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Nada a declarar, por Eudes Quintino

Nada a declarar

O direito ao silêncio é tutelado constitucionalmente ao acusado, que pode se recusar a responder as perguntas que venham incriminá-lo.

domingo, 21 de setembro de 2014

Atualizado em 19 de setembro de 2014 10:23

Por 17 vezes consecutivas, Paulo Roberto Costa assim se manifestou perante a Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga irregularidades na Petrobras, provocando, em consequência, atritos e infrutíferos debates entre governistas e oposicionistas. O Brasil aguardava com certa expectativa o depoimento do delator, que foi liberado para participar do ato sem algemas e com a advertência de que não estava obrigado a responder as perguntas formuladas. Apresentou-se silente durante duas horas, deixando entender que pretendia preservar o acordo de delação premiada firmado com a Justiça, pois resultando frutíferas as informações e investigações a respeito dos fatos denunciados, seria beneficiado com a redução da pena ou até mesmo perdão judicial, seu objetivo maior.

Diante de tal cena, a população brasileira, aquela que não conhece a técnica jurídica, vê dinamitar e implodir o poder investigativo da CPI, justamente pelo direito conferido ao suspeito de nada responder a respeito dos fatos investigados. Inúmeras perguntas, que refletem o interesse da nação em desvendar as tratativas irregulares envolvendo a empresa pública, ficam sem respostas. Ao leigo passa a impressão que a postura de indiferença do depoente representa um deboche aos representantes do povo encarregados da arguição. Será que o interesse individual, pergunta o cidadão comum no exercício de sua indignação, que se preocupa em tutelar somente determinada pessoa investigada supera o direito coletivo de se saber a verdade a respeito dos fatos perquiridos? A verdade não soa mais alto e pelo princípio da proporcionalidade não seria mais justo sacrificar o bem individualizado do que o coletivo?

O direito ao silêncio é tutelado constitucionalmente ao acusado, que pode se recusar a responder as perguntas que venham incriminá-lo. Cinge-se na esfera do também preceito constitucional da ampla defesa, corolário inseparável dos direitos da personalidade, assim denominados por Pontes de Miranda.

E este mesmo povo, pela expectativa de alguma definição ou alguma versão que possibilite um norte para a indagação que assombra o país, já encerra o julgamento e decreta condenação ao silêncio do implicado, por ter sonegado informações importantes à Nação. O momento seria oportuno, e carrega com ele com a frustração coram populo.

Mas o direito ao silêncio, visto pelas lentes do Direito, ganha assento constitucional e se insere nas garantias que cercam o cidadão quando investigado ou processado. Não compreende somente a zona de intimidade do infrator mas, também, o alargamento das fronteiras defensivas, não permitindo, desta forma, que produza provas contra si mesmo, quando é convidado a testemunhar o próprio opróbrio, como diz Tomás de Aquino.

A Carta Constitucional estende os braços para o princípio da presunção de inocência, que guarda estreita vinculação com a regra do nemo tenetur se detegere (ninguém está obrigado a produzir provas contra si mesmo), direito assegurado nas constituições democráticas, conforme se constata da norte-americana no instituto do privilege against self-incrimination (privilégio da não autoincriminação). O exercício desse direito não pode ser visto como uma penalização, um suplício, um antídoto da liberdade consagrada. E a liberdade do cidadão somente pode ser limitada em nome de outra liberdade mais prevalente, no critério estabelecido por seres iguais e livres, com liberdade de escolha.

Assim, não há como lastimar o nada a declarar, reserva que assegura ao cidadão o direito de não realizar provas contra si mesmo. Mas aquele com pouca frequência na área jurídica, com toda certeza, ficará decepcionado por não entender a complexidade do direito invocado, principalmente no período eleitoral.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.

 

 

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