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Que tal uma dose de coerência?

A proposta de resolução colocada em consulta pública pela Anvisa deveria facilitar o reenquadramento de medicamentos, mas criou requisitos desnecessários.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Atualizado em 18 de maio de 2015 15:04

A Anvisa fez publicar na edição de 8 de abril de 2015, consulta pública sobre proposta de resolução a ser editada, para regular o enquadramento de medicamentos na categoria de produtos farmacêuticos cuja venda independe de prescrição.

A indústria vem já há bastante tempo conversando com as autoridades na tentativa de facilitar esse processo de reenquadramento e de incluir novos grupos e/ou indicações para tornar o mercado brasileiro mais próximo do resto do mundo.

Lendo a proposta de resolução colocada em consulta pública, verificamos, mais uma vez, que a nova regulamentação é pior que a anterior e cria regras burocráticas adicionais totalmente injustificáveis.

A norma hoje vigente, RDC 138/03, apesar das suas falhas e omissões, é muito mais direta e prática, ao mesmo tempo em que mantém o controle necessário sobre eventuais riscos, por meio dos requisitos necessários para o embasamento de um pedido de reenquadramento de categoria:

1- O reenquadramento depende de que o medicamento a ele submetido esteja incluído na Lista de Grupos e Indicações Terapêuticas Especificadas- GITE;
2- O pedido só pode ser feito na primeira renovação do registro (5 anos após o primeiro registro) ou se tiverem no mínimo 5 anos e comercialização como "produto de venda sem prescrição" nos Estados Unidos da América ou na Europa;
3- O pedido deve ser suportado por dados de farmacovigilância;
4- Produtos novos serão sempre de venda sob prescrição; e
5- Produtos injetáveis serão sempre sujeitos a prescrição médica.

A proposta de resolução colocada em consulta pública que deveria facilitar o reenquadramento, obviamente sem se descuidar da segurança, na verdade criou complicações e requisitos inúteis e/ou desnecessários.

1- Logo de início, a resolução proposta estabelece um prazo mínimo de 10 anos de comercialização no Brasil e/ou em país cuja agência reguladora tenha acordo de cooperação com a ANVISA, para que o produto possa ser enquadrado com isento de prescrição, observada a segurança como definida na proposta.

Qual a justificativa para essa exigência? Observados os requisitos de segurança o prazo é absurdo. Um medicamento, ainda que de prescrição, comercializado por cinco anos, já terá dados de farmacovigilância suficientes para suportar um reenquadramento, mais ainda no caso de medicamentos com tendência para o mercado de venda livre.

Note-se que nos Estados Unidos e mesmo na Comunidade Europeia, dependendo do produto e das evidências fornecidas sobre segurança, a exigência de prazo de comercialização como medicamento de prescrição, embora não expressamente determinado, admite que o pedido seja feito já a partir do terceiro ano de comercialização. Nos Estados Unidos essas regras existem desde 1951 introduzidas pela alteração "Durham-Humphrey" feita à lei que regula o FDA (Agência Regulatória dos Estados Unidos da América). Na Europa, a regulamentação está colocada na Diretiva 2001/83/EC com as alterações introduzidas pela Diretiva 2004/27/EC.

2- Mesmo depois de aprovado pela ANVISA, o reenquadramento, a dispensação desse medicamento ficará restrita ao farmacêutico pó um período de 12 meses.

Essa exigência beira a irracionalidade. Um produto isento de prescrição que só pode ser dispensado por um farmacêutico é uma verdadeira contradição em termos.

Hoje no Brasil, nem produtos de prescrição exigem dispensação por farmacêutico (exceto os produtos controlados). Medicamentos de prescrição são dispensados por balconistas, ajudantes, assistentes ou, eventualmente, por qualquer um que esteja atrás do balcão.

Aliás, no Brasil, fora a já mencionada exceção dos produtos controlados, não se necessita de prescrição (receita) para comprar NENHUM produto de prescrição que é distribuído à torta e à direita, para qualquer cliente pagante.

Dentro desse quadro mais surreal se torna a regra que obriga a dispensação de produto de venda livre por farmacêutico (e apenas por farmacêutico) nos primeiros 12 meses após o reenquadramento.

3- A proposta de Resolução submetida à Consulta Pública traz em seu Capítulo III o que deveria ser um aperfeiçoamento e evolução sobre a RDC 138/2003, ao estipular que o Guia de Classes Terapêuticas de Medicamentos Isentos de Prescrição - GCTMIP (novo formato e denominação da GITE) deve ser atualizada, no mínimo uma vez por ano.

Digo "deveria ser", porque a ANVISA que é o órgão competente, por definição legal e por capacidade técnica, para regular o mercado farmacêutico, especialmente no que toca aos requisitos de registro das diversas classes de medicamento, na proposta de Resolução, terceiriza a sua responsabilidade (para todos os terceiros eventualmente interessados) por meio do pitoresco artigo 7º:

Art. 7º Após a aprovação da ANVISA, a(s) classe(s) terapêutica(s) e/ou indicação(ões) e/ou princípio(s) ativo(s) e/ou concentração máxima candidatas a inclusão no GCTMIP passará(ão) por consulta pública antes da publicação online da atualização do GCTMIP. (grifos nossos)

Será que a ANVISA poderia esclarecer a utilidade desse procedimento? Em países com agências regulatórias reconhecidas como eficientes e sérias pela ANVISA - como o FDA e a Agência Regulatória Europeia - EMEA (EMA) a revisão cabe a um "Comitê" com competência científica para o encargo e não a uma consulta pública.

4- Pelo capítulo IV da proposta de Resolução a ANVISA requer que sempre que for atualizada a GCTMIP, as empresas detentoras de produtos reenquadrados devem solicitar a alteração da restrição de prescrição, acompanhada de um documento de "justificativa" da petição.

Ora, se quem está fazendo o reenquadramento é a própria ANVISA que tem (ou deveria ter) um completo banco de dados dos medicamentos, o que justifica a exigência de uma "solicitação de alteração"? Porque não pedir exclusivamente uma notificação incluindo o novo texto de bula e a nova embalagem, que não requereriam nenhuma aprovação?

5- Finalmente, pelo artigo 10 da proposta de Resolução a ANVISA se reserva o direito de, mesmo depois de:

(1) examinar todas as evidências que dariam ensejo ao reenquadramento do medicamento, como descritos no Capítulo II;
(2) proceder à alteração na GCTMIP;
(3) submeter a alteração da GCTMIP a uma consulta pública e;
(4) publicar a alteração

"exigir provas adicionais" (???) relativas à condição de enquadramento, instruir processo administrativo para reavaliar o enquadramento.

Como se verifica, a proposta parece criar mais problemas do que soluções.

Com a palavra a ANVISA.

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*Marcos Lobo De Freitas Levy é advogado do escritório A. Lopes Muniz Advogados Associados.

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