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A reforma da lei de execução penal

Ana Régia Santos Chagas

Mais uma vez, atua o legislador sob a premissa equivocada de que o esvaziamento dos estabelecimentos penais é solução para o caos vivenciado no sistema prisional.

sábado, 6 de setembro de 2014

Atualizado em 5 de setembro de 2014 09:55

Com o aumento expressivo da criminalidade e, em consequência, da população carcerária, o Estado vem enfrentando graves problemas decorrentes da superlotação das unidades prisionais, circunstância que reclama atuação urgente e adoção de medidas práticas e efetivas, aptas a estancar a crescente violação de direitos humanos da maioria dos indivíduos encarcerados que atualmente são submetidos a situações desumanas, que favorecem ainda mais o crescimento da violência e não colaboram em nada para a ressocialização.

Nesse sentido, tramita no Senado Federal o PL 513/13 que altera a Lei de Execução Penal e traz anotado no n. 13 da sua Exposição de Motivos que as modificações buscam dar "efetividade e celeridade" aos seus dispositivos.

Entre as modificações introduzidas, há vedação expressa de acomodação de presos em número superior à capacidade do estabelecimento prisional. Nessa hipótese, atingido ou ultrapassado o limite, há previsão de realização obrigatória de mutirões carcerários e elaboração de listas de presos que estão próximos a preencher o requisito temporal para obtenção da progressão de regime, visando antecipar a progressão e, com isso, adequar o número de presos à capacidade da unidade prisional.

Mais uma vez, atua o legislador sob a premissa equivocada de que o esvaziamento dos estabelecimentos penais é solução para o caos vivenciado no sistema prisional.

Com efeito, sabemos que a adoção de medidas dessa natureza não representa solução para o problema e nem mesmo traz efetividade às normas penais. Atualmente, a pena de prisão em nosso país é cumprida em condições que submetem os presos a situações desumanas, cruéis, injustas e degradantes, que servem apenas para produzir efeitos destruidores da personalidade do preso. As unidades prisionais não oferecem, nem mesmo de forma mínima, condições de educação, saúde, assistência social e oportunidades para a efetiva reintegração do condenado à sociedade.

É certo que não se pode pensar no encarceramento do indivíduo sem garantir o seu direito à dignidade e à liberdade. Nesse aspecto, durante o cumprimento da pena privativa de liberdade, não pode haver atuação repressiva e abusiva do Estado. Outrossim, não se pode perder de vista o dever de proteção da coletividade e do interesse social, mesmo à custa da liberdade do indivíduo, assegurando-se condições de segurança pública e proteção dos cidadãos contra atitudes delitivas de determinadas pessoas.

Verifica-se, pois, que a limitação das ações estatais para garantia e preservação dos direitos individuais dos encarcerados, deve ser harmonizada com o dever de proteção da coletividade, compreendido nas ações efetivas que também garantam segurança pública.

Nessa linha de pensamento, sobrevém na esfera penal o princípio da proibição da proteção deficiente que, como desdobramento do princípio da proporcionalidade, de um lado impõe ao Estado a observância das diretrizes humanitárias na consecução das medidas restritivas de liberdade e, de outro, exige atuação eficiente na repressão da criminalidade, com ações positivas que efetivamente garantam a segurança pública, sem que isso possa ser interpretado como "excesso".

É sabido que não há preocupação por parte do Poder Público em realizar ações e investimentos para a melhoria das unidades prisionais, especialmente no que diz respeito à reinserção social, com possibilidade de qualificação profissional e intelectual, visando à inclusão do egresso no mercado de trabalho.

Destarte, tem-se que a imposição de realização de mutirões visando antecipação de benefícios a condenados sem, antes, propiciar condições mínimas de ressocialização, resultará certamente na liberação de presos que, sem nenhuma perspectiva e nem mesmo oportunidade de inclusão social, voltarão a delinquir, aumentando ainda mais a criminalidade.

Nessa perspectiva, o Estado deveria atuar nas unidades prisionais com medidas preventivas e educacionais, para melhorar de forma efetiva o panorama do sistema prisional, investindo, por exemplo, na construção de novas unidades da Associação de Proteção e Apoio aos Condenados (Apac), para implementação do método que garanta o cumprimento humanizado da pena e a ressocialização do condenado, sem perder de vista a paz social e a segurança da coletividade.

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* Ana Régia Santos Chagas é juíza de Direito Titular da vara de Execuções Penais, Execuções Fiscais e Cartas Precatórias Criminais de Patrocínio/MG e integrante da Comissão da Amagis para estudos da Lei de Execução Penal.

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