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A ata notarial - Um breve esboço sobre a adaptação entre as normas de direito estrangeiro, brasileiro e a prática profissional

O tabelião de notas conserva os atos e fatos nos livros e os reproduz, atribuindo-lhes fé. Atua também como auxiliar da administração da justiça como conselheiro ou assessor.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

Atualizado em 10 de janeiro de 2006 17:18


A ata notarial - Um breve esboço sobre a adaptação entre as normas de direito estrangeiro, brasileiro e a prática profissional

Felipe Leonardo Rodrigues*


Tabelião de notas


Profissional do direito investido de fé pública pelo Estado e que tem a seu cargo interpretar, redigir e dar forma legal à vontade das partes e certeza jurídica aos atos e fatos ante sua fé, mediante consignação dos mesmos em instrumentos de sua autoria.

O tabelião de notas conserva os atos e fatos nos livros e os reproduz, atribuindo-lhes fé. Atua também como auxiliar da administração da justiça como conselheiro ou assessor.

A autoridade notarial consiste em escutar, interpretar, aconselhar às partes, preparar, redigir, certificar e produzir o instrumento.

Ao iniciar suas atividades, outorga audiências, nas quais propõe aos interessados suas possíveis soluções.

O tabelião interpreta os desejos dos particulares e procura a melhor maneira de satisfazê-los no âmbito jurídico. Como conselheiro deve adequar os interesses das partes ao sistema jurídico com objetivo de que o negócio se encontre afeiçoado ao Direito.

O tabelião não obstante pode encontrar uma solução típica ou atípica para resolver o conflito que lhe proponham as partes. Uma vez que se tem a solução, o tabelião prepara a redação necessária para lavrar a escritura pública (contratos, mandatos e testamentos) ou a ata notarial.

A fé faz referência a diversos fatos, dá fé da existência dos documentos relacionados na escritura e nos dossiês, dá fé dos fatos ou das coisas constatadas em ata notarial, dá fé da identificação das partes, dá fé da leitura e explicação do instrumento, inclusive o efeito da norma inserida no instrumento, da fé da capacidade das partes, dá fé da existência da vontade.

Uma vez atribuído fé à escritura pública ou à ata notarial, o tabelião converte o documento em autêntico e permite que o mesmo sirva como prova plena, conservando e reproduzindo os documentos notariais que se expeça sob sua fé, em forma de certidão.

O documento notarial é o instrumento que contém a fé pública do tabelião e tem o caráter de documentário público e como tal, surte prova plena, salvo se declarado nulo.

Exclusividade em autenticar fatos

A lei federal 8.935/94, nos arts. 6º e 7º, atribui ao tabelião de notas a exclusividade em autenticar fatos, por meio da ata notarial.

Fato é ação, acontecimento, o que é real, dado pela experiência, fenômeno, caso, etc.

Fato Jurídico é todo acontecimento, natural ou humano e suscetível de produzir efeitos jurídicos.

Ensina Maria Helena Diniz que "o fato jurídico pode ser natural ou humano"; sendo que "fato humano é o acontecimento que depende da vontade humana, abrangendo tanto os atos lícitos como os ilícitos1".

Vitor Frederico Kümpel leciona que "para um acontecimento ser considerado um fato jurídico é necessário que esse acontecimento, de alguma forma, reflita no âmbito jurídico, ou seja, fato jurídico é todo acontecimento da vida relevante para o direito, mesmo que seja ilícito2".

O direito também tem o seu ciclo vital: nasce, desenvolve-se e extingue-se. Essas fases ou momentos decorrem de fatos, que são denominados "fatos jurídicos", exatamente por produzirem efeitos jurídicos3.

Ata notarial

Instrumento por meio do qual o tabelião atribui fé aos fatos.

Definição

Conceituamos como o instrumento no qual o tabelião ou preposto, a pedido de pessoa capaz ou representante legal, materializa fielmente em forma narrativa os fatos, o estado das coisas e de pessoas, de tudo aquilo que verifica com seus próprios sentidos sem emissão de opinião, juízo de valor ou conclusão, portando por fé que tudo aquilo presenciado e relatado representa a verdade, e consignando em seu livro de notas ou no próprio documento apresentado.

Classificação

Com o advento da promulgação da Lei Federal 8.935/94, nos arts. 6º e 7º, buscou-se do Direito Comparado a ata notarial, cuja existência lato sensu já estava inserida no art. 364 do Código de Processo Civil Brasileiro.

