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Decisão do STF sobre a desaposentação - Desdobramentos do voto do ministro Roberto Barroso

Decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a temática da desaposentação - considerações sobre os graves desdobramentos do voto do Relator Ministro Luís Roberto Barroso

Há mais de dez anos a maior parte dos magistrados tem acolhido a tese da desaposentação e são milhares de pessoas que já estão no gozo de um novo benefício.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Atualizado em 16 de janeiro de 2015 11:21

O Instituto de Estudos Previdenciários - IEPREV apresenta uma série de questões que devem ser suscitadas a partir do voto do ilustre Ministro Luís Roberto Barroso - proferido no julgamento RExt 661.256 (com repercussão geral) - que não se manifestou sobre vários tópicos essenciais em seu voto. O IEPREV, embora não faça parte do feito (na qualidade de amicus curiae) em que se discute o tema da desaposentação, pretende colaborar com o debate atualmente existente, reverberando centenas de dúvidas suscitadas por seus associados em todo o Brasil sobre os graves desdobramentos da decisão do STF caso o voto do Ministro Relator prevaleça.

O IEPREV tem atuado há 12 anos na prestação de informações a cidadãos, inclusive advogados previdenciários, realizando congressos, seminários, estudos e se debruçado sobre polêmicas envolvendo o Direito Previdenciário e não poderia se furtar de externar sua preocupação com o encaminhamento do julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal. Há mais de dez anos a maior parte dos magistrados tem acolhido a tese da desaposentação e são milhares de pessoas que já estão no gozo de um novo benefício previdenciário de natureza alimentar.

1ª Problemática: Situação de milhares de aposentados que já estão auferindo benefícios decorrentes de decisões judiciais favoráveis.

Situação jurídica de pessoas que já obtiveram decisões judiciais em primeira, segunda ou terceira instâncias considerando que o STJ (REsp 1.348.301/SC - REsp 1334488) há muitos anos tem pronunciado sobre o cabimento da desaposentação.

A maior parte das pessoas que já estão auferindo uma nova aposentadoria obteve decisões em sede de tutela antecipada, mas grande parte delas obteve decisum favorável no bojo de ações mandamentais (sentença de primeiro grau) ou mesmo por acórdãos proferidos por Tribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça.

Soluções propostas:

Possibilidade de o STF modular os efeitos da decisão judicial garantindo a estas pessoas o direito de continuar auferindo o valor obtido por força de decisão judicial favorável, sob pena de ofensa aos princípios da segurança jurídica e o da boa-fé.

Em caráter sucessivo, garantir a estas pessoas o direito à desaposentação de acordo com a fórmula proposta pelo STF, sem lhes impor a obrigação de devolver os valores já auferidos por força das decisões judiciais favoráveis, algumas delas em sede de acórdãos proferidos em segunda instância. O que está em debate é o caráter de hipossuficiência dos segurados do RGPS e a própria credibilidade do Poder Judiciário. Há de se ponderar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no caso em tela diante dos direitos sociais tutelados pela Seguridade Social e a natureza alimentar dos benefícios auferidos, não se podendo atribuir caráter absoluto à possibilidade de reversão de uma antecipação de tutela concedida, sobretudo quando tais decisões foram proferidas com espeque em decisões de um Tribunal Superior (STJ). Esta visão inclusive tem respaldado vários entendimentos dos tribunais com base na teoria do fato consumado1, sobretudo quando o prejuízo a ser proporcionado ao cidadão é maior do que a aplicação da estrita legalidade.

Possíveis desdobramentos em caso de omissão no julgamento do STF

Conforme o IEPREV tem constatado há muitos anos, caso o Judiciário reforme uma decisão sem ressalvar a desobrigação do segurado de devolver o valor auferido a título de verba alimentar decorrente de uma decisão judicial, ou seja, de boa-fé, o INSS já procede ao desconto até o percentual de 30% sobre os proventos de aposentadoria relativo a todos os valores pagos até a total quitação da dívida2, o que comprometerá a dignidade e sobrevivência destas pessoas que confiaram no Poder Judiciário e, sobretudo, amparadas em decisões uníssonas do STJ. Há de se ressaltar, ainda, o caráter alimentar das prestações previdenciárias e, sobretudo, o postulado da irrepetibilidade dos alimentos3. Alguns segurados certamente passarão a receber valores inferiores a um salário mínimo em decorrência destes possíveis descontos, gerando um número significativo de processos judiciais para tentar fazer cessar os descontos porventura realizados.

