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Compliance na contratação com a administração pública

Especial destaque adquiriu o instituto da compliance no contexto da governança corporativa.

terça-feira, 24 de março de 2015

Atualizado em 23 de março de 2015 12:32

Com a evolução do conceito e da abrangência do instituto da compliance que se verificou no mundo na última década, também no Brasil esse tema passou a ter importância fundamental para a atividade empresarial, tornando-se cada vez mais recorrente a preocupação de se garantir transparência na gestão, respeito à moralidade administrativa e segurança nas operações envolvendo o Poder Público.

Isso se deveu, principalmente, ao quadro normativo relacionado aos contratos celebrados com a Administração Pública, aos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, e contra o sistema financeiro nacional, e, também, a prática de atos ilícitos contra a Administração Pública.

São extremamente relevantes nesse sentido as disposições da lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, da lei 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, e a prevenção da utilização do sistema financeiro para fins ilícitos e, mais recentemente, da lei 12.846/13, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública.

São também de fundamental importância a lei 4.717/65 e a lei 8.429/92. Enquanto que a primeira cuida da ação popular (certamente um marco na defesa do patrimônio público), a segunda, regulamentadora da ação de improbidade administrativa, previu duras sanções para quem cometer atos que importem enriquecimento ilícito do agente, danos ao erário ou violação a princípio que rege a atividade administrativa, seja o autor do fato agente público ou beneficiário direto ou indireto do ato tido por ímprobo. Como se vê, o espectro de proteção do erário tem aumentado significativamente, assim como as hipóteses de responsabilização não apenas do gestor, mas, também, daquele que de alguma forma foi beneficiado com o ato ilícito.

Em razão disso, especial destaque adquiriu o instituto da compliance no contexto da governança corporativa, visando assegurar a regularidade da contratação de bens, obras e serviços para a Administração Pública, e prevenir a ocorrência de situações que possam ser consideradas infrações de natureza criminal com base nas leis 9.613/98, infrações de natureza administrativa e civil nos termos da lei 12.846/13 ou improbidade administrativa a teor da lei 8.429/92.

Mais do que direcionar a atenção das empresas para o cumprimento das normas legais, as boas práticas de governança devem exigir, para fins de compliance, uma auditoria permanente e dinâmica em todos os aspectos relacionados à contratação e execução dos contratos com a Administração Pública, desde o início do processo de licitação até o término da execução contratual, passando pelas questões normativas, técnicas, contábeis, financeiras e fiscais, bem como pelos impactos que possam resultar sobre o usuário do serviço público no caso das concessões comuns e das parcerias público-privadas.

É necessário que, paralelamente às atividades usuais de administração do contrato (isto é, aquelas relacionadas ao acompanhamento direto da execução físico-financeira, combinada ou não com a prestação de serviços, e medição, faturamento e recebimento), as práticas de compliance contemplem a verificação pari passu da conformidade contratual e documental em relação a cada aspecto envolvido, à luz do quadro normativo aplicável.

Esse processo de verificação permitirá, inclusive, que eventuais irregularidades documentais que porventura possam ter passado despercebidas em contratos já encerrados sejam corrigidas de modo a evitar potencias problemas em fiscalizações futuras realizadas pelos Tribunais de Contas e por outros órgãos de defesa do interesse público.

Para a estruturação de um sistema adequado de compliance é necessário que as empresas estabeleçam políticas e procedimentos de governança compatíveis com a amplitude, a complexidade e o vulto dos contratos celebrados com a Administração Pública, abrangendo, entre outros mecanismos, a adoção de código interno de conduta; de manuais de procedimento de compliance; de sistemas de coleta, cadastramento e verificação de dados e informações sobre clientes, empregados, fornecedores, prestadores de serviço; de procedimentos e sistemas de comunicação interna e externa relacionados a atos ou procedimentos suspeitos ou em desconformidade com as normas internas ou dispositivos da legislação aplicável; a estruturação e treinamento de equipes de compliance para verificação permanente do cumprimento de normas trabalhistas, tributárias, ambientais, do consumidor, etc.; e a orientação contínua de diretores e empregados sobre políticas de combate à lavagem de dinheiro e corrupção. É também indispensável, nesse contexto, que a área jurídica da empresa seja orientada em questões práticas relacionadas ao cumprimento de normas contratuais e legais aplicáveis aos contratos celebrados com a Administração Pública, especialmente a partir do enfoque extraído de decisões judiciais e dos Tribunais de Contas.

Outra vertente que deve ser considerada na estruturação do sistema de compliance é aquela das relações institucionais com as agências reguladoras e demais órgãos públicos e, para as empresa de capital aberto, com a Comissão de Valores Mobiliários e com os demais agentes do mercado, além, naturalmente, da própria observância das normas a elas aplicáveis.

Vale lembrar que as normas relacionadas aos contratos administrativos preveem sanções administrativas e penais que podem alcançar, além da própria pessoa jurídica, os seus administradores e empregados. Tais sanções abrangem multas pecuniárias, advertência, suspensão da participação em licitações e/ou impedimento de contratar com a Administração Pública, declaração de inidoneidade para contratar com a Administração Pública, além de penas de detenção, combinadas ou não com multas.

Assim, em vista desse novo e complexo quadro normativo, é imprescindível que as empresas rapidamente implantem, como parte dos seus procedimentos de governança, sistemas adequados de compliance para assegurar o devido cumprimento dos respectivos marcos regulatórios e das condições contratuais aplicáveis em cada caso, não apenas para evitar eventual responsabilização administrativa, mas, também, a criminal.

Como ganho adicional esse sistema minimizará o risco de eventuais desgastes de imagem da empresa perante a opinião pública na medida em que impedirá a ocorrência de situações que possam constituir infração das normas legais ou das condições contratuais.

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*Antônio Fernando Guimarães Pinheiro é advogado e sócio do escritório Pinheiro, Mourão, Raso e Araújo Filho Advogados.


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