Desta forma, temos duas classificações:

1. Ata Notarial Protocolar

Significa o conjunto de livros formados por folhas numeradas, nas quais o tabelião autoriza a lavratura das atas notariais, cujos objetos de constatação ficam perpetuados ante sua fé.

O sistema inserido na norma infraconstitucional é a do Protocolo, isto é, um conjunto de folhas numeradas, que em princípio se encontram sem empastar, mas se amoldam em livros de no máximo duzentas folhas em cada um deles.

Em cada livro existe um complemento denominado "Pasta Extra", na qual se colecionam os documentos e demais elementos materiais relacionados com a ata notarial que fazem parte do protocolo.

Protocolo tem um conceito amplo, pois é considerado como todos os instrumentos lavrados no tabelionato, arquivado, conservado e deles reproduzindo os documentos notariais que se expeçam em forma de certidão.

2. Ata Notarial Extra-protocolar

Significa a realização do instrumento sem arquivamentos no tabelionato, ou seja, são atos avulsos, sem a possibilidade da emissão de certidões.

Oposto do sistema de protocolo que consagra um conjunto de folhas numeradas, formando um livro próprio, a ata notarial extra-protocolar é lavrada no tabelionato e no próprio documento apresentado. Após sua entrega ao interessado, este ato desaparece da serventia como uma autenticação ou um reconhecimento de firmas.

A diferença nítida entre o sistema protocolar e o extra-protocolar é a possibilidade da emissão de certidão dos atos lavrados sob o sistema protocolar, o que não é possível naquele sistema.

O primeiro conserva a certificação do fato no livro de notas próprio, e o segundo conserva a certificação no próprio documento apresentado pelo interessado.

Um exemplo simples é a ata notarial de verificação de fatos na rede de comunicação de computadores internet.

Com a feitura da ata notarial protocolar, faz-se a verificação dos fatos solicitados, após lavra-se no livro próprio, ficando aquele fato perpetuado no tabelionato e podendo emitir tantas quantas certidões.

Com a ata notarial extra-protocolar, o interessado apresenta a impressão do sítio eletrônico ao tabelião, então este faz à confrontação, e após, lavra-se a ata notarial extra-protocolar no próprio verso da folha apresentada, sem arquivamento do ato no tabelionato.

Estrutura da Ata Notarial

A ata notarial se estrutura em cinco procedimentos básicos:

Primeiro procedimento: Quem é o solicitante e sua identificação. Solicitante é a denominação da pessoa que solicita a ata notarial, ou seja, a verificação de determinado fato ou coisa. São legítimas para solicitar:

  • a) pessoas capazes;
  • b) incapazes relativamente (maiores de dezesseis e menores de dezoito);
  • c) procuradores;
  • d) pessoas jurídicas;

Se a solicitação for de incapaz, deve-se mencionar expressamente a idade e por quem representado ou assistido; se a solicitação for de procurador, mencionar expressamente a representação por procuração, inclusive menção a data, livro, folha e, em qual tabelionato foi lavrada a procuração, e data da expedição da certidão, quando exibida por esta forma; se a solicitação for de pessoa jurídica, os documentos comprobatórios e próprios da representação.

Ademais, constarão nome completo e qualificação (nacionalidade, estado civil, profissão, número do documento de identidade, repartição expedidora, número de inscrição no cadastro de pessoas físicas, domicílio e residência) do [s] solicitante [s], assistente [s], procurador [es] ou representante [s].

O pedido de verificação através de ata notarial pode ser feito por qualquer meio de comunicação (telefone, fax, e-mail) ou pessoalmente. Frisamos: Na lavratura do ato, o solicitante estará pessoalmente perante o tabelião ou preposto, que irá identificá-lo e proceder-se-á a leitura e colheita da assinatura do mesmo.

Segundo procedimento: Data e hora da solicitação e verificação dos fatos, do estado das coisas.

Constará data e hora precisa da verificação dos fatos ou da coisa. Contudo, constará a data da lavratura, eventuais datas distintas de verificações, e datas de verificações sucessivas. Ex. verificação do fato no dia "x" e lavratura do ato no dia "y".

È plenamente válida a verificação de fatos em dias anormais do expediente notarial, como aos sábados e domingos.