Importante ressaltar que, no caso do RGPS, a situação é ainda mais séria, pois a média de todas as aposentadorias pagas pelo INSS, segundo o próprio MPS, é de R$ 928,36, ou seja, a questão da irrepetibilidade das verbas alimentares guarda contornos especiais relacionados à dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial4.

2ª Problemática: ativismo judicial desarrazoado que usurpa a competência do Poder Legislativo

A fórmula proposta pelo Ministro Luís Roberto Barroso estabelece que, no cálculo do fator previdenciário, adotará a idade e a expectativa de vida no momento da primeira aposentadoria e haverá somente o aumento na variável tempo de contribuição para a concessão da nova aposentadoria. A decisão do douto Relator se baseia no fato de que não se pode negar o direito à desaposentação tendo em vista que não existe retribuição (contrapartida) para o trabalhador que se aposenta e continua contribuindo, tendo sido abolido o pecúlio sem ter sido instituído qualquer retribuição ao trabalhador nesta situação fática.

Soluções propostas:

O IEPREV entende que não compete ao Poder Judiciário modificar a regra de cálculo do fator previdenciário, inclusive com base em alegados estudos atuariais produzidos nos autos, sendo salutar que tal deliberação seja realizada pelo Congresso Nacional com ampla participação popular e cuja fórmula ou solução seja objeto de votação pelos representantes eleitos pela sociedade brasileira. Nesse caso, o ativismo judicial do STF extrapola a razoabilidade e institui critérios de cálculos que destoam da tradição da Corte Suprema, no afã de alcançar uma solução que não seja demasiada lesiva aos interesses do segurado ou supostamente onerosa para a Previdência Social. Essa natureza de análise tem cunho eminentemente político devendo ser exercida pelo poder legiferante. Compete ao Judiciário, sob pena de grave ofensa à segurança jurídica e princípio da separação dos poderes, reconhecer o direito dos segurados à desaposentação diante da inexistência de proibição legal, devendo o Poder Legislativo editar uma normal legal que regulamente este instituto ou, se for o caso, reinstitua o pecúlio.

O IEPREV entende ser fundamental que o STF garanta o direito à desaposentação, mormente para quem já pleiteou este direito administrativa ou judicialmente, a todos aqueles que continuaram trabalhando após a aposentadoria até que haja a devida regulamentação por parte do poder constitucionalmente incumbido de definir os critérios que julgar pertinentes. Criar uma fórmula baseada em estudos técnicos solicitados pelo relator para modificar nuances de um regime previdenciário de natureza institucional é usurpar, de forma teratológica e abusiva, as atribuições imputadas ao legislador e ao mesmo tempo contemporizar com a leniência deste mesmo Poder no sentido de não cumprir com sua função constitucional precípua.

O STF tem adotado uma posição concretista contemporânea e nobre em caso de omissão do Poder Legislativo como se verificou na situação das aposentadorias especiais dos servidores públicos, determinando a aplicação, a título de analogia, os preceitos do Regime Geral de Previdência Social (lei 8.213/91) até que o legislativo regulamente a matéria. Entretanto, salvo melhor juízo, não existe precedente na Corte segundo o qual o Poder Judiciário criou uma fórmula de cálculo para regular um determinado instituto relacionado ao seguro social, sem qualquer respaldo em analogia, com fundamentos em estudos atuariais e análises econômicas, função eminentemente atribuída ao Legislativo, muitas vezes com base em substanciosos estudos apresentados pelos técnicos do Poder Executivo.

