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O Novo Código Deontológico Italiano: como surgiu e o que o distingue como marco eficiente e eficaz

Em homenagem ao digno e celebrado advogado Dr. Elias Farah.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Atualizado em 25 de agosto de 2014 11:37

I

A Reforma Forense: seu procedimento


1) Com muito empenho, aplicação e disponibilidade de todos os agentes interessados em dar nova feição para resolver os problemas da Justiça, a partir do Conselho Nacional Forense ser constituído, a interlocução foi serena e acompanhou o momento crucial que vive a Itália.

Ou todos se dispunham a escutar as propostas construídas com seriedade e promover uma interlocução despida de interesses ocultos ou mascarados, ou se enterraria o sistema jurídico. E, assim, em 2006, foi instalado o Conselho Nacional Forense. E, desde logo, inaugurados os trabalhos para ampla reforma forense que se concluiu com a lei 247 de 31/12/12.

2) Não bastava. A unanimidade dos autores assim exigia e, a partir da vigência da lei 247, que se deu em fevereiro de 2013, começaram a ser editados, discutidos e aprovados quatorze regulamentos como prescrevia a reforma, levando em boa e precisa conta, imperioso seria adequá-los ao complexo legislativo dos princípios da democracia representativa, com a seriedade que tal atitude exige. Assim, o texto que foi redigido, deveria ter pareceres decisivos, conclusivos e fundamentos das Ordens Regionais, das associações com representatividade e, sine ira etsine cura, haver modificações e integrações em todas as colaborações, para acontecer a aprovação definitiva.

Destaco que o Ministério da Justiça empenhou-se com todo seu pessoal e alto discernimento, cultura e interesse, num resultado positivo, elevado que atendesse aos compromissos e princípios da democracia representativa.

E é de competência do Ministério da Justiça prover a arquitetura do Sistema, por meio de regulamentos, que dão o ordenamento forense, com as peculiaridades marcantes para a profissão de advogado.

3) De relance, daremos realce ao Conselho Nacional Forense. Quais suas funções?

3.1 - O Conselho tem sua competência - aliás, várias - previstas na reforma forense.

3.2 - Não desenvolve atividade econômica, nem se imiscui com o dinamismo das atividades profissionais.

3.3 - Não é uma atividade administrativa independente, nem um órgão regulador do "mercado": é um juiz especial (surpreendentemente). E a sua função jurisdicional acaba de ser definida sem retoques, pela Corte de Cassação (equivale ao STF), por decisão de 29/5/14, que tem o número 12064.

A Corte demarcou que o Conselho Nacional Forense, quando se pronuncia sobre matéria disciplinar é "um juízo especial". Dito que tem raiz profunda na práxis italiana, gerado por legislação emanada ainda no período monárquico (decreto legislativo 382, de 23/11/44), surpreendentemente em vigor como dispõe a parte VI das Disposições Transitórias da Constituição. Vale confirmar que a função de "juízo especial" tem supedâneo legal e não tem possibilidade de ser confiada à regulamentação da parte das autoridades governamentais, fato jurídico esse a própria reforma encampou.

II
A nova deontologia forense segundo o advogado e professor Guido Alpa, Presidente do Conselho Nacional Forense

1) Guido Alpa é personagem destacado no mundo jurídico italiano, donde ter, por mérito, galgado do cargo em destaque.

Coube-lhe a tarefa de, em 16 de julho deste ano, proferir a Conferência inaugural do Ano Judiciário italiano, quando, no ano anterior, foi aprovada a reforma do ordenamento forense e, de particular, o novo código deontológico.

O eminente Presidente da República, Giorgio Napolitano, saudando-o, numa mensagem breve, mas profunda, pontualizou:

"dê-se mérito ao Conselho Nacional de toda a advocacia haver compartilhado a exigência de promover, ao máximo de competência e rigor, no exercício da profissão, uma profissão de grande relevância social, enquanto concorde, na dialética processual, à função constitucionalmente reconhecida de garantir o respeito dos direitos fundamentais e a aplicação da lei".

2) A conferência de Alpa é quantum satis para dar uma visão de quem sabe o que é deontologia forense e, no exercício profissional, com independência dos seus pertinentes, dignificar sua vida, ser imaculada, por comprovação.

3) Como o propósito deste escrito é oferecer aos Colegas pernambucanos, uma visão panorâmica da nova deontologia e, como penso, ela tem tudo a nos dar preciosos ensinamentos, que estamos a necessitar pelas precárias condições perpassadadas, em que mais ainda passamos, extensiva aos que vão redigir o novo código deontológico e, às pressas, aprová-lo, sem qualquer razão séria para isso. Permita-me, ao revés de analisar o longo e complexo texto peninsular (lembrando, aprovado em 31/1/14), rabiscar alguns dos pensamentos de Alpa lançados na conferência que tem 36 páginas.

