiro, quando o clube foi absolvido da punição, demonstrando que o efeito da irregularidade comporta análise axiológica (valorativa), aliás, como ocorreu, igualmente, em 2010, em caso que envolvia o campeonato do Fluminense.

Destaque-se que nos próprios considerandos do CBJD encontra-se a menção à intenção de se atingir uma flexibilização das penas, o que teria sido "um dos maiores anseios dos profissionais que lidam com o CBJD". Como expresso no Documento, "foram diminuídas as penas mínimas, de modo a permitir que o julgador, diante do caso concreto, utilize os critérios de dosimetria para fixar a pena mais adequada à infração que se encontre sob julgamento..."

E, no caso concreto, nem mesmo uma intenção de auferir benefício pela escalação do jogador pela Portuguesa pode ser aventada...

A grande questão é que o abalo do argumento da legalidade estrita nos remete ao problema posto inicialmente referente à postura cultural de cinismo perante a lei e das práticas de acordos entre ordem e desordem, voltados à utilização das estruturas de poder para a satisfação de interesses particulares não revelados, devendo-se estar bastante atento, inclusive, com a forma e o conteúdo em eventual utilização da via judicial, pelos que vêm sendo chamados a agir, visualizados na lógica de "inocentes úteis", vez que sem a perspectiva plena da ordem pública a ação pode resultar em uma decisão que, no fundo, cumpra o papel de favorecer a um grande ajuste, na esfera administrativa da CBF, para abarcar todos os interesses contrariados, sob o argumento de se evitar prejuízos maiores no que tange à realização da Copa. E se chegarmos a isso, muitas perguntas que alguém possa formular encontrarão suas respostas...

É essencial que qualquer suposição de irregularidade (denominada vulgarmente de "tapetão") seja afastada por completo, o que somente se dará, no caso, com a preservação dos resultados obtidos em campo, que não desafiam, como demonstrado, o bom direito, sendo certo que essa postura é exigida para o bem do esporte e da sociedade brasileira, que, mais uma vez, está sendo desafiada pelo futebol.

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Referências

1 - O povo do Rio de Janeiro: bestializados ou bilontras? (In: Revista Rio de Janeiro, nº 8, p. 101-114, set./dez. 2002. https://www.forumrio.uerj.br/documentos/revista_8/008_101.pdf, acesso em 24/12/13).

2 - https://blogdojuca.uol.com.br/2013/12/artigo-que-condenou-a-lusa-e-ilegal/, acesso em 24/12/13.

3 - Conforme revela reportagem do Lance Net, https://www.lancenet.com.br/minuto/Absolvicao-Portuguesa-Flamengo-Campeonato-Brasileiro_0_1048095183.html, acesso em 24/12/13.

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* Jorge Luiz Souto Maior é juiz do Trabalho e livre-docente da Faculdade de Direito da USP.






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