Possíveis desdobramentos em caso de prevalência do voto do Ministro Relator

A decisão judicial, caso confirmada, abre um precedente perigoso ao atribuir ao Judiciário o poder de alterar ou conceber critérios de cálculos elaborados (ou não criados) pelo legislador. Por exemplo: é possível pleitear que os homens postulem, na definição da tábua de mortalidade para a definição de expectativa de vida do fator previdenciário, a média da expectativa de vida somente dos homens, conhecidamente inferior à expectativa de vida das mulheres. De acordo com a legislação atual, a tábua de mortalidade aplicada pelo IBGE é resultado de uma média entre a expectativa de vida dos homens e mulheres, o que acaba prejudicando os homens por terem uma expectativa de vida menor. Por outro lado, as mulheres também são lesadas, eis que recebem um bônus, no cálculo do fator previdenciário, somente para o aumento do tempo de contribuição (mais 5 anos) e não na idade, gerando desproporção no cálculo do fator.

Também há de se questionar a data de julho de 1994 como data de início para o cálculo do período básico de cálculo das aposentadorias concedidas pelo INSS? Por que o período básico de cálculo do benefício não é anterior a julho de 1994, sendo perfeitamente possível a conversão das moedas para que a média fosse feita com base em todo o período contributivo dos segurados (ou 80% de todo o período considerando os maiores salários de contribuição)?

Trata-se obviamente de uma escolha política do legislador. Assim sendo, o pronunciamento do relator, ao criar uma fórmula própria para regular a questão da desaposentação, permite que o Judiciário modifique critérios de cálculos ou estabeleça novos critérios para situações que não foram regulamentadas pelo Poder Legislativo, gerando insidiosa insegurança jurídica. No caso em tela, já existem critérios preestabelecidos para o cálculo de uma nova aposentadoria, sendo que o vácuo no ordenamento jurídico no sentido de criar outras fórmulas para o cálculo da desaposentação resulta da omissão do Congresso Nacional, devendo ser aplicadas as regras atuais até que haja a devida regulamentação.

3ª Problemática: decisão com efeito ex nunc

O douto Ministro Relator propõe que esta fórmula (por ele criada) seja aplicada somente após 180 dias após a publicação do acórdão (efeito ex nunc), podendo o Executivo ou Legislativo estabelecer novos critérios.

Soluções propostas:

A decisão é manifestamente contraditória, pois entende que a desaposentação é cabível e reconhece o enriquecimento sem causa por parte da Previdência Social durante anos a fio que se apropriou das contribuições previdenciárias de milhares de trabalhadores que se aposentaram e continuaram contribuindo e não terão qualquer retribuição, senão após o lapso de 180 dias por ele mencionado.

Ora, se a decisão proferida pelo relator entende que a nova fórmula não gera desequilíbrio atuarial no sistema previdenciário, sendo coerente segundo estudos que ele mesmo requisitou, por qual razão sua decisão não tem efeito ex tunc? Nesse caso, o relator incorreu em grave contradição, pois legitimará o enriquecimento sem causa da Previdência Social, exatamente ao contrário do entendimento segundo o qual é descabido o recebimento da contribuição sem retribuição/contrapartida ao trabalhador.

O IEPREV propõe que, caso esta fórmula prevaleça, ao menos que seu efeito tenha caráter ex tunc, sobretudo para as pessoas que já requereram a desaposentação, com as ressalvas realizadas ao longo deste documento.

Possíveis desdobramentos em caso de prevalência do voto do Ministro Relator

Como fica a situação de milhares de trabalhadores que contribuíram durante alguns anos e depois pararam de contribuir? Nesse caso, o INSS certamente aplicará o chamado divisor mínimo de 60%, ou seja, a autarquia previdenciária vai adotar como divisor mínimo as competências existentes entre julho de 1994 até a data do novo requerimento administrativo5. Assim sendo, a fórmula do relator desampara milhares de trabalhadores que não terão qualquer ganho no cálculo de uma nova aposentadoria, pois embora o fator previdenciário possa sofrer alguma melhoria, o tempo existente entre o fim do exercício laboral até a data do novo requerimento administrativo acaba prejudicando a média aritmética simples em face da aplicação do divisor mínimo. Ou seja, não se pode asseverar que o cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição leva em consideração somente o fator previdenciário, mas também é preciso levar em conta a média salarial. Nesse caso, seria fundamental que, caso a fórmula do relator for a prevalente, é salutar que o fim da apuração do período básico de cálculo seja realizada não com base na data do requerimento administrativo, mas sim na data em que o segurado parou de contribuição para não ocorrer o prejuízo decorrente do divisor mínimo de 60%, caso haja requerimento específico do segurado neste sentido.