E o faço, com satisfação, porque ouso extrair, como artesão, a essência, a mens, de tão significativo Códex.

Pois bem, Guido Alpa assim falou:

3.1 - Sobre a nova deontologia forense

3.1.1 - Tanto quanto razoável, para o leitor pernambucano, como para quem tem interesse, Alpa investiu na autoria: "O texto aprovado em via definitiva foi disponibilizado por uma comissão deontológica. O novo código deontológico é voltado antes de tudo à tutela do interesse público e ao correto exercício da profissão" e, "em particular, a lei previu a tendência da tipização dos ilícitos disciplinares e a expressa indicação sancionatória, as quais no código anterior cada fattispecie (termo já consagrado na literatura jurídica pátria), com um mecanismo de agravamento e de atenuação em relação à maior ou a menor gravidade do fato cometido" (p. 6 e 7).

3.1.2 - Tem o novo código 73 artigos inseridos com 7 títulos, assim inclui: os princípios gerais (arts 1-22); as relações com o cliente e a parte que é assistida pelo profissional (art. 23-27); as relações com os colegas (art. 38-45); os valores do advogado no processo (art. 46-62); as relações com terceiros e contra a parte adversa (art. 63-68); as relações com as Instituições forenses; o último (art. 73) contém uma conhecida "norma de fechamento", que permite incluir a "fattispecie tipizzate", o fato tipificado.

3.1.3 - Sumariamente, Alpa abordou o Título I, destacando dentre os Princípios Gerais, a independência e a autonomia e a concorrência leal; a diligência; a atualização e a formação permanente; o dever de cumprir todos os ônus que incidem sobre o exercício da advocacia (fiscais, previdenciários, seguro obrigatório profissional e contribuições de outras fontes).

Tendo em conta a formação e a especialização de Alpa, as relações com o cliente e com a parte assistida (v.g., um menor carente), o legislador deontológico deu prevalência a esta última, com a finalidade de destacar a vocação publicista das normas deontológicas. "Esta intromissão" publiscita exige profunda reflexão dos legisladores pátrios.

Realço que, na época da disseminação de informação, Alpa diz: "a informação é admitida por qualquer meio, mas o sito web deve ter domínio próprio sem redirecionamento, diretamente voltado ao advogado, ao escritório associado ou à sociedade de advogados a qual participe, com prévia comunicação ao Conselho da Ordem a que pertence da forma e do conteúdo do sito. Os banners publicitários são interditos".

3.1.4 - Alpa, com extremo zelo, aos deveres ínsitos, mas muito descuidados de que, na atividade do advogado, o respeito aos deveres de verdade, correição, transparência, sigilo e sigilo, são inegociáveis. Tradicionais infrações corporativas, equívocas, enganosas, denigritantes, sugestivas ou que contenham referências a títulos, funções ou encargos não inerentes à atividade profissional, nem indicações nominais de profissionais não ligados ou compartilhados com o escritório de quem o faz. São reprovadas e apenadas.

3.1.5 - Observações pertinentes Alpa esboça a respeito das Relações com os colegas (título III). Sobretudo, no escritório, o advogado deverá incrementar e favorecer o crescimento na formação dos colaboradores, tendo em conta o pessoal envolvido e a estrutura do próprio escritório. A remuneração dos "estagiários" ou "novos participantes" deve ser equitativamente cuidada, tudo dentro de um espírito aberto à negociação remuneratória adequada.

3.1.6 - En passant examina os Deveres do Advogado no processo, como as Relações com as Instituições Forenses, o dever de estar atualizado, levando à baila que está prevista em lei que o advogado se atualize e atente ao novo regulamento que prevê a instalação de adequados cursos que ponham o advogado à la page do novo, isso "tende a superar o sistema de créditos e a fornecer ao advogado recursos e contribuições intelectuais para utilizar futuramente na sua quotidiana missão" (p. 9). E as ordens regionais tem se empenhado nesse desiderato, de sorte que vem surgindo resultados satisfatórios para os profissionais e que a profissão seja melhor encarada não só pela mídia como pela sociedade.

3.2 - A respeito da responsabilidade social do advogado italiano, também, deve ser levado em conta com a responsabilidade do advogado europeu. Esse tema é sério, relevante, tem merecido, como ocorre ser de importância, incrementando reflexões e providências, pela extraterriolidade e suas consequências. Emolduro o espírito humanista dos colegas italianos, com o cuidado que dão aos colegas em dificuldades à sua manutenção, como, maiormente, a tutela dos infelizes que aportam sobretudo em Lampedusa, o empenho em dar um freio ao exagero das detenções cautelares, de molde a limitar a sua aplicação, resultando, até, este esforço com mudança do Código de Processo Penal e, mais ainda, as medidas de detenções preventivas.