Salientamos
: São casos excepcionais, e dependerá do entendimento do tabelião ou preposto, o qual verificará se os fatos devem ser constatados naqueles dias ou podem ser verificados em outro, sem prejuízo do seu desaparecimento.

Da mesma forma, a verificação dos fatos pelo tabelião ou preposto pode ser realizada a qualquer hora, inclusive naquelas antecedentes e supervenientes do expediente notarial.

Porém: Devem-se mencionar as circunstancias do fato na própria ata notarial, como a data, o dia da semana (quando sábado ou domingo) e as horas, evidenciando a verdadeira realidade dos fatos.

Terceiro procedimento: Local da verificação.

Os fatos ou coisas podem ser verificados na serventia, como por exemplo, na verificação de fatos na internet, onde o tabelião ou preposto acessará e verificará seu conteúdo em computador próprio.

Grifo nosso: Atualmente, se o tabelião ou preposto não tiver conhecimentos em informática, facilmente poderá ser induzido a erro, pois ao acessar e verificar fatos na internet através de computadores de terceiros, poderá acessar páginas já armazenadas no computador (navegando em off line).

Atualmente há programas que dão aparência às páginas off line ou armazenadas, como se estivessem realmente na rede mundial de computadores - Internet. Frisamos: Evitem verificar fatos, através de computadores de terceiros, exceto na verificação da existência de mensagens eletrônicas (e-mails).

Fatos verificados em diligência, o tabelião ou preposto, nesses casos verificará sua competência territorial, conforme dispõe o art. 9º da Lei 8.935/94, e nos lugares onde o acesso deva ser autorizado previamente, como por exemplo, a entrada em residência particular, no remanescente não há impedimentos.

Quarto procedimento: O fato descrito ou presenciado (objeto).

Geralmente as atas notariais - quanto aos objetos, se classificam em: lícitos e ilícitos; físicos, eletrônicos e sensoriais.

Os fatos lícitos são aqueles que não contrariam as leis, os contratos, dentre outros, simplesmente fatos cotidianos, como por exemplo, a materialização de um evento, a publicação de um livro ou lançamento de um site.

Os fatos ilícitos, como já mencionamos em outras oportunidades, podem ser verificados e descritos em ata notarial, o papel primordial da ata notarial é materializar o fato, se o fato é ilícito, será materializado como foi presenciado pelo tabelião e, a toda evidência, não poderá contribuir para propagar o fato ilícito.

Entretanto, excluem-se os crimes penais - tais como: verificação de homicídios, lavratura de termos - estelionatos, lesões corporais, etc. A nosso ver, a constatação e materialização destes fatos são de competência exclusiva da polícia judiciária.

Os fatos em meio físico são aqueles que podem ser tocados, que não mudam constantemente, como por exemplo, a verificação do estado de um imóvel.

Os fatos em meio eletrônico são aqueles, ao contrário dos físicos, não podem ser tocados ou palpados; são aqueles que mudam constantemente, como por exemplo, a verificação de uma notícia em determinado site na internet.

Os fatos em meio sensorial são aqueles verificados por meio da visão, audição e olfato - o tabelião ou preposto verifica com seus próprios sentidos. Cito por exemplo, a verificação de um diálogo telefônico em sistema viva-voz ou a verificação de substâncias (fabricação de charque), cujo odor exala em excesso.

Quinto procedimento: Finalidade da ata notarial.

Este procedimento refere-se à intenção do solicitante, onde o tabelião ou preposto verificará qual o instrumento hábil para sua solicitação; informando se o êxito esperado é consubstanciado em ata notarial ou escritura pública.

Limitação do tabelião

No tocante aos limites da ata notarial, se dão pela competência territorial e atribuições de outros delegados pelo poder público (como por ex: ata de protesto de títulos, atribuída ao tabelião de protesto; ata de notificação, atribuída ao oficial de registro de títulos e documentos).

No remanescente, o instrumento pode ser usado irrestritamente, nos âmbitos judicial e extrajudicial. A natureza da ata notarial é autenticar, como o fato se encontra.

Adaptação entre as normas do Direito Brasileiro, do Estrangeiro e a Prática Profissional

Ousemos aqui, no estudo da ata notarial, fazer uma adaptação entre as normas do Direito Brasileiro, Estrangeiro e a experiência de aproximadamente cinco mil* atas lavradas.

