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Por que a maioria das pessoas interpretou a decisão do caso Verizon v. FCC de forma equivocada?

Tomás Filipe Schoeller Paiva e Sofia Fortes Cruz

Decisão não pode ser interpretada como um precedente pró ou contra uma internet "neutra".

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Atualizado às 09:35

No último dia 14, a Corte Federal do Distrito de Columbia, nos Estados Unidos, proferiu decisão no âmbito de ação judicial promovida pela Verizon - maior operadora de telecomunicações norte-americana -, questionando a competência regulamentar da Federal Communications Commission (FCC) para edição de regras sobre a neutralidade de rede. A Corte de Columbia, por maioria de votos, declarou nulas as regras "antiblocking" e "no discrimination" que constavam da "Open Internet Order", expedida pela FCC em outubro de 2010.

Muitos se apressaram em anunciar a deliberação da Corte Federal como a "derrubada" definitiva de regras de neutralidade de redes nos Estados Unidos, anteriormente já rejeitadas pelo Poder Legislativo (em pelo menos cinco Projetos de Lei que versavam sobre a questão) e pelo próprio Poder Judiciário, em decisão proferida no famoso caso Comcast.1

Acontece que uma leitura atenta do voto vencedor no julgamento (opinion for the court), proferido pelo juiz David Tatel, revela que muito embora a Corte tenha se valido de um argumento estritamente formal para declarar a nulidade das regras do FCC (vício de competência), o Judiciário não se furtou de analisar a própria motivação do Regulador, entendendo como legítimas as preocupações manifestadas pela FCC quanto à possibilidade de adoção de práticas discriminatórias por Internet Service Providers (ISPs - prestadores do serviço de acesso à Internet).

De fato, a controvérsia levada à Corte referia-se à possibilidade de atuação da FCC, valendo-se de uma prerrogativa legal de exercício de "jurisdição auxiliar". Para tanto, convém recordar que nos EUA, a provisão de acesso à Internet integra a categoria de "serviço de informação", que se distingue do conjunto "serviços de telecomunicações", submetidos à competência regulamentar da FCC.

Nesse sentido, desde 2010, a FCC tem invocado as provisões constantes da Seção 706 do Telecommunications Act, que lhe dão uma função de incentivar o desenvolvimento da infraestrutura das telecomunicações de banda larga, para defender a existência de uma "jurisdição auxiliar", a autorizar sua atuação para preservar e promover a natureza aberta e interconectada da web.

Foi justamente por entender que a atuação da FCC extrapola os limites impostos pela Lei, alcançando um setor não submetido à sua jurisdição e impondo aos ISPs obrigações que não aplicam às common carriers (i.e., prestadoras de serviços de telecomunicações), que a Corte de Columbia proferiu seu decisio. Nada obstante, nas oportunidades em que pode, o voto do juiz Tatel mostrou-se bastante favorável aos argumentos de mérito que levaram à edição das regras de neutralidade de rede.

Com efeito, a maioria da Corte, ao acompanhar o voto vencedor, expressou que os argumentos trazidos pelo Regulador no sentido de que as regras "no blocking" e "no discrimination" são fundamentais para o incremento e a evolução da Internet em território norte-americano, e que qualquer restrição imposta ao acesso dos usuários a conteúdos na Internet tende a reduzir o ritmo de inovação.2

Indo além, David Tatel consignou que a FCC teria logrado apresentar provas suficientes para demonstrar que os ISPs estariam, de fato, motivados a conduzir suas atividades de forma discriminatória, já que muitos deles também atuam no mercado de conteúdo na Internet. Como bem registrou a Corte, intervenções para garantir a neutralidade das redes são legítimas, desde que não sejam levadas à execução pela "porta dos fundos".

Por certo, não se pode ignorar que a posição da Corte de Columbia, embora majoritária, não foi unânime. Nesse particular, cabe destacar o posicionamento do juiz Laurence Silberman, que tendo sido voto vencido, rejeitou a quase integralidade dos argumentos da FCC, por entender que a fundamentação do Regulador fora baseada em meras especulações.

Verifica-se, assim, que ao invés de superadas, as discussões acerca da neutralidade de redes tomaram um novo contorno, diante do aceno, pelo Poder Judiciário norte-americano, da razoabilidade de adoção de medidas antidiscriminatórias e pró-competitivas, desde que adotadas nos conformes da Lei.

Nesse sentido, em tempos de debates sobre a adoção de um Marco Civil da Internet no Brasil - em que a discussão sobre a neutralidade de redes se coloca como protagonista -, a decisão da Corte de Columbia não pode ser interpretada como um precedente pró ou contra uma Internet "neutra". A bem da verdade, a decisão do Judiciário norte-americano parece ter aberto um novo fronte de batalha, tendo a Corte se mostrado disposta a discutir o mérito da questão, desde que a controvérsia seja levada à sua jurisdição pela porta da frente.

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1 Diante de reclamações feitas por usuários de que a Comcast estaria interferindo no uso de certos aplicativos peer to peer, a FCC impôs à empresa, em 2010, novas políticas de gestão. Inconformada, a Comcast interpôs ação contra a FCC, alegando que esta seria incompetente para impor tal medida. Na ocasião, a mesma Corte de Apelação do Distrito de Columbia do presente caso, entendeu que o órgão regulador não teria competência para impor novas condutas de mercado à Comcast. (Comcast Corp. v. FCC, 600 F.3d 642)

2 Nos termos da própria decisão: The Commission's findings that Internet openness fosters the edge-provider innovation that drives this "virtuous cycle" was likewise reasonable and grounded in substantial evidence. Continued innovation at the edge, the Commission explained, "depends upon low barriers to innovation and entry by edge providers," and thus restrictions on edge providers' "ability to reach end users . reduce the rate of innovation." (.) Verizon has given us no basis for questioning the Commission's determination that the preservation of Internet openness is integral to achieving the statutory objectives set forth in Section 706.

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*Tomás Filipe Schoeller Paiva é advogado do Mundie e Advogados.

*Sofia Fortes Cruz é estagiária do Mundie e Advogados.











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