O que me encantou foi que, adotando essas limitações, por razões de sobejo conhecidas, inclusive no Brasil idênticas, a vitória dos advogados foi decisiva, pois, como afiança Alpa, "sobre o juiz recairá também o ônus de uma motivação mais articulada, visto que no seu procedimento se deverá indicar a auto norma, avaliação das concretas e específicas razões para dar sustento da medida cautelar, ou qualquer medida solicitada pelo Ministério Público". Também foram introduzidas modificações para o "juízo de reexame" (requerido pelo acusado) com maiores garantias para ele, de sorte que esse esforço dos advogados pode mitigar a redução de detentos de maneira relevante, maiormente dos condenados com direito à revisão da pena e dos que esperam ser julgados, prejudicando a função reeducativa da pena, como previsto na Constituição (p. 11).

4 - Alpa fez uma pausa para abordar os efeitos da crise econômica sobre a profissão. Não mascarou, nem poupou palavras acerbas para dar a mostra dos seus efeitos, porém, o que é enaltecedor, a sinceridade não abalou a vocação do advogado, deixando claro um lema que integra a essência da profissão. Pois assim o é: "O cidadão está no centro da deontologia dos advogados", ou seja, com o Novo Código Deontológico, é reforçada a função social da advocacia e a tutela da entrega da coletividade à correta função de defesa.

Dito isso, Alpa põe na tela que essa atitude da advocacia, dá o tom do XXXII Congresso dos Advogados, que será realizado em Veneza entre 9 e 11 de outubro próximo com o título e o lema que a advocacia e seus profissionais "Não são mercado", reforçando o anterior de 2012, em Milão: "Os direitos não são mercadoria".

Sempre considerando a crise, clama que:

4.1 - A crise não deve abalar a confiança na profissão, porque "o direito é para o homem, não o homem para o direito".

4.2 - O advogado empregará todos os meios para auxiliar os que se acham em dificuldades (p. 12).

4.3 - O direito é "um dos motores da história", pois "Promovendo os direitos, promove-se o direito e, com isso, a prosperidade da sociedade" (p. 12).

4.4 - A crise dos subprimes "foi orquestrada para atingir a Europa e desestabilizar os governos" é uma coisa a ser tratada e, no livre jogo dos mercados, "o direito seria somente uma (incômoda) supraestrutura" (p. 13).

4.5 - Clama, com suporte em copiosa corrente doutrinária, que, com forte e segura regulamentação do mercado, pois o "o modelo europeu de economia social é a antítese daquele da economia liberal norte-americana", gerada de uma corrente daquele país liberal encabeçada por Friedman e Benson. Alpa critica que as regras da economia não são exaustivas, nem sempre confiáveis, tanto que a liberalização desregulada dos mercados forneceram o recurso a investimentos financeiros arriscados que se abateram como um câncer nos gânglios do sistema econômico global, convulsionando a produção industrial, comprometendo o comércio, privando do trabalho milhões de cidadãos e negando às suas famílias o sustento adequado" (p. 13/14).

4.6 - Devem os advogados pugnar pelo controle das operações econômicas, a prevenção e a solução de conflitos e a assistência extrajudicial dos seus clientes. E cabe ao juiz e, por óbvio, ao advogado, "procurar o equilíbrio nas relações de direito privado sacudidas pela crise" e aos tribunais dar os necessários contornos aos efeitos da crise, sobretudo comparando aos que perderam as suas casas (p. 14).

4.7 - Veemente: "A crise econômica não abdica o abandono do direito", por isso, a reforma da advocacia, em 2012, proclama que "o advogado tem a função de garantir ao cidadão a efetividade dos direitos" (art. 2, c. 2), tarefa essa que é empenhativa para os profissionais, mas que "não se pode resolver adequadamente se o sistema de administração da justiça não funciona" (p. 15).

5 - Alpa tem conta os princípios que sustentam a advocacia, meramente esboçados nesse trabalho, vai ao âmago da problemática da praxis, defendendo o papel impulsionador da atividade forense na formação do direito e, sobretudo, na criação de novos direitos. Leva em conta os trabalhos que vêm sendo desenhados, esboçados e propostos desde 2009, consolidadas as propostas em congressos de atualização forense, em várias regiões ocorridos.

5.1 - Para Alpa, a nova regulamentação deontológica dá e renova a dignidade da profissão e eleva a moral do advogado, porque ele passa ser fundamental e decisivo com "o poder de defender os direitos fundamentais e o direito de defesa em qualquer sede" e sobrepõe-se aos direitos internacionais inibitórios para proteger os imigrantes no conhecido "Projeto Lampedusa" (ilha em que são recolhidos os imigrantes que forem dos países africanos por motivos políticos e humanitários).