A modulação dos efeitos temporais da decisão proposta pelo Relator tem várias implicações nebulosas. Poderá haver uma regulamentação infralegal que simplesmente crie critérios prejudiciais aos trabalhadores, pois em seu voto o Ministro permitiu que o Executivo pudesse estabelecer outros critérios que não fossem contrários às premissas estabelecidas no acórdão. Quais premissas são estas, até mesmo porque o relator chegou a cogitar a hipótese do trabalhador ter apenas 50% dos valores pagos a título das contribuições previdenciárias em caso de recriação do pecúlio? Novamente estabelecer este lapso temporal de 180 dias para que os Poderes Executivo ou Legislativo concebam uma fórmula que regulamente a desaposentação desmoraliza o Poder Judiciário que reconheceu a inconstitucionalidade da apropriação das contribuições previdenciárias e poderá ensejar novas ações judiciais discutindo o acerto ou não destes novos critérios. Trata-se de uma solução que poderá judicializar ainda mais a temática da desaposentação, desamparando milhares de trabalhadores que porventura contribuíram durante muitos anos e, por exemplo, deixaram de pagar há mais de cinco anos. Nesse caso, como ficaria a questão da prescrição caso fosse criado o pecúlio novamente?
4ª Problemática: ausência de menção quanto aos segurados que se aposentaram pela regra antiga e o direito à aposentadoria por idade ou aposentadoria especial

A fórmula proposta pelo douto Relator Ministro Luís Roberto Barroso cria uma série de questões tormentosas no tocante aos pedidos para aposentadoria por idade ou mesmo para quem se aposentou pela média dos últimos trinta e seis salários de contribuição antes da lei 9.876/99.

Soluções propostas:

Um dos argumentos utilizados pelo relator é o fato de que seria injusto aplicar o fator previdenciário integral (sem qualquer mudança na regra de cálculo) tendo em vista que muitos deixaram de se aposentar para receberem um benefício mais vantajoso para majorar o fator previdenciário. Ora, como fica o argumento do Ministro quando se analisa a situação dos segurados que se aposentaram com base na media dos últimos trinta e seis salários e não existia naquela época o fator previdenciário? Trata-se de uma situação muito comum; pessoas que se aposentaram de acordo com a lei antiga (na qual nada previa no tocante ao fator previdenciário) e hoje já conseguiram a desaposentação com base na regra atual. Como imputar a estas pessoas a idade da primeira aposentadoria, quando a legislação permitia o requerimento do benefício sem que a idade influenciasse no cálculo do benefício? Neste caso, o IEPREV propõe, caso esta fórmula seja aprovada, que as pessoas que se aposentaram pelas regras anteriores à lei 9.876/99 possam ser beneficiadas pela aplicação do fator previdenciário integral, sem qualquer ressalva.

Por outro lado, também existem situações em que as pessoas se aposentaram pelas regras antigas (por exemplo, um segurado que se aposentou em 1994) e continuou trabalhando até 1998. Neste caso, a desaposentação será concedida com base ainda nas regras antigas (anteriores à lei 9.876/99), tendo em vista que o trabalhador continuou exercendo atividade remunerada e teria direito de se aposentar também pelas regras anteriores, mas sem a incidência do fator previdenciário. O voto do Ministro não estabeleceu qualquer ressalva a este respeito.

