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A execução provisória e a limitação de 60 salários mínimos: uma condição da ação

Legislador foi por demais audaz mas ao mesmo tempo cauteloso ao estabelecer uma autorização para o levantamento do dinheiro sem caução.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Atualizado em 17 de fevereiro de 2014 12:32

Estabelece o artigo 475-O, inciso III, do CPC que:

"O levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem em alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo Juiz e prestada nos próprios autos."

Muito bem. Interpretando o dispositivo acima podemos facilmente concluir que a caução não é opcional e deve ser arbitrada pelo juiz logo no início da execução provisória, ou seja, na sua primeira manifestação nos autos. Isto é, tal norma impõe um dever ao magistrado.

Por sua vez, o § 2º e seu inciso I do mesmo dispositivo legal estabelecem exceções, in verbis:

"§ 2º. A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada:
I - quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário mínimo, o exequente demonstrar situação de necessidade
."

Como visto, para a dispensa da caução três requisitos devem ser cumpridos de forma cumulativa: (a) crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito; (b) o limite de 60 salários mínimos e (c) a comprovação de situação de necessidade.

Tendo em vista que estamos tratando de uma execução provisória, cujo crédito ainda não é definitivo - aliás pode até não haver crédito dependendo do resultado final - o legislador foi por demais audaz mas ao mesmo tempo cauteloso ao estabelecer uma autorização para o levantamento do dinheiro sem caução.

Contudo a intenção do legislador não foi apenas e tão somente impor limites para o levantamento do dinheiro, a interpretação lógico-sistemática de tais dispositivos legais nos leva a concluir que houve também a criação de um limite ao próprio início da execução provisória.

E esse limite é monetário, ou seja, o valor correspondente a 60 salários mínimos.

Desta feita, em situações que dispensam caução ou quando o exequente não pode prestá-la, como previsto no § 2º, inciso I do artigo 475-O do CPC, verifica-se que é vedado que se dê início a uma execução provisória de valor superior a 60 salários mínimos.

Ou seja, não se mostra juridicamente possível que o exequente de um crédito provisório de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, deflagre uma execução provisória de valor superior ao limite legal de 60 salários, sob pena de penhora do pretenso crédito integral.

Tal ilação resulta da interpretação conjunta do CPC, mais especificadamente de seus artigos 475-O, § 2º, inciso I, e 620, a qual concretiza o princípio da menor onerosidade ao executado.

Nesse contexto, dispõe o artigo 620 do CPC que:

"Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o Juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor."

Ademais, como a norma supra está inserida nas Disposições Gerais do Título II do CPC, não se pode negar sua perfeita aplicação na execução provisória de sentença.

Nesse contexto, indaga-se:

Se não há caução, seja por dispensa legal ou impossibilidade financeira do exequente, e como se trata de uma execução provisória em que é vedado o levantamento de quantia superior a 60 vezes o valor do salário mínimo, por que o executado deve depositar o valor ou mesmo garantir de outra forma a execução provisória de um valor superior e supostamente correspondente ao crédito integral?

Não há lógica razoável nisso, e tal procedimento fere de morte o princípio da menor onerosidade previsto no artigo 620 do CPC.

A respeito do tema, nos valemos das preciosas lições do I. professor Cândido Rangel Dinamarco1, verbis:

"Diante dessas razões de equilíbrio entre valores e do que impõe o direito positivo, a dispensa da caução por necessidade depende dos três pressupostos cumulativos assim definidos:
I - que o crédito seja de natureza alimentar...
II - que ele não seja superior ao equivalente a sessenta salários mínimos (...) Se o crédito for maior, o credor poderá promover a execução provisória até àquele limite sem nada caucionar; pelo excesso, ele executará quando puder e quiser prestar a caução ou, em caso contrário, após o trânsito em julgado da sentença ou acórdão.
III - que o exequente se encontre em situação de necessidade..
."

No mesmo sentido estão os comentários de Antônio Carlos de Araújo Cintra2, verbis:

"Se o crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito for superior a sessenta vezes o salário mínimo, o juiz poderá, contudo, admitir a execução provisória até aquele limite, independentemente de caução, restando ao credor aguardar o trânsito em julgado da sentença ou acórdão para executar o excesso."

Assim, se em face desse quadro processual o direito positivo apenas admite - e desde que cumpridas específicas e rígidas condições - o levantamento de valor equivalente a 60 salários mínimos, não há razão lógica e jurídica alguma, e até mesmo manifesta impo ' *-0ssibilidade jurídica, de se iniciar a execução provisória por valor superior a este limite.

Aliás, é nesse sentido o precedente do STJ ao julgar o REsp 1.066.431-SP, 3ªT., Min. Nancy Andrighi, j. 15/09/2011, DJe 22/09/2011, verbis:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. VERBA ALIMENTAR. DISPENSA DE CAUÇÃO. PRETENSÃO DE LEVANTAMENTO DE QUANTIA MENSAL CORRESPONDENTE A TRINTA SALÁRIOS MÍNIMOS PARA CADA EXEQUENTE.
(...)
6. Ainda que o crédito de natureza alimentar seja superior a sessenta vezes o salário mínimo, o juiz poderá admitir a execução provisória, dispensando a caução, até o limite do valor legal, sendo que a execução do excesso somente poderá ser realizada após o trânsito em julgado da sentença ou acórdão, ou mediante caução.
7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.

Como visto, temos uma manifesta limitação ao início de uma execução provisória, ou seja, uma possibilidade jurídica desta, que se traduz em uma inequívoca condição da ação, a qual, na qualidade de uma objeção processual, deve ser verificada de ofício pelo magistrado.

Em tais situações - dispensa de caução ou impossibilidade de prestá-la -, não se mostra possível proceder à intimação do executado para que deposite a importância superior ao limite legal de 60 salários mínimos ou nomeie bens suficientes para garantir tal valor, sob pena de penhora do valor correspondente ao suposto crédito integral.

______________

1 Instituições de Direito Processual Civil, vol. IV, Ed. Malheiros, p. 911, 2009.
2 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV., Rio de Janeiro. Forense, 2008, p.396.

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* Rafael Alessandro Viggiano de Brito Torres é advogado do escritório Zamari e Marcondes Advogados Associados S/C.


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