Os advogados se envolvem na tutela ambiental, com entusiasmo, como já conseguiram que os alimentos produzidos "Made in Italy" sejam isentos de agrotóxicos e de qualidade esmeradíssima.

5.2 - Os dirigentes da classe, intervindo diretamente no legislativo priorizaram ao advogado a consulta sobre assuntos jurídicos, a mediação e a negociação assistida (p. 15/18), como a função de árbitro e ainda partícipe das Câmaras arbitrais forenses (p. 19/20).

III

A crise da justiça

O observatório permanente sobre a justiça

A falácia na mediação

1 - A crise da justiça é preocupante, como foi e vem sendo cuidada em congressos e eventos públicos sobre o estado da arte e como empenhar-se em resolvê-lo.

2 - As estatísticas colocam a justiça italiana em níveis vexatórios, exigindo-se mais clareza, transparência e cuidado para fazer sua reforma ou reformas. É o que exprimem as estatísticas.

Para melhorar a prestação jurisdicional, o ordenamento profissional vigente autoriza o Conselho Nacional Forense, que, antecipando-se, instituiu e disciplinou o "observatório permanente sobre a jurisdição, com o fim de recolher dados e elaborar informações, estudos e propostas" (p. 22).

Desse observatório fazem parte dezenas de entidades, além das regulares classistas e "uma das propostas do Conselho consiste em reforçar a presença dos advogados e estender as tarefas dos conselhos judiciários no intento de aperfeiçoar as formas de colaboração entre a advocacia e a magistratura na organização da atividade de administração da justiça" (p. 22).

3 - Entre a teoria e a práxis da administração da justiça há um enorme hiato. É fato incontroverso.
Para repensar a justiça não bastam normas que complicam as coisas (digo: o Novo Código Comercial Brasileiro); novas normas que restaurem os Códigos, sem retoques; abster-se de gerar, em consequência, dos exageros nessas mudanças, difíceis problemas de direito intertemporal.

Sendo a Justiça um bem comum, é necessário recriar-se a confiança na sua funcionalidade, pois o que vem sendo feito, nos últimos anos, só tem privado a sua aplicação, num país que tem 10 milhões de cidadãos em situação econômica precária. "E em consequência, podemos negar-lhes o direito de fazer vales os próprios direitos?" e com uma onerosidade excessiva dos serviços profissionais? (p. 25).

Mas, a redução e a simplificação ritual dos ritos civilísticos não pode abstrair o que esse mesmo ordenamento dispõe: a indispensável motivação da sentença que é uma inegociável condição do Estado de Direito, sobretudo porque é garantia constitucional, mas mesmo sintética, deve ser fundamentada no dispositivo pertinente (p. 26/27).

4 - Escapando do modelo americano, que é falacioso, a mediação, para abreviar e compor conflitos e interesses, ou bem mal, procura meios e caminhos dentro do contexto da União Europeia, que busca normas para adequá-la a uma fórmula que não fira a soberania do país onde é preferida a decisão (p. 28/30).

5 - O processo telemático engatinha e, ainda em 2014, poderá deslanchar.

6 - Por derradeiro, Alpa menciona que "a lei de reforma da profissão confiou ao Ministério da Justiça o poder de emanar um regulamento para a constituição nas Ordens (locais naturalmente), de Câmaras arbitrais e de conciliação" (p. 31). Para estender o recurso a esses meios foi proposta uma regra que preveja o "translatio judicii", ou seja, "a possibilidade para as partes de uma causa civil, ainda que perda tempo (v.g., prescricional) de solicitar conjuntamente a transferência da causa do tribunal "a quo" à uma Câmara arbitral dentro dos Conselhos das Ordens forenses, com consequente redução nos tempos das decisões e diminuição das tarefas nos tribunais" (p. 32).

Enfim, os advogados e o Conselho, sobretudo, aguardam que o Executivo os provoque, mandando os textos das propostas a serem discutidas, modificadas, aprovadas ou rejeitadas, em benefício da concretização de que a Justiça é para todos os cidadãos.

Concluo, diz Alpa, apelando que os jovens não se refugiem em países onde os exames são de baixa qualidade (Espanha, v.g.), para vir ratificar a aprovação na Itália - o que é a prova de burlar a qualidade e a honradez da profissão - e, sobretudo aos jovens, deu uma palavra de esperança. Entrem, nos Conselhos da Itália, pela porta da frente, não buscando meios dúbios de seleção.

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*Jayme Vita Roso é advogado e fundador do site Auditoria Jurídica.

 

 

 

 

 

 

 

 

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