Seção V

Das Atas Notoriais

1. A ata notarial é instrumento público, cuja finalidade principal é autenticar, por meio do tabelião e a pedido do solicitante, os fatos ou situações que lhe constem ou ocorram em sua presença4.

  • 1.1. Para efeitos de autenticação, equiparam-se aos fatos, os acontecimentos, as coisas, comprovação de seu estado, sua existência e a de pessoas.

2. A ata notarial é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena5.

3.
Ata notarial será aplicável, no pertinente, as disposições das escrituras públicas, com as modificações desta seção6.

  • 3.1. As atas notariais deverão conter os seguintes requisitos:

    • a) Na introdução, se fará constar a solicitação da parte interessada para a intervenção do tabelião;
    • b) Se a parte interessada for incapaz, se fará constar a solicitação para a intervenção do tabelião, e que, a juízo deste, tem interesse legítimo;
    • c) A solicitação apartada será assinada pela parte interessada e arquivada;
    • d) Indicação do local, do dia, mês, ano e hora;
    • e) Declaração de haver sido lida ao solicitante, e, sendo o caso, às testemunhas;
    • f) Assinatura do solicitante, ou de alguém a seu rogo, e, sendo o caso e se possível, das testemunhas;
    • g) Assinatura e sinal público do tabelião.


4.

O tabelião poderá autorizar a lavratura do ato, ainda que algum dos solicitantes recusar-se a assinar, do qual se mencionará a circunstância.

5.
O tabelião, de ofício, poderá autenticar fatos de interesses coletivos ou difusos.

6.
Na descrição se relatarão, objetiva e concretamente, todas as circunstâncias necessárias, os detalhes ou condições solicitadas, inclusive os fatos ou atos ilícitos. Contudo, deverá recusar seu oficio se o solicitante atuar ou solicitar-lhe que aja contra a moral, a ética, os costumes e a lei.

7.
As atas notariais não requerem unidade de ato nem de redação. Por tal razão, poderão estender-se simultaneamente ou com posterioridade aos fatos que se narrarem. Poderão separar-se em duas ou mais partes ou diligências, em ordem cronológica, o qual deverá advertir-se.

8.
O tabelião não está vinculado ao expediente notarial; podendo autenticar os fatos em qualquer dia e horário7.

9.
O tabelião praticará as diligências sem a participação do solicitante quando por seu objeto não for necessário.

10.
Se a diligência se referir a proteção de coisas, elementos ou sistemas, a juízo do tabelião, sendo possível, se disporão medidas para comprovar sua autenticidade ou evitar sua alteração.

11.
As atas notariais poderão conter apensos físicos ou digitais, bem como impressões de imagens, em colorido ou em preto e branco8.

12.
Nas atas notariais poderão incluir-se relatórios ou juízos de profissionais, peritos e outros concorrentes, sobre a natureza, as condições e conseqüências dos fatos comprovados; indicando seus nomes, sobrenomes, identificações e qualidades.

13.
A ata notarial protocolar será lavrada em livro próprio.

14.
A ata notarial extra-protocolar poderá ser lavrada quando resultar de sua relação com o documento apresentado.

15.
É vedada a correção de atos notariais ou outros documentos públicos por ata notarial.

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1

DINIZ, Maria Helena. "Curso de Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral do Direito Civil" v. 1 São Paulo: Saraiva, 1998 p. 230.

2 KÜMPEL, Vitor Frederico. "Curso Damásio de Jesus" São Paulo, 2004, p. 37.

3 GONÇALVES, Carlos Roberto. "Direito Civil Brasileiro - Parte Geral" v. 8 São Paulo: Saraiva, 2000 p. 86.

4 Código de Processo Civil, art. 364; Lei n° 8.935/94, arts. 6° e 7°, III.

5 Codigo Civil Brasileiro, art. 215; Proc. SLS 128 - STJ.

6 Normas de serviço Cartório extrajudicial - SP, Capítulo XIV, do Cartório de Notas, Seção II.

7 Proc. CP 6/04-TN, 2ª Vara de Registros Públicos do Estado de São Paulo; Art. 5º, II, CF.

8 Proc. CP 6/04-TN, 2ª Vara de Registros Públicos do Estado de São Paulo; Art. 5º, II, CF.

*Desde o ano de 2000 até os dias atuais.

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* Escrevente autorizado, 26º Tabelionato de Notas de S. Paulo.





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