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Não incidência de ICMS sobre PIS e COFINS suspensas pelo REIDI

Não incidência de ICMS sobre a Contribuição ao PIS e a COFINS suspensas pelo REIDI: extrafiscalidade e incentivo

Thais De Laurentiis

Os valores de PIS e COFINS suspensos pelo REIDI não integram a base de cálculo do ICMS, pois não caracterizam hipótese de desconto condicional.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Atualizado em 21 de fevereiro de 2014 11:56

Com o advento do Estado moderno, restou ultrapassado o antigo paradigma segundo o qual não cabia ao Poder Público atuar na economia. Assim, passou-se a adotar um modelo de "Estado intervencionista", cuja função é cumprir os fins sociais por ele mesmo traçados em sua Carta Constitucional.

No caso brasileiro, os fins a serem perquiridos pelo Estado encontram-se elencados na Constituição (artigo 170 e seguintes)1 e o tributo é utilizado como instrumento para tanto. Mais especificamente, o tributo serve como forma de intervenção indireta do Estado sobre o domínio econômico, nos termos do artigo 174 da CF/88, cujos dizerem outorgam-lhe a função de "incentivar" a atividade econômica, enquanto agente normativo e regulador.

Neste sentido, não há dúvidas sobre a queda do dogma da neutralidade da tributação unicamente arrecadatória, sendo ela hoje amplamente vista e utilizada nas suas funções extrafiscais: distributiva e alocativa.

Dentro deste contexto de intervenção do Estado sobre o domínio econômico, o REIDI - Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infra-Estrutura, instituído pela lei 11.488/072, foi criado pelo governo Federal com o escopo de dar maior efetividade ao PAC - Programa de Aceleração do Crescimento.

Para alcançar este objetivo, a lei 11.488/07 autoriza a suspensão da Contribuição ao PIS - Programa de Integração Social e da COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social referentes às receitas advindas de vendas de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos destinados ao ativo imobilizado de empresas detentoras do REIDI. Após a utilização ou incorporação do bem ou material de construção na obra realizada ao abrigo do REIDI, a citada suspensão converte-se em alíquota zero. Porém, caso esse bem não seja utilizado na obra em questão, as contribuições deverão ser recolhidas com os devidos acréscimos legais (juros e multa).

Em face deste cenário, os intérpretes da lei (advogados, empresários, políticos, juízes, etc) poderiam questionar: observando os mandamentos da legislação do REIDI, devem ser incluídos os valores relativos à Contribuição ao PIS e a COFINS na base de cálculo do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços devido pela sociedade vendedora dos bens?

Tal dúvida surge em face da orientação traçada pelo artigo 13, §1º, II, "a" da LC 87/96 (conhecida como lei Kandir, fundadora da disciplina nacional a ser obedecida por todos os entes federados relativamente ao ICMS), segundo a qual os descontos condicionais incluem-se na base de cálculo do ICMS. Assim, interligando as normas jurídicas em questão, poder-se-ia cogitar que a suspensão e subsequente alíquota zero das Contribuições Sociais, por estarem vinculadas à utilização dos bens em obras de infraestrutura abarcada pelo REIDI, são descontos condicionais e, consequentemente, deveriam compor a base de cálculo do ICMS a ser arrecadado pelo Estado.

Para solucionar a questão, faz-se imperioso relembrar o conceito de "condição", posta no artigo 121 do CC/02, nos seguintes dizeres "considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto". Exemplo clássico do desconto condicional é o melhor preço pela antecipação do pagamento devido3.

Disto, já é possível perceber que a lei 11.488/07 não trouxe hipótese de desconto condicional, pois, como consignou a COPAT - Comissão Permanente de Assuntos Tributários, da Secretaria de Estado da Fazenda de SC, ao analisar a matéria na solução de consulta 98/11: "enquanto o desconto se configura como um mecanismo de negociação utilizado nas atividades comerciais, envolvendo vendedor e comprador, a alíquota zero se caracteriza como um benefício fiscal, decorrente de norma legal, dispensando a incidência do tributo".

Assim, concluímos que os valores de PIS e COFINS suspensos e posteriormente convertidos em alíquota zero, na forma da lei 11.488/07, não integram a base de cálculo do ICMS, pois não caracterizam hipótese de desconto condicional.

Ademais, relembremos, a legislação nacional (LC 87/96), seguida pelos regulamentos do ICMS implantados pelos Estados federados (e.g. o artigo 37 do RICMS/SP - decreto estadual 45.490/00), não dispôs expressamente sobre a situação de tributos suspensos/alíquota zero como componente da base de cálculo do ICMS. Como em matéria tributária reina o princípio da estrita legalidade, de acordo com o qual a Administração só pode cobrar aquilo que está expressamente previsto em lei, conclui-se, mais uma vez, que os montantes relativos a Contribuição ao PIS e a COFINS suspensos pele legislação do REIDI não implicam na tributação pelo ICMS.

Por fim, é válido realçar que esse entendimento, além de ser baseado nas estritas balizas impostas pela legislação infraconstitucional4, encontra-se em perfeita harmonia com os objetivos estabelecidos pelo programa de desenvolvimento nacional para o qual foi criado (REIDI e PAC) e com a linha intervencionista traçada pela CF/88. Aqui, reiteramos, não é a voz arrecadatória que fala mais alto, mas sim os sussurros extrafiscais, clamando pelo desenvolvimento nacional a ser alcançado, inclusive, por intermédio da tributação.

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1 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

2 A lei em questão, por sua vez, foi regulamentada pelos decretos 6.144 e 6.167, ambos publicados em julho de 2007. Também houveram alterações trazidas pela IN RFB nº 778 de 19 de outubro de 2007, pela MP 413/08 e pelo decreto 6.416/08.

3 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. São Paulo: Dialética. 2012, p. 237.

4 Ressaltamos que essa foi a solução dada pelo RICMS/SP sobre o ICMS devido no desembaraço aduaneiro de mercadoria ou bem importados do exterior, com o artigo 37, § 8º, ao dispor que "havendo suspensão de tributos federais por ocasião do desembaraço aduaneiro, o lançamento da parcela do imposto correspondente a esses tributos federais fica também suspenso, devendo ser efetivado no momento em que ocorrer a cobrança, pela União, dos tributos federais suspensos".

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* Thais De Laurentiis é sócia do escritório Frullani, Galkowicz, Mantoan, De Laurentiis Advogados.

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