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Competência do Auditor Fiscal do Trabalho

Cássio Ramos Báfero e Leonardo Aurelio Pardini

Este entendimento merece ser melhor debatido pois envolve outras matérias de extrema importância e complexidade.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Atualizado às 08:38

Em decisão publicada na última sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015, processo TST-RR-564-34.2012.5.04.0741, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, reconheceu e conferiu competência ao Auditor Fiscal do Trabalho para verificar e aplicar determinada norma coletiva aos trabalhadores de uma empresa, sem que isto implicasse em invasão de competência da Justiça do Trabalho, por entender que o art. 11, inciso IV, da lei 10.593/2002 encampa tal hipótese.

No caso em tela, o Auditor Fiscal do Trabalho, emitindo juízo de valor, desconsiderou o Acordo Coletivo firmado pela empresa com o sindicato representativo da categoria profissional de seus empregados para determinar a aplicação de uma cláusula constante na Convenção Coletiva de Trabalho existente na categoria, por entender que referida cláusula desse instrumento coletivo era mais benéfica aos trabalhadores.

Pode-se dizer que o entendimento da 5ª Turma do C. TST, com relação à autonomia do fiscal do trabalho para aplicar a norma coletiva mais favorável, ou parte dela, a determinada categoria profissional, merece ser melhor debatida pelos profissionais atuantes no Direito do Trabalho, bem como por toda sociedade.

Primeiramente, vale destacar os termos do art. 11, inciso IV, da lei 10.593/2002, artigo de lei que foi tido como violado pelo C. TST, in verbis:

"Art. 11. Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições assegurar, em todo o território nacional:

IV - o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho CELEBRADOS entre empregados e empregadores;"

Já o decreto 4.552/2002, que aprova o regulamento da inspeção do trabalho, discrimina a alínea "c", do inciso I, do art. 18, o seguinte:

"Art. 18. Compete aos Auditores-Fiscais do Trabalho, em todo o território nacional:

I - verificar o cumprimento das disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à saúde no trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego, em especial:

c) o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho CELEBRADOS entre empregados e empregadores;"

Os artigos destacados, seja da lei 10.593/2002, seja do decreto 4.552/2002, deixam clara a intenção do legislador em conferir a execução, pelo Auditor Fiscal do Trabalho, do que foi firmado e ajustado pela empresa e o sindicato representativo da categoria profissional de seus empregados, sem mencionar, contudo, a possibilidade de aplicar aquilo que entende por correto ou benéfico à categoria profissional.

Veja que ambos os textos legais acima imprimem o termo "CELEBRADOS", ou seja, aquilo que foi firmado entre a empresa e o sindicato profissional através de acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho, não prevalecendo o entendimento do Auditor do Trabalho escolher uma norma mais favorável para então aplicar.

Como bem destacado na r. sentença de mérito do caso, o Professor Gustavo Felipe Barbosa Garcia ensina que:

"O Auditor-Fiscal do Trabalho, em exercício de atividade administrativa, de natureza administrativa, exerce poderes-deveres, o que necessita ser feito dentro dos limites da lei, sob pena de incidir em abuso ou desvio de poder" (GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2007. p. 731.).

Nesta toada, entende-se que o Auditor Fiscal extrapolou os poderes que lhe foram conferidos pela legislação vigente, uma vez que não cabe a este profissional pinçar norma de acordo ou convenção coletiva e aplicá-la separadamente, sob o argumento de ser mais favorável ao trabalhador.

Não é demais ressaltar que havendo confronto de normas coletivas deverá ser aplicada a norma mais favorável ao empregado, mas, para isto, é necessário verificar quais são as condições efetivamente mais favoráveis ao trabalhador, à luz da teoria do conglobamento, segundo a qual prevalece a norma que, no seu conjunto, for mais favorável, em equilíbrio com as eventuais desvantagens.

Neste passo, da forma que julgou o TST, restou conferido a possibilidade do Auditor do Trabalho utilizar a teoria da Acumulação, pois aplicou a convenção coletiva em decorrência do reajuste salarial, deixando à revelia as demais cláusulas do acordo coletivo, eventualmente mais benéficas. Vale destacar, em sentido contrário, decisão do próprio TST sobre a teoria da acumulação, in verbis:

"CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVO DE TRABALHO - PREVALÊNCIA - INSTRUMENTO COLETIVO MAIS FAVORÁVEL À CATEGORIA OBREIRA - TEORIA DO CONGLOBAMENTO - Sob a ótica da teoria do conglobamento, as convenções e acordos coletivos são considerados e interpretados em toda a sua extensão e não de forma pontual - Como preconiza a teoria oposta da acumulação, que a doutrina e a jurisprudência nacionais pacificamente não acolhem. Segundo o Regional, as condições estabelecidas na convenção coletiva de trabalho se mostraram mais vantajosas à categoria obreira. Para se decidir em sentido contrário ao do Regional seria necessário o revolvimento de fatos e provas, o que é vedado nesta esfera recursal de natureza extraordinária, a teor da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento desprovido. (TST - AIRR 0075900-43.2007.5.01.0243 - Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta - DJe 19.12.2014 - p. 1467)

Em verdade, caso prevaleça o entendimento do C. TST no acórdão em comento, poderia, em tese, o Auditor Fiscal do Trabalho aplicar convenção ou acordo coletivo de categoria diversa, porém semelhante e mais benéfica à categoria profissional, da qual adota a empresa.

Sabe-se, neste diapasão, que tais discussões merecem maior reflexão, pois envolvem outras matérias de extrema importância e complexidade, como, por exemplo, enquadramento sindical (atividade preponderante), objeto social da empresa, CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas e CBO - Classificação Brasileira de Ocupações está classificada a empresa, bem como a própria autonomia do Sindicato que tem o poder-dever de negociar em nome da própria categoria.

Desta forma, diante das particularidades e peculiaridades que envolvem a relação empresa-sindicato e as consequentes negociações, merece melhor reflexão e debate a possibilidade do Auditor Fiscal aplicar o que entende por correto com relação às normas coletivas, prestigiando, inclusive, a mens legis do constituinte, através do art. 7º, XXVI, e art. 8º, VI, da CF, os quais valorizam e exaltam a negociação coletiva.

Por fim, assim como inúmeras vezes citadas na decisão do C. TST, assinala-se a importância da atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho na atividade estatal, bem como a enorme relevância à República, pois asseguram o cumprimento das leis que protegem os trabalhadores, em especial nos contratos que engrandecem a informalidade, bem como a real precarização nas relações de trabalho.

______________

*Cássio Ramos Báfero, advogado do contencioso trabalhista do Demarest Advogados.

**Leonardo Aurélio Pardini, sócio júnior do contencioso trabalhista do Demarest Advogados.

ALMEIDA, ROTENBERG E BOSCOLI - SOCIEDADE DE ADVOGADOS

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