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NCPC e honorários advocatícios: o fim da súmula 306 do STJ

A aplicação do art. 21 do CPC de 1973 nada mais representava do que uma indevida autorização legal para a disposição de direito alheio.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Atualizado às 08:37

De acordo com o enunciado da súmula 306 do STJ, editada no ano de 2004, "os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte". Tal enunciado tem como referencial normativo o art. 21, do CPC de 1973, segundo o qual "se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas", conjugado com o art. 23 da lei 8.906/94, de acordo com o qual "os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor".

Das decisões que deram origem a tal súmula, merece análise o julgamento do REsp 290.141/RS levado a cabo pela Corte Especial do STJ1. De tal acórdão colhe-se como principal fundamento a sustentar a possibilidade de se compensarem os honorários em casos de sucumbência recíproca a aplicação do art. 23 do Estatuto da Advocacia apenas após a fixação dos honorários. Senão vejamos:

(i) "o aludido direito autônomo do advogado aos honorários advocatícios, na forma preconizada no art. 23 da Lei nº 8.906/94, somente se estabelece no mundo jurídico após a fixação da sucumbência pela sentença. Não antes." (trecho do voto do Min. Antonio de Pádua Ribeiro);

(ii) "no que tange à impossibilidade de compensação (...) primeiramente feita a compensação, o direito do advogado diz respeito ao que sobeja a essa compensação." (trecho do voto do Min. Fontes de Alencar).

Em sentido contrário foi o voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito para quem "se há direito autônomo, a compensação é impossível porque não se pode compensar direitos que a partes diferentes pertencem. Cada advogado é credor da parte contrária, daí a absoluta inviabilidade da compensação pretendida.".

A prevalência da primeira linha de interpretação no âmbito do STJ, segundo a qual o direito autônomo dos advogados aos honorários advocatícios apenas se estabeleceria após a fixação da sucumbência pela sentença, revela a adoção de uma concepção unitária do ordenamento jurídico, de acordo com a qual o direito subjetivo é o que nasce apenas no processo. O direito subjetivo, nesse caso, não residiria no ordenamento jurídico, mas seria gerado apenas pelo processo. Esse modo de conceber o direito, contudo, não se atenta para a realidade, pois o direito subjetivo - como o direito dos advogados aos honorários de sucumbência - existe independentemente do processo, desde que a lei assim o instituiu.

Ademais, há de se ter sempre em mente, como uma premissa a inspirar a análise de qualquer temática relativa aos honorários sucumbenciais que tais verbas possuem natureza alimentar e devem, portanto, receber o mesmo tratamento privilegiado que o ordenamento jurídico confere às outras quantias que possuem essa mesma natureza. O art. 85, §14, do NCPC, adota, contudo, orientação em sentido diametralmente oposta a então vigente ao vedar a compensação de honorários em caso de sucumbência parcial e ao mesmo tempo reconhecer sua natureza alimentar: "os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial".

A compensação, como se sabe, é um modo de extinção do vínculo obrigacional que tem lugar, nos termos do art. 368, do CC, apenas "se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra", nesse caso, "as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem". A aplicação desse instituto para fins de quantificação dos valores devidos à título de honorários sucumbenciais nas hipóteses de sucumbência parcial, no entanto, não só é tecnicamente equivocada, como também é socialmente injusta.

Como visto, de acordo com o art. 23 da lei 8.906/94 - e agora também de acordo com o art. 85, §14, do NCPC - os honorários de sucumbência pertencem ao advogado da parte vencedora, logo, nos casos de sucumbência parcial, não haverá aquela necessária reunião exigida pela lei em uma mesma pessoa das figuras do credor e do devedor que justifique a extinção das obrigações correspectivas. O autor, por exemplo, que foi em parte vencido deve honorários para o advogado do réu, mas ele não é parte legitima (apenas o seu advogado que o é) para exigir do réu o pagamento dos honorários devidos. Em outras palavras, na prática, a aplicação do art. 21 do CPC de 1973 nada mais representava do que uma indevida autorização legal para a disposição de direito alheio. Por isso, andou bem o Novo Código ao revogá-lo, e por consequência ao retirar o substrato legal para a aplicação da súmula 306 do STJ.

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1 Ver: REsp 290.141/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Rel. p/ Acórdão Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Corte Especial, julgado em 21/11/2001, DJ 31/03/2003, p. 137.

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*Paulo Henrique dos Santos Lucon é Professor Doutor da Faculdade de Direito da USP, vice-presidente do IASP e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Integrou a Comissão Especial do Novo CPC na Câmara dos Deputados. Advogado do Lucon Advogados.







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