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Mais um crime hediondo, por Eudes Quintino e Antonelli Secanho

Mais um crime hediondo

"Quanto maior o rol de crimes considerados hediondos, maior será a criminalidade do país."

domingo, 25 de maio de 2014

Atualizado em 23 de maio de 2014 15:07

O crime de exploração sexual de crianças e adolescentes está tipificado no artigo 218-B, do Código Penal, cujo nomen iuris é favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável.

"Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone - Pena: reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos".

Desta forma, levando em conta a triste realidade do país, nossos congressistas, premidos pela própria sociedade e com a aproximação da Copa do Mundo, resolveram arregaçar as mangas e municiar as autoridades para um enfrentamento efetivo do ilícito, corriqueiro até em algumas regiões.

Com efeito, verifica-se um preocupante aumento no número de crianças e adolescentes que são exploradas sexualmente, em sua mais ampla forma, denotando o mais torpe motivo para criminosos sujeitarem pessoas em desenvolvimento a práticas sexuais visando lucro ou não.

A presidente da República sancionou a lei 12.978, de 21/5/2014, que visa endurecer o combate judicial à modalidade criminosa em enfoque, já que altera seu nomen iuris (passará a se chamar crime de favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável) e o introduz no rol de crimes hediondos.

Sendo assim, torna-se necessária uma breve análise da lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos - LCH).

Numa rápida pincelada, os crimes hediondos têm apoio na Constituição Federal, artigo 5º, inciso XLIII: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

Cumpre observar, portanto, que este inciso nada mais é do que uma norma constitucional de eficácia limitada, vez que demanda uma atuação do legislador infraconstitucional para que tenha eficácia ("a lei considerará..."). Caso não houvesse lei ordinária federal, referido inciso restaria inaplicável por falta de eficácia.

Sendo assim, o legislador infraconstitucional optou por elaborar a lei Federal exigida constitucionalmente - lei 8.072/90 (LCH) - trazendo os crimes chamados hediondos (art. 1º), os a eles assemelhados (art. 2º caput) e as consequências de sua hediondez (incisos e parágrafos do artigo 2º).

Assim, a primeira conclusão é a de que somente a lei Federal pode prever quais crimes serão hediondos (critério legal - rol taxativo). Qualquer crime, por mais ignóbil que seja, que não esteja previsto no rol do artigo 1º, LCH, não será considerado como tal e, portanto, a ele não serão aplicadas as disposições legais (o crime de latrocínio, tipificado no artigo 157, §3º, CP, é hediondo; já o crime de roubo, tipificado no artigo 157, caput, CP, não é hediondo, por falta de expressa previsão legal).

No mais, a LCH traz, em seu artigo 2º, consequências distintas do Código Penal tanto para os crimes hediondos, como os a eles assemelhados:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto;

II - fiança.

§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

§ 3o Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

§ 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Assim, em breve comentário:

a) Inciso I - são causas de extinção da punibilidade, denotando renúncia do poder de punir do Estado. A anistia, de iniciativa do legislativo federal, é concedida por lei ordinária, retroativa e irrevogável e promove a exclusão do crime, fazendo com que apenas os efeitos extrapenais subsistam. Já a graça possui um caráter notadamente individual, prevista no artigo 188 da lei de Execuções Penais, enquanto que o indulto engloba um caráter geral, previsto no artigo 193, da mesma lei, ambas de iniciativa do executivo.

b) Inciso II - demanda uma especial atenção do intérprete. Ainda que a fiança seja vedada, nada impede a concessão de liberdade provisória sem fiança, já que a proibição abstrata desse instituto é considerada inconstitucional1.

c) §1º- o cumprimento inicial da pena em regime fechado foi considerado inconstitucional, mediante via de controle difuso de constitucionalidade (incidenter tantum), conforme HC 111.840 - STF. Assim, o magistrado deve se valer das regras gerais de aplicação da pena, conforme artigos 33 e 59, ambos do CP, para fixar o regime inicial a ser cumprido por condenado a crime hediondo ou assemelhado.

d) §2º - essas especiais frações de cumprimento de pena autorizadoras de progressão de regime continuam em pleno vigor, demandando que o condenado cumpra 2/5 da pena, se primário, ou 3/5 se reincidente (bastante superiores à fração da lei de Execuções Penais, artigo 112, que exige o cumprimento de 1/6 da pena para os crimes comuns).

e) Incidência da súmula 9, STJ, em que a exigência da prisão para apelar não ofende o princípio da presunção de inocência, desde que o magistrado fundamente sua decisão, de modo a demonstrar claramente a existência dos requisitos autorizadores da prisão cautelar, não bastando alegar a gravidade abstrata do crime.

f) Na decretação da prisão temporária o prazo será de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade, diferente dos crimes comuns que autoriza 5 dias, prorrogável pelo mesmo período.

Da rápida análise observa-se que existem, sim, grandes diferenças entre um crime comum e um hediondo (ou assemelhado). A lei já entrou em vigor e sua aplicação se faz necessária para o combate a tão odiosa modalidade criminosa. Só resta lembrar que, quanto maior o rol de crimes considerados hediondos, maior será a criminalidade do país. Porém, não há nenhuma alternativa visto que foram esgotados todos os outros meios de persuasão social.

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1HC 104.339 - STF reconhece, em plenário, a inconstitucionalidade. HC 242.524 - STJ.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.




* Antonelli Antonio Moreira Secanho é advogado, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.



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