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Operações imobiliárias, cláusula compromissória, evicção e direito de regresso

É oportuno chamar atenção para o desafio imposto pela evicção à arbitragem: como denunciar à lide o alienante de imóvel em ação de evicção movida por terceiro contra o adquirente?

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Atualizado em 6 de fevereiro de 2014 14:19

Com o aquecimento do mercado imobiliário nos últimos anos e o desenvolvimento da arbitragem no país, são cada vez mais frequentes contratos imobiliários, tais como contratos de compra e venda, com cláusulas compromissórias. Por isso, é oportuno chamar atenção para o desafio imposto pela evicção à arbitragem imobiliária, a saber: como denunciar à lide o alienante de imóvel em ação de evicção movida por terceiro contra o adquirente de tal imóvel?

Antes de se adentrar na análise do problema, alguns esclarecimentos prévios fazem-se necessários.

Evicção é a perda, total ou parcial, de determinado bem, em razão de direito anterior de terceiro, reconhecido por decisão judicial. Há evicção, por exemplo, quando 'A' adquire de 'B' a propriedade de um imóvel, mas, posteriormente, vem a perder essa propriedade, por força de sentença, proferida em ação que lhe foi movida por 'C', declarando que a compra e venda feita de 'B' para 'A' seria inválida, pois 'C' seria o verdadeiro proprietário original do imóvel - e não 'B', quem, portanto, não o poderia ter vendido para 'A'.

A vítima de evicção dispõe de direito regresso contra aquele que lhe transferiu o bem perdido, i.e., direito de cobrar a devolução do preço ou outra contraprestação dada em troca do bem, acrescida de indenização por eventuais perdas e danos.

Em geral, a forma mais eficiente de se exercer o direito de regresso é por meio da denunciação à lide, que, simplificadamente, é uma espécie de convocação do alienante do bem para participar de ação, movida por terceiro contra o adquirente de tal bem, da qual possa resultar evicção (no caso do exemplo acima, seria a convocação de 'B' para participar da ação movida por 'C' contra 'A'). A vantagem da denunciação à lide é que, se vier a ser proferida sentença decretando a evicção, essa mesma sentença também condenará o alienante do bem perdido a devolver o preço (ou outra contraprestação recebida) e a indenizar o adquirente.

Com isso, evitam-se dois problemas: O primeiro é que a vítima de evicção, após o final do processo em que decretada a perda de seu bem, tenha que ajuizar uma nova - e, muitas vezes, demorada - ação contra o alienante para exercer seu direito de regresso. E o segundo é que, nessa nova ação, que é autônoma em relação à de evicção, venha a ser proferida sentença incompatível com a anterior, declarando válida a alienação do bem e negando o direito de regresso, hipótese na qual o adquirente ficaria no pior dos mundos: perderia o seu bem e não receberia de volta o preço ou qualquer outra contraprestação.

A válida inclusão de cláusula compromissória em contrato imobiliário torna impositivo o recurso à arbitragem para a solução de quaisquer litígios decorrentes de tal contrato, inclusive disputas sobre direito de regresso, afastando a competência do Judiciário. E é aí que está o desafio de que se falou no início deste artigo.

Por um lado, seria possível argumentar que, como a denunciação à lide importa na convocação do alienante do imóvel para participar de ação judicial na qual se discuta a sua evicção, de modo a permitir que seja proferida sentença única sobre a perda do imóvel e o direito de regresso do adquirente, ela seria incompatível com a cláusula compromissória, na medida em que o recurso à arbitragem depende de manifestação de vontade das partes nesse sentido.

Mas, por outro lado, também se poderia sustentar que, diante de pedido de denunciação à lide, o juiz poderia admitir a inclusão do alienante no processo de evicção, de modo que eventual sentença decretando a perda do bem igualmente o vinculasse, e remeter a disputa específica sobre o direito de regresso à arbitragem. Nessa hipótese, caberia ao Tribunal Arbitral suspender a arbitragem até que encerrada a ação de evicção, pois a ocorrência ou não da perda do bem é questão prejudicial à decisão sobre o direito de regresso. Com isso, embora não se evitasse o primeiro problema citado acima, se resolveria o segundo, eis que, como o alienante ficaria vinculado pela sentença proferida na ação de evicção, ele não mais poderia discutir em qualquer outra demanda a validade da transferência do bem.

A questão ainda não foi objeto de exame pela jurisprudência dos principais tribunais do país, não sendo possível prever qual será o seu posicionamento. De toda sorte, é certo que, em contratos com cláusula de arbitragem, a denunciação à lide, se não for considerada inviável, será de difícil implementação prática e reduzida eficácia.

Nesse contexto, é importante avaliar a conveniência de incluir cláusula compromissória em contratos imobiliários ou, ao menos, de se excepcionar a obrigatoriedade de recurso à arbitragem em casos de evicção, deixando a critério do adquirente do imóvel a escolha quanto a exercer seu direito de regresso por meio de denunciação à lide a ser processada no Judiciário ou em processo arbitral autônomo.

Por fim, vale o registro de que a dificuldade relacionada à denunciação à lide é relevante também em outros tipos de contratos nos quais seja comum a inserção de cláusula de arbitragem e que habitualmente ensejem o exercício de direito de regresso em função da ação de terceiros, tais como contratos de seguros e de compra e venda de ações.

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* Guilherme Leporace e Paulo Ferreira Chor são advogados do escritório Lobo & Ibeas Advogados.

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