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O Nepotismo, o Congresso, o Conselho Nacional de Justiça e a Constituição Federal

O assunto em epígrafe tem se destacado cada vez mais em razão das crescentes denúncias da prática desta moléstia, que consiste no favoritismo, patriarcalismo, enfim, no abominável e indiscriminado emprego de parentes em cargos públicos pelos seus padrinhos.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

Atualizado em 10 de janeiro de 2006 09:06


O Nepotismo, o Congresso, o Conselho Nacional de Justiça e a Constituição Federal

Georges Louis Hage Humbert*

O assunto em epígrafe tem se destacado cada vez mais em razão das crescentes denúncias da prática desta moléstia, que consiste no favoritismo, patriarcalismo, enfim, no abominável e indiscriminado emprego de parentes em cargos públicos pelos seus padrinhos.

Esta prática repugnante é historicamente conhecida. Na Roma antiga, dava-se o nome de nepotismo à autoridade que os sobrinhos e outros parentes do Papa exerciam na administração eclesiástica. Hoje o nepotismo está presente na Administração Pública sendo corriqueira a sua prática nas diversas esferas do Poder.

Mas, por ora, não nos insurgiremos quanto aos dados e denúncias veiculadas na mídia, os quais contabilizam, a cada dia, um número maior de favorecimento a parentes e amigos por parte dos detentores de mandato popular. O que nos tem deixado perplexo e tem nos atormentado são duas situações recentes as quais tomamos conhecimento através da imprensa e, ao que parece, estão ganhando força.

A primeira é a defesa veemente ao patriarcalismo manejada pelos políticos e por membros do Poder Judiciário. O ex-presidente da câmara dos deputados, por exemplo, já se manifestou abertamente a favor do familismo, levantando esta bandeira sob o frágil e insubsistente argumento, mas que é comum a todos que hasteiam esta bandeira e que consiste no trinômio "cargo de confiança = pessoa de confiança = parente/amigo íntimo".

Quanto aos políticos que insistem em defender o nepotismo, indubitavelmente a urna é o melhor e mais eficaz meio de expurgá-los da vida pública, demonstrando a nossa indignação.

Mas a segunda situação é mais grave e preocupante. Os congressistas estariam estudando uma proposta de Emenda Constitucional para inserir novo dispositivo na nossa lei maior vedando expressamente esta prática nefasta. Já o Conselho Nacional de Justiça, órgão que fiscaliza a atividade dos tribunais, decidiu, no dia 27 de setembro de 2005, a proibição de nomeação ou designação, para cargos em comissão e funções gratificadas em tribunais ou juízos, de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau dos membros ou juízes a estes vinculados.

Louvável e digna de aplauso qualquer mobilização tendente a abolir de nosso sistema político o nepotismo. Contudo, desnecessária a provável proposta de Emenda Constitucional para tratar especificamente sobre a matéria e qualquer outra lei sobre o tema.

Isto porque, desde de Outubro de 1988, quando da sua promulgação, a nossa Carta Política já veda e repreende a contratação indiscriminada de parentes para ocupar cargos Públicos.

Com efeito, são Princípios Constitucionais insertos no art. 37 da Constituição Federal de 1988, e que devem nortear a Administração Pública nas três esferas de poder, a Moralidade, a Impessoalidade e a Razoabilidade, princípios estes que, como mandamentos nucleares do sistema administrativo brasileiro, por si só impõe aos agentes públicos o dever de exercer suas atividades em conformidade com o interesse público, a probidade e a ética, sendo que a administração não pode agir com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que deve prevalecer.

Portanto, consagra a nossa norma maior o atuar do administrador público de acordo a honestidade, a licitude, com o não exercício abusivo dos direitos, o não locupletar-se a custa do Erário, enfim, o atuar do agente público de acordo com o bem, o justo, os bons costumes, visando o melhor para a sociedade, para a coletividade.

Ora, da simples leitura do capítulo que trata da administração pública (art. 37 e ss) e dos seus princípios basilares e dos mandamentos que destes defluem, temos que a Constituição, insofismavelmente, proíbe o nepotismo!!!

Sabe-se, ademais, que princípios também são normas, no sentido em que já determinam ou autorizam determinados comportamentos, ou ao menos vedam a adoção de comportamentos com ele conflitantes. Esta força normativa dos princípios é ainda maior quando expressamente previsto na Lei Máxima do estado.

Os princípios Constitucionais servem de norte, parâmetro, regras a serem seguidas por todas as demais normas e atos administrativos. São dotados de eficácia plena e aplicabilidade imediata.

Muitas vezes o ato é legal, ou não é vedado explicitamente, mas contrapõe-se a estes princípios, sendo, desta forma automaticamente não recepcionados pela nossa norma maior, devendo ser imediatamente desfeitos.

Assim, a luz dos dispositivos constitucionais mencionados e de todo o seu conjunto sistemático, devemos a cada caso concreto verificar se o ato de contratação para cargos públicos os respeitou.

Neste sentido, seria lícito a contratação de um filho, um parente, um amigo altamente qualificado para exercer determinada função, de confiança, inerente à sua especialidade.

De outro lado, verifica-se claramente a prática abusiva, ilegal, antiética e inconstitucional, a contratação indiscriminada de dezenas de parentes ou amigos desqualificados e inexperientes para exercício de cargos públicos.

Diante do exposto, forçoso concluir que a vedação ao nepotismo já encontra fundamento na nossa Constituição Federal, através dos princípios supra mencionados. E a contratação nestes termos é ato de improbidade administrativa, que pode, ou melhor, deve ser combatida através da Ação Civil Pública e da Ação Popular.

Por estas razões, entendemos que qualquer proposta de emenda constitucional e qualquer lei tendente regular a matéria, com dispositivos que vedem expressamente o nepotismo será desnecessária e servirá apenas para, enquanto estas normas não forem promulgadas, esteja legitimado o nepotismo, pois sabemos que certamente os maus políticos - apoiados pelos maus operadores do direito - sustentarão esta prática nefasta sob o falacioso e tão utilizado fundamento - absurdamente legalista - de que ainda não há vedação legal expressa a este mal, que já encontra limite no nosso sistema constitucional.
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*Advogado. Mestrando em Direito do Estado - Urbanístico/Ambiental pela PUC/SP





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