Também a mesma situação se aplica para as pessoas que conseguiram a desaposentação para, por exemplo, transformar a aposentadoria em aposentadoria por idade. Nesse caso, a lei 9.876/99 é bem clara ao estabelecer que, na aposentadoria por idade, o fator somente será aplicado se houver ganho para o segurado6. O IEPREV propõe que, nessa hipótese também, não haja a aplicação da fórmula proposta pelo relator, porquanto a lei é bem clara ao estipular a não incidência do fator previdenciário (se reduzir a média) para as aposentadorias por idade.

A mesma exceção deve ser contemplada para as pessoas que continuaram trabalhando e adquiriram direito à aposentadoria especial em face do exercício em atividade insalubre posterior à jubilação. Nesse caso, também não se aplica o fator previdenciário. A mesma ressalva também deverá ser feita quanto ao benefício de aposentadoria especial.

Possíveis desdobramentos em caso de prevalência do voto do Ministro Relator

Percebe-se que a fórmula alternativa proposta pelo relator, por mais coerência teórica e abstrata que possa ter, criará inúmeros gargalos, pois nem todas as pessoas se aposentaram com o fator previdenciário e não houve, portanto, qualquer deliberação do cidadão no sentido de que a idade iria influenciar no valor do benefício. Por outro lado, esta decisão poderá entrar em linha de choque com normas legais que expressamente afastam a incidência do fator previdenciário para quem completou o direito à aposentadoria por idade: 65 anos homem e 60 anos mulher, gerando uma antinomia entre uma decisão proferida pelo Poder Judiciário e várias normas aprovadas pelo Congresso Nacional.

5ª Problemática: desaposentação para expedição de CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO para o segurado se aposentar em outro regime de previdência

O STF nada menciona acerca da desaposentação para fins de contagem recíproca de tempo de contribuição, ou seja, a pessoa que se aposentou e, por exemplo, ingressou no serviço público e pretende desaposentar-se para averbar o tempo de aposentadoria para o regime próprio de previdência social.

Soluções propostas:

As primeiras desaposentações7 concedidas pelo Poder Judiciário foram exatamente para permitir uma pessoa que se aposentou pelo INSS cancelar a aposentadoria e levar todo o tempo trabalhado para outro regime próprio de previdência social. Obviamente, se a aposentadoria pode ser renunciada a qualquer momento e não se constitui em ato jurídico perfeito irretratável, o servidor faria jus a expedição da certidão de tempo de contribuição e poderá se beneficiar com a integralidade do tempo trabalhado averbado junto ao INSS para averbar ao RPPS. Caso o STF entenda que a desaposentação somente terá efeito ex nunc, como ficará a situação de milhares de pessoas que já estão aposentadas pelo RPPS com tempo averbado do INSS em função da desaposentação? É salutar que a decisão do STF também module os efeitos de sua decisão para não prejudicar estes servidores públicos que eventualmente poderão ter seus benefícios cancelados com base no entendimento de que a desaposentação somente seria válida a partir do prazo de 180 dias após a publicação do acórdão.

Possíveis desdobramentos em caso de prevalência do voto do Ministro Relator

No caso em questão, corre-se o risco insidioso de autorizar a emissão de CTC do INSS para os regimes próprios de previdência social, autorizando-se a desaposentação, com tratamento anti-isonômico em relação aos trabalhadores vinculados ao RGPS que não teriam a possibilidade de averbar todo o período perante o próprio RGPS, senão para aumento do seu tempo de contribuição no cálculo do fator previdenciário. Importante ressaltar que, no caso específico destes servidores públicos que conseguem a desaposentação com a emissão da CTC, a situação é similar ao trabalhador que continuou recolhendo as contribuições para o RGPS, eis que o servidor público recebeu benefícios previdenciários após a sua aposentadoria concedida pelo INSS e com a averbação do tempo perante o RPPS a compensação financeira entre o INSS e os regimes próprios de previdência social deverá levar em consideração todo o tempo averbado.

Conclusão

O IEPREV, com as considerações acima expedidas, apenas procura suscitar algumas preocupações com uma posição do STF que desconsidere diversas nuances do caso sob análise, podendo gerar injustiças graves e judicialização dos desdobramentos que certamente ocorrerão caso o voto do Relator prevaleça.

Os segurados do RGPS não podem ser penalizados pela inércia do Poder Legislativo de harmonizar a legislação previdenciária. Ao se extinguir o pecúlio, o legislador forçosamente deveria ter regulado um incremento no valor da aposentadoria dos segurados do RGPS, sobretudo após a criação do fator previdenciário no ano de 1999.

É salutar que a legislação previdenciária seja harmonizada, até mesmo porque a própria existência do fator previdenciário tem sido inócua no sentido de diminuir a idade em que o trabalhador do RGPS se aposenta, que continua na faixa dos 53 anos, diante do caráter ininteligível desta fórmula atuarial. Muitas propostas já foram encaminhadas ao Poder Legislativo, inclusive para instituir uma isonomia maior no tocante ao servidor público efetivo que se aposenta de forma integral aos 30 anos de contribuição mulher e 55 anos de idade e 35 anos de contribuição homem e 60 anos de idade, garantindo-se aos servidores que ingressaram no serviço público antes da mudança da regra jurídica o direito a uma regra de transição conhecida como formula 85/95.

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1 (...) 3. Conforme a orientação jurisprudencial do STJ, aplica-se a teoria do fato consumado nas hipóteses em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos sociais do que a manutenção da situação consolidada pelo decurso do tempo em razão de ordem judicial concedida em mandado de segurança.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 460.157/PI, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/03/2014, DJe 26/03/2014)

2 Interessante notar que o Decreto 3.048/99 estabelece o desconto no valor do benefício previdenciário do segurado somente em razão de erro praticado pela Previdência Social, mas não regula a hipótese de decisão judicial reformada em outra instância, mas a prática adotada pelo INSS é diversa, sendo que usualmente o gestor já inicia a redução dos benefícios previdenciários em caso de reforma de decisão judicial. Eis o que dispõe o Decreto 3.048/99: "Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício(...) § 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito."

3 PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ.
1. Cumpre asseverar que não há nos autos informação da existência de tutela antecipada para recebimento do benefício previdenciário, conforme alegado pelo agravante.
2. A jurisprudência desta Corte é no sentido da impossibilidade dos descontos, em razão do caráter alimentar dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário, aplicando ao caso o princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Precedentes. Súmula 83/STJ.
3. A decisão agravada, ao julgar a questão que decidiu de acordo com a interpretação sistemática da legislação, especialmente nos termos do art. 115 da Lei n. 8.112/91, apenas interpretou as normas, ou seja, de forma sistemática, não se subsumindo o caso à hipótese de declaração de inconstitucionalidade sem que a questão tenha sido decidida pelo Plenário.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 432.511/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014)

4 https://www.previdencia.gov.br/legislacao/

5 Lei n. 9.876/99: "Art. 3o Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.(...)
§ 2º No caso das aposentadorias de que tratam as alíneas b, c e d do inciso I do art. 18, o divisor considerado no cálculo da média a que se refere o caput e o § 1o não poderá ser inferior a sessenta por cento do período decorrido da competência julho de 1994 até a data de início do benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo."

6 Lei n. 9.876/99: "Art. 7º É garantido ao segurado com direito a aposentadoria por idade a opção pela não aplicação do fator previdenciário a que se refere o art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei."

7 Previdenciário. Aposentadoria. Direito à renúncia. Expedição de certidão de tempo de serviço. Contagem recíproca. Devolução das parcelas recebidas.
1. A aposentadoria é direito patrimonial disponível, passível de renúncia, portanto.
2. A abdicação do benefício não atinge o tempo de contribuição.
Estando cancelada a aposentadoria no regime geral, tem a pessoa o direito de ver computado, no serviço público, o respectivo tempo de contribuição na atividade privada.
3. No caso, não se cogita a cumulação de benefícios, mas o fim de uma aposentadoria e o conseqüente início de outra.
4. O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos.
5. Recurso especial improvido.
(REsp 692.628/DF, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2005, DJ 05/09/2005, p. 515)

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*Roberto de Carvalho Santos é presidente do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários. Professor de pós-graduação em Direito Previdenciário. Advogado e ex-diretor de Seguridade da OABPREV